20/09/2024

Queimadas afetam qualidade do ar em quase todas as capitais

 Queimadas afetam qualidade do ar em quase todas as capitais

Fumaça de incêndio no Parque Nacional de Brasília avança em direção à cidade Foto: Eraldo Peres-AP-picture alliance

 

Programa europeu de monitoramento Copernicus aponta aumento de até quase 400% nos níveis de poluição em setembro; Porto Alegre teve pico de concentração de poluentes, e Teresina foi a única a não registrar dias piores.

Por dias seguidos, o sol apareceu vermelho em Brasília (DF), por detrás de uma camada cinza de fumaça e fuligem. Mais de 6% da área do Parque Nacional, situado a poucos quilômetros do centro da capital, pegou fogo. O incêndio teve origem criminosa e se alastrou com muita facilidade, às vezes de forma subterrânea, passando por baixo de rios, queimado matas de galeria do cerrado a partir da raiz.

A mesma neblina cinzenta cobriu Porto Velho (RO) nos últimos dias, só que vinda dos megaincêndios que se alastram pela região amazônica, que sofre com a estiagem e com os efeitos do desmatamento. A taxa de incêndios na floresta dobrou em relação a 2023 – foram mais de 30 mil focos de queimada de 1 a 16 de setembro, ante 26 mil em todo o mês no ano passado, segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

Não é preciso estar perto do fogo para sofrer com a fumaça. Moradores de Porto Alegre (RS), que há quatro meses estava parcialmente submersa devido às fortes chuvas que arrasaram o estado, lidam com a dificuldade de respirar e com o fenômeno da "chuva preta" – nuvens carregadas de água se juntaram à fuligem de queimadas ao norte.

No dia 13 de setembro, a concentração de partículas finas no ar da capital gaúcha chegou a ficar 394% superior à média registrada para setembro entre 2017 e 2023. Ou seja, o ar ficou quase quatro vezes mais poluído do que a média dos últimos sete anos para o mês. 

O dado é do Copernicus, programa de monitoramento de mudanças climáticas da União Europeia (UE), que verifica, entre outros indicadores, a concentração no ar de material particulado fino do tipo PM 2,5 – poluentes com diâmetro inferior a 2,5 micrômetros.

De acordo com análise feita pela DW dos dados registrados pelo Copernicus de 11 a 18 de setembro, praticamente todas as capitais brasileiras tiveram alguma piora em relação aos registros anteriores para o mês, com exceção apenas de Teresina (PI). 

O serviço de monitoramento faz estimativas diárias da qualidade do ar no mundo a partir de observações por satélites e simulações computacionais da atmosfera semelhantes aos modelos usados para previsão meteorológica.

Maior concentração de material particulado no ar

Minúsculas partículas de poluentes suspensas no ar podem ser inaladas e penetrar a região torácica do sistema respiratório, causando problemas de saúde. Para a Organização Muncial de Saúde (OMS), o "nível seguro" dessas partículas é de 5 microgramas por metro cúbico.

A cidade de São Paulo conquistou o título de metrópole com a pior qualidade do ar do mundo na semana passada, com o ápice de 81 microgramas de PM 2,5 por metro cúbico no dia 10, de acordo com medição do site suíço IQAir, que usa outra metodologia. O indicador estava 15,2 vezes acima do limite recomendado pela OMS.

De acordo com o Copernicus, o pico de poluição na capital paulista em setembro até agora foi registrado um dia antes, no dia 9, quando o ar de São Paulo estava 143% mais poluído que a média dos últimos sete setembros. No dia 10, esse índice era de 89%. 

O monitoramento europeu apontou que Porto Velho e Rio Branco tiveram os piores índices de concentração de material particulado fino nos dias analisados pela DW.

Um problema de todos

Em Campo Grande e outras cidades do Mato Grosso do Sul, o ar chegou a ficar quase 17 vezes mais poluído do que o limite estipulado pela OMS. De acordo com o Copernicus, o ar da cidade chegou a ficar 372% pior que a média no dia 15 de setembro. A densa névoa que cercou a capital sul-matogrossense veio de incêndios no Pantanal, além de queimadas na Bolívia, Paraguai e no Norte brasileiro.

O problema das queimadas não está limitado ao Brasil. A América do Sul quebrou o recorde de incêndios anuais no dia 11 de setembro. Segundo o Inpe, que analisou dados de satélite, foram registrados até aquele dia 346,1 mil focos de queimada somando todos os 13 países sul-americanos, ultrapassando o recorde registrado para o período em 2007, de 345,3 mil casos.

O Brasil sozinho bateu a marca de 180 mil focos de incêndio em 2024, totalizando mais de 224 mil km² de área queimada até o final de agosto – quase o tamanho do estado de São Paulo.

O programa europeu de monitoramento frisa ainda que o problema da poluição do ar não é local, uma vez que as partículas podem viajar milhares de quilômetros pelo céu, transportadas pelo vento e nuvens.

O calor e a seca históricos, impulsionados pela crise climática, são os principais responsáveis por essa temporada asfixiante no Brasil e na América do Sul.

Especialistas afirmam que o cenário poderia ter sido aliviado, com mais ações preventivas e de fiscalização. Destacam ainda que a falta de recursos e de coordenação de ações pelo governo federal favoreceram as queimadas e a propagação da fumaça pelo país.

Para a coordenadora de Políticas Públicas do Observatório do Clima, Suely Araújo, o combate ao fogo deveria ter sido elevado a um "verdadeiro problema nacional".

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva reconheceu que o país não estava preparado para as queimadas e sugeriu que a profusão de incêndios no país seja fruto de uma ação orquestrada. Ele autorizou, por medida provisória, um crédito extraordinário de R$ 514 milhões para ações de emergência e combate aos efeitos dos incêndios florestais e da estiagem na Amazônia (DW, 19/9/24)