Agricultura deve reverter críticas e ameaças em oportunidades
Manuel Otero, diretor-geral do IICA - Divulgação
Para Manuel Otero, do instituto, são necessários modelos que considerem não só quantidade, mas também qualidade dos alimentos.
Este ano foi marcado por dois grandes eventos que mostraram a importância da agricultura e dos alimentos dentro do contexto mundial, segundo Manuel Otero, diretor-geral do IICA (Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura).
Um em Nova York, realizado pelas Nações Unidas, discutiu a importância das cadeias alimentares e da agricultura, principalmente em períodos de pandemia como o atual.
O segundo evento, o da COP26, em Glasgow, na Escócia, foi uma tomada de consciência. O mundo não pode continuar como está e necessita de mudanças antes que seja tarde. A agricultura está inserida neste contexto e tem muita cooperação para dar.
Para Otero, foram muitas discussões, mas daqui para a frente é preciso ação. Há uma grande oportunidade de transformação, e a agricultura deve reverter as críticas e ameaças em oportunidades.
A importância das Américas nessa discussão é grande. De cada três quilos de alimentos consumidos, um sai dessa região, segundo o diretor do IICA. Na avaliação dele, é necessária a construção de modelos que levem em consideração não apenas a quantidade, mas também a qualidade dos alimentos.
Para isso, a adoção de algumas medidas é urgente: devolver vida ao solo, que, em muitas regiões, está bastante degradado, adotar um uso racional da água, inserir mais a ciência nos sistemas de produção e elevar a utilização de novas tecnologias no campo.
Para o diretor do IICA, é preciso levar ao campo o mesmo potencial de digitalização já conquistado na cidade.
E, dentro desse contexto, inserir os produtores da agricultura familiar, que somam 16,5 milhões no continente.
Os dados mostram que 63% dos que vivem no campo não têm conectividade de qualidade e somente 17% desses trabalhadores são alfabetizados no domínio digital.
Otero diz que um dos focos de trabalho para os próximos anos é a recuperação do solo. A foto atual é preocupante, uma vez que 40% estão degradados. É preciso frear e reverter essa degradação, afirma.
"Só com solo vivo, do ponto de vista físico, químico e biológico, podemos pensar em sistemas sustentáveis de produção de alimentos. O IICA vai jogar duro neste tema", diz Otero.
O órgão está desenvolvendo ações internacionais que envolvem especialistas no assunto, como Rattan Lal, da Universidade de Ohio, governos e o setor privado.
Não há uma receita única para o desenvolvimento de uma agricultura sustentável, e cada caso deve ser avaliado isoladamente. A preocupação maior, porém, é com os países caribenhos, onde as mudanças climáticas os tornam cada vez mais vulneráveis.
Desastres naturais e instabilidades políticas nesses países geram um círculo vicioso, que afeta a agricultura, traz insegurança e força a migração.
Essa insegurança acaba trazendo problemas para todo o continente. Os primeiros focos de peste suína africana, uma doença que retira do mercado internacional os exportadores de carne suína, estão começando por essa região.
A chegada dessa doença no continente é uma ameaça para todos, principalmente para o Brasil, um dos grandes produtores e exportadores.
Um dos novos focos do IICA, um órgão que busca desenvolver novos eventos, é fomentar a agricultura urbana. É importante o desenvolvimento de uma ponte entre a agricultura tradicional e a urbana, segundo Otero.
A demanda mundial por alimentos cresce, e a agricultura urbana e vertical pode reduzir desperdícios, gerar menos poluição e encurtar a distância entre a produção e o consumo.
Um dos primeiros acordos foi feito com a Prefeitura de São Paulo, com o objetivo de elevar a competitividade dos sistemas agroalimentares. Outros grandes centros urbanos, como o México, estão nas prioridades do instituto (Folha de S.Paulo, 23/12/21)