03/11/2022

Agro dá chance que o País precisa aproveitar –Editorial Estadão

Agro dá chance que o País precisa aproveitar –Editorial Estadão
CAPA AGRONEGOCIO Foto  Freepik

Agro é estratégico para o País, que pode ter papel de liderança na nova economia verde. É preciso aproveitar nossas vantagens competitivas e enfrentar gargalos e ineficiências.

 

É inegável a importância crescente do agronegócio para o desenvolvimento social e econômico do País e para a preservação do meio ambiente. O próximo governo Lula precisa ter um olhar estratégico para o campo, capaz de vislumbrar nossas muitas vantagens competitivas e compreender o papel do Brasil na nova economia verde. O País pode e deve ter verdadeiro protagonismo no atual cenário internacional.

O mercado já tem consciência das oportunidades que esse protagonismo certamente trará. Em artigo publicado no Estadão, o gestor de investimentos Flavio Zaclis lembrou que, segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), “a demanda global de alimentos aumentará em 70% até 2050”. Por esse motivo, disse Zaclis, é preciso “produzir mais e de forma mais sustentável”, pois “segurança alimentar, descarbonização da economia e sustentabilidade são temas que preocupam o mundo inteiro”. O Brasil está em posição privilegiada, argumentou ele, para “ser o grande líder dessa revolução verde” (Leia abaixo “Brasil verde, Brasil líder”, 26/8/2022).

Nesse quadro, é fundamental que o apoio ao agronegócio deixe de ser apenas discurso de campanha. Para o País aproveitar as oportunidades internacionais, é preciso enfrentar, com planejamento, seriedade e capacidade de execução, os gargalos e as ineficiências nacionais. Listamos a seguir alguns pontos que o jornal considera especialmente importantes.

Em primeiro lugar, como condição prévia, está o respeito à agricultura e à pecuária nacionais. É preciso pôr fim a um olhar preconceituoso sobre o agronegócio, como se esse setor fosse vilão do meio ambiente. Na difusão dessa falsa narrativa, que deprecia o País e o trabalho de tantos brasileiros, o PT e o MST tiveram acentuada responsabilidade. É hora de abandonar o discurso ideológico e reconhecer a realidade: o produtor rural é um grande aliado da preservação ambiental, protegendo, em suas propriedades, a vegetação de mais de 20% de todo o território nacional, segundo os dados da Embrapa. As unidades de conservação abrangem cerca de 13% do território.

Na tarefa de apoio ao agronegócio, cabe ao governo ampliar o financiamento rural, em suas várias modalidades. É preciso facilitar o acesso do produtor rural aos recursos necessários para sua atividade. Em vez de representar um tratamento privilegiado, o financiamento do agronegócio significa investir no Brasil de forma estratégica, onde ele é mais competitivo. Apesar do discurso de apoio ao campo, o governo de Jair Bolsonaro descuidou, diversas vezes, da provisão de recursos para o Plano Safra.

Outra frente prioritária é a abertura de novos mercados para os produtos brasileiros, com a expansão das praças já existentes. Além de pragmatismo para defender de forma eficiente os interesses nacionais no cenário internacional, é preciso especial cuidado com o tema do meio ambiente. De forma inteiramente irresponsável, o governo Bolsonaro arrasou com a imagem do Brasil no mundo, como se o agronegócio brasileiro estivesse indiferente à questão climática e, para produzir, precisasse descumprir a legislação ambiental. Para piorar, teve até ministro do Meio Ambiente envolvido em escândalo de extração de madeira ilegal.

Em 2023, será necessária uma atitude completamente diferente do governo brasileiro, que não apenas repare os danos reputacionais gerados nos últimos quatro anos, mas promova uma efetiva representação, institucional e comercial, apta a inserir, de forma vantajosa, o Brasil e seus produtos no mercado internacional.

Por último, mas não menos importante, é necessário ampliar e aperfeiçoar a infraestrutura do País para o agronegócio – logística, armazenagem e comunicação –, assegurando as correspondentes fontes de investimento.

“O Brasil tem vocação verde. O Brasil tem tudo para ser o grande líder do planeta nessa área. É uma oportunidade colossal”, afirmou o economista Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central. Esse protagonismo não é uma utopia. O setor privado está fazendo a sua parte. Cabe ao próximo governo, atento a esse cenário de oportunidades, assumir sua responsabilidade (O Estado de S.Paulo, 3/11/22)


Brasil verde, Brasil líder Por Flavio Zaclis

O País pode e deve ir além. Podemos exportar não só grãos e alimentos, como também conhecimento e tecnologia aplicada à agricultura.

 

Acompanho de perto o ecossistema de inovação no agronegócio brasileiro há mais de 15 anos e vejo com preocupação a disseminação de informações equivocadas sobre a agropecuária nacional, setor fundamental não apenas para o desenvolvimento do País, como para a sustentabilidade do planeta. Além de representar 10% da produção de alimentos de todo o mundo, o Brasil abriga 30% das florestas tropicais e a maior parcela de recursos hídricos do planeta.

