26/08/2019

Agro reage com temor de retaliação diante de polêmica ambiental na Amazônia

Agro reage com temor de retaliação diante de polêmica ambiental na Amazônia

A coleção de imagens