Ações de Temer com caminhoneiros agravaram incerteza, dizem executivos
Para grandes empresas, medidas para conter paralisação limitam a retomada da economia do país.
Três meses após a paralisação dos caminhoneiro s, empresas relatam efeitos negativos duradouros do movimento sobre a demanda e o investimento.
Medidas tomadas pelo governo para pôr fim à manifestação, como a tabela do frete, têm pressionado custos e ampliado a incerteza causada pela indefinição eleitoral.
“O Brasil ter ficado de joelhos por causa da greve dos caminhoneiros foi um fator de desestabilização muito forte”, diz Robson Campos, diretor-executivo financeiro e de novos negócios da Camargo Corrêa Infra.
Segundo Campos, isso afetou a confiança na retomada e fez com que a disposição de empresários para novos investimentos em infraestrutura —importante motor do crescimento, que dava sinais de tímida melhoria— entrasse de novo em “modo de espera”.
Embora a produção no país tenha voltado a crescer após a paralisação, empresários sentem efeitos negativos permanentes, como a elevação nos preços de fretes, resultado do tabelamento negociado entre governo e caminhoneiros.
“Nosso ponto de preocupação em relação aos efeitos da greve é a tabela de fretes. Estamos buscando ações de mitigação desse expressivo impacto em nossos custos”, afirmou Gustavo Werneck, principal executivo da Gerdau.
Entre as soluções estudadas pela siderúrgica, segundo ele, estão a ampliação do transporte por ferrovias, cabotagem e frota própria.
Outro setor muito afetado pelo tabelamento foi o de cimento. O frete representava 25% das vendas líquidas do setor. Após a paralisação, a fatia ultrapassa 50%.
“A recessão foi como uma queda do cavalo. Aí veio o coice da greve dos caminhoneiros”, diz Paulo Camillo Penna, presidente do SNIC (Sindicato Nacional da Indústria do Cimento) e da ABCP (Associação Brasileira de Cimento Portland (ABCP).
Penna relata que, das 64 fábricas de cimento existentes no Brasil, 15 encontram-se fechadas —seis em São Paulo.
No período de crescimento mais forte da economia, o setor aportou recursos para aumentar a oferta. Muito do novo investimento ficou pronto em plena recessão. Com a retomada lenta, o segmento deverá encerrar 2018 com capacidade ociosa recorde.
Com a indefinição eleitoral —e a consequente falta de clareza sobre as reformas e a perspectiva de retomada—, muitas empresas têm preferido esperar para investir.
“No nosso caso, o grande desafio não é financiamento nem caixa. É captação de novas encomendas”, diz Campos, da Camargo Corrêa Infra.
Segundo especialistas, a paralisação agravou esse cenário de incertezas.
Após amargar forte queda em junho, ecoando os efeitos do movimento dos caminhoneiros, o índice de confiança do consumidor do Ibre/FGV (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas) esboçou leve reação em julho. O dado de agosto, no entanto, voltou a recuar.
“Tirado o elefante da sala, houve um alívio, e a confiança aumentou um pouco. Mas, passados quase três meses, não tem ocorrido um retorno para o patamar anterior”, diz Aloisio Campelo Jr., superintendente de estatísticas públicas do Ibre/FGV.
Na indústria, a confiança ficou estável em junho e julho, mas, em agosto, recuou para o menor patamar desde janeiro.
Segundo especialistas, ao elevar custos e chamar a atenção para os riscos de instabilidade no país, a paralisação fortaleceu a tendência de postergação de decisões de consumo e investimento.
Os efeitos negativos desse impacto têm sido sentidos na produção de alguns setores, como o automobilístico, o que afeta a demanda por insumos, como o aço.
“Tivemos um crescimento expressivo na produção de veículos no Brasil no primeiro semestre. Mas, para o segundo, os baixos níveis de confiança do consumidor, principalmente após a greve dos caminhoneiros, devem impactar produção do setor”, diz Werneck.
Para o executivo, o segundo semestre será desafiador, o que se traduziu em uma revisão para baixo das projeções feitas pelo Instituto Aço Brasil.
Apesar disso, Werneck ressalta que as previsões para o setor em 2018 ainda são de crescimento sobre 2017 e que a indústria, de forma geral, voltou a crescer.
“O viés para o mercado interno é positivo. Por isso, seguimos otimistas com as perspectivas do Brasil para os próximos anos”, diz Werneck.
Luis Fernando Martinez, diretor-executivo da CSN, também ressalta pontos positivos.
“A produção física industrial está subindo. Isso significa que vamos vender mais aço. É um fato positivo se comparado com os últimos três anos, que foram uma draga”, diz.
Para o executivo, o cenário de baixa confiança na recuperação tem relação com as dúvidas sobre a eleição.
“Esse ambiente caótico e desorganizado traz incerteza, que leva à postergação de qualquer decisão mais importante que você pode tomar na sua vida, tanto pessoal quanto empresarial”, diz.
Enquanto esperam dias melhores, as empresas tomam medidas para aumentar a eficiência e buscar mercados mais dinâmicos.
A Gerdau aposta na inovação. Segundo Werneck, esforços para tornar a gestão mais ágil e a ampliação do uso de ferramentas digitais têm garantido um crescimento da receita líquida inferior à expansão dos custos.
Ele afirma que a diversidade de mercados —já que a empresa tem forte atuação no exterior— ajuda a contrabalançar o cenário doméstico.
Campos, da Camargo Corrêa Infra, diz que a companhia busca oportunidades em setores com regras mais estáveis, como o de energia elétrica.
Empresários afirmam que há segmentos domésticos com reação mais forte, como o de moradias para baixa renda.
Todos ressaltam, porém, que a retomada de projetos de infraestrutura é essencial para a economia entrar em um ciclo de crescimento virtuoso.
“Os investimentos mais pesados são a única forma de reverter a crise atual, que, no caso do cimento, é a pior da história”, diz Penna (Folha de S.Paulo, 2/9/18)