Segurança alimentar, descarbonização da economia e sustentabilidade são temas que preocupam o mundo inteiro. Segundo a FAO, a demanda global por alimentos aumentará em 70% até 2050. É preciso produzir mais e de forma mais sustentável. Neste quadro, sustentabilidade e eficiência exigem-se mutuamente. E aqui está a oportunidade para o País. O Brasil tem todas as condições de ser o grande líder desta revolução verde, produzindo mais por hectare com menores taxas de emissão de carbono. Não é ufanismo, não é mera pretensão de grandeza. Esse cenário promissor pode ser comprovado com fatos.

Historicamente, o País tem sido muito competente em inovar no campo. Ao longo das décadas, desenvolveu, por meio de investimento em ciência, um grande conhecimento agrícola, como tropicalização de lavouras, correção de solo, fixação biológica de nitrogênio e plantio direto. Essas novas tecnologias permitiram que o agronegócio brasileiro se tornasse, em comparação com o de outros países, muito mais eficiente e sustentável.

Fator fundamental, o território é também propício para a liderança nesta revolução verde. Hoje, o Brasil tem 66% de seu território coberto por vegetação nativa (primária e secundária), sendo 45% áreas legalmente protegidas. É um porcentual impressionantemente alto em comparação com países mais desenvolvidos. Apenas 8% do território é usado para produção agrícola e 18% para pastagens.

O Brasil produz cerca de metade de toda a soja vendida no mundo, exportando 83% (105 milhões de toneladas) de sua produção. Cerca de 70% da produção de milho e soja é destinada à alimentação animal (bovina, suína e de aves). O Brasil também é um dos maiores exportadores de café, açúcar e suco de laranja.

As pastagens produtivas representam 8% (porcentual similar à área destinada à agricultura). Com o maior rebanho comercial do mundo, o Brasil é o maior exportador de proteína animal, com participação de mercado de 22% de toda a carne comercializada no mundo, vendendo para 120 países.

As áreas de pastagens degradadas (terras improdutivas) representam 10% do território (80 milhões de hectares). Esse alto porcentual revela um dado importante. Essas áreas podem ser transformadas e recuperadas para a agricultura sustentável e atividades de captura de carbono, o que permitiria mais do que dobrar a produção atual na agricultura, sem perda do atual ecossistema ou impacto ambiental negativo. A área é tão grande que existe espaço para ampliar a agricultura e, ao mesmo tempo, reflorestar áreas degradadas.

Assim, além da tecnologia desenvolvida e do competente histórico de produção, o País tem uma das maiores áreas disponíveis para a nova agricultura do mundo. Não é por outra razão que o Brasil é percebido internacionalmente como um dos principais atores do mercado de produção de alimentos – e cada vez mais forte. Internamente, no entanto, temos dificuldade de reconhecer as muitas oportunidades daí decorrentes.

Para a produção mundial de alimentos aumentar de forma sustentável, é preciso desenvolver e implantar uma série de novas tecnologias nessas cadeias. Só assim será possível melhorar a produtividade e a eficiência no uso dos recursos naturais (água, solo, insumos, etc.), além de promover a regeneração de áreas degradadas. Haverá demanda crescente por inovação no campo.

Segundo a FAO, o Brasil responderá por 40% do aumento da produção global, produzindo 24% de todos os grãos até 2026, para se tornar até 2030 o maior produtor mundial de alimentos. É um panorama muito positivo, mas o Brasil pode e deve ir além. Podemos exportar não apenas grãos e alimentos, como também conhecimento e tecnologia aplicada à agricultura. Devemos liderar a produção mundial, mas também temos todas as condições de liderar o desenvolvimento e a adoção dessas novas tecnologias.

Mesmo com todas as dificuldades, já temos uma grande vantagem competitiva. Se enfrentarmos as ineficiências locais e aproveitarmos as oportunidades internacionais (aumento de demanda e de preço), seremos capazes de uma nova era do agronegócio brasileiro, com impacto sobre toda a economia.

É preciso pensar de forma estratégica e realista. O agro brasileiro não é terra de atraso. Já hoje é sinônimo de inovação tecnológica, criação de empregos qualificados e respeito ao meio ambiente. Temos de comunicar, interna e externamente, o que somos e o que podemos ser: referência mundial na produção de alimentos. Alimentar o mundo e liderar o desenvolvimento de tecnologias aplicadas ao agronegócio, credenciando-nos como o país que mais e melhor produz alimentos no planeta (Flavio Zaclis é fundador da Barn Investimentos e formado em Administração de Empresas pela Goiz7eta Business School em Emory University; O Estado de S.Paulo, 26/6/22)