21/03/2024

A trapalhada do ministro – Editorial Folha de S.Paulo

A trapalhada do ministro – Editorial Folha de S.Paulo

Ricardo Lewandowski -Foto Blog Metrópoles

No afã de mostrar serviço, Lewandowski ultrapassa fronteira com caso Marielle.

Nos 17 anos em que serviu como ministro do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandowski não raramente viu-se envolvido em polêmicas decorrentes da origem de sua indicação para o cargo, a proximidade com o então e hoje presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Enumeram-se entendimentos favoráveis ao petismo, de embates pelo garantismo quando relator do mensalão ao fatiamento da decisão sobre o impeachment de Dilma Rousseff, que permitiu à ex-presidente manter direitos políticos.

Seus defensores sacam o notório saber jurídico, que o destacava de outras escolhas mais políticas feitas pelo próprio Lula à corte. Aposentado em 2023, rumava para uma lucrativa carreira privada.

Mas foi convocado pelo PT para substituir Flávio Dino, ex-ministro da Justiça levado ao Supremo. Esperava-se uma gestão menos estridente do que a do maranhense, mas esse primeiro mês e meio se mostrou desafiador ao vaticínio.

Lewandowski viu-se logo confrontado com uma crise inaudita, a fuga de dois presos de uma penitenciária federal de segurança máxima em Mossoró (RN). Correu a enumerar medidas e promoveu intensa mobilização policial. Dos fugitivos, porém, não há notícia.

A pressão na área da segurança, apontada em pesquisas como um calcanhar de Aquiles da gestão Lula, desaguou em novo ineditismo.

Na terça (19), o ministro fez um inusitado anúncio da homologação, pelo ministro do STF Alexandre de Moraes, da delação premiada de Ronnie Lessa, preso sob acusação de matar a vereadora carioca Marielle Franco (PSOL) e o motorista Anderson Gomes, em 2018.

Ressalvando desconhecer seu teor, disse que a delação "traz elementos importantíssimos que nos levam a crer que brevemente teremos a solução do assassinato".

Não é papel de um ministro do Executivo antecipar investigações criminais. Pior, sugere afã de atender à cobrança de Lula por mais divulgação do governo, ante a queda de sua popularidade. O pasmo foi expresso até pela viúva de Marielle, Mônica Benício, que sentiu cheiro de exploração política.

Além de inapropriada, a fala tem o duplo condão de arriscar o ministro ao vexame, caso não haja avanços no necessário esclarecimento do crime, e o de politizar quaisquer elucidações (Folha, 21/3/24)