09/02/2023

A cruzada de Lula contra o BC – Editorial O Estado de S.Paulo

A cruzada de Lula contra o BC – Editorial O Estado de S.Paulo

ESTADÃO AZUL

Ao atacar decisões do BC, Lula age como amador, pois prejudica o País; mas, todos sabemos, Lula não é amador: em campanha permanente, ele busca um culpado pelo crescimento pífio.

 

O presidente Lula da Silva elegeu o Banco Central como um inimigo de seu governo. A exemplo do que tem feito nas últimas semanas, o petista aproveitou a cerimônia de posse da presidência do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para criticar, mais uma vez, a autonomia da instituição e a taxa básica de juros. Para ele, não há explicação para a Selic estar em 13,75% ao ano, “uma vergonha”, a não ser o fato de que o País teria uma cultura de juros altos que impede o crescimento econômico.

Por pura coincidência de datas, a resposta do BC veio no dia seguinte, na divulgação da ata do Comitê de Política Monetária (Copom) do BC. A instituição reiterou o compromisso de cumprir as metas de inflação e destacou o efeito das incertezas fiscais sobre as premissas com as quais trabalha para tomar suas decisões. Em suma, a ata deixou ainda mais claro aquilo que o comunicado da semana passada já havia evidenciado: para conter a piora das expectativas de inflação, a Selic permanecerá elevada por mais tempo do que o esperado.

Porém, em um ato que até mesmo o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, considerou “amigável”, o BC disse que a execução do pacote fiscal do governo “atenuaria os estímulos fiscais sobre a demanda, reduzindo o risco de alta da inflação”. É uma clara tentativa de reconstruir pontes – afinal, o plano de Haddad se baseia muito mais no aumento das receitas do que na redução de despesas. O BC, portanto, garantiu ao governo o benefício da dúvida, ainda que todos os sinais, até o momento, apontem na direção contrária do resgate da responsabilidade fiscal.

O que o governo fará com esse gesto está nas mãos de Lula. Mas, até agora, tudo que o presidente fez foi jogar contra si mesmo e contra o País. Ao questionar a autonomia do BC e as metas de inflação, Lula hostiliza justamente os limites a seus devaneios populistas e desenvolvimentistas, sinalizando desprezo pela responsabilidade fiscal – o que tende a pressionar a inflação e, consequentemente, os juros futuros, com imenso prejuízo para o crescimento do País e para o poder de compra dos mais pobres.

Ademais, o tom do discurso de Lula não esconde a existência de uma cisma pessoal com o presidente do BC, Roberto Campos Neto, indicado ao cargo pelo ex-presidente Jair Bolsonaro. Basta lembrar que Lula, em seus dois primeiros mandatos, guardava obsequioso silêncio sobre os juros, deixando a seu vice, José Alencar, o papel de crítico contumaz do BC.

Há muitas visões diferentes sobre o nível de juros ideal para conter a inflação. O tema rende discussões apaixonadas, mas que devem partir de pontos de vista técnicos. Ao transformar esse debate numa questão pessoal, Lula somente enfraquece seus próprios argumentos, mesmo porque o mandato de Campos Neto vai até o fim de 2024. Ademais, Lula evidencia o quanto seu discurso é eminentemente político – a afirmação de que os atos golpistas de 8 de janeiro foram uma “revolta dos ricos que perderam a eleição” não resiste à realidade dos fatos.

O problema é que, ao manter a aposta na polarização contra a qual prometeu trabalhar quando foi eleito, Lula tem dado sinalizações muito ruins que trazem consequências, também, na área econômica. Não bastasse não ter apresentado até agora um rascunho de âncora fiscal para substituir o teto de gastos, Lula antecipou em meses o debate sobre as metas de inflação, uma definição certamente legítima, mas que só viria em junho. O resultado não poderia ser outro: as expectativas de inflação perderam referência e não param de subir, assim como a curva de juros futuros, diminuindo as chances de o BC cortar a Selic.

Fosse Lula um amador na política, caberia perguntar a quem serve esse discurso, mas este certamente não é o caso do petista. Ao recusar-se a descer do palanque, ele busca um culpado por mais um ano de crescimento econômico pífio. Para os investidores, que sabem se proteger em um cenário macroeconômico adverso, isso não é um problema – diferentemente do resto da população e, sobretudo, dos mais pobres, maiores vítimas da inflação. Nessa cruzada, Lula boicota seu próprio governo e prejudica aqueles que ele tanto diz querer ajudar (O Estado de S.Paulo, 9/2/23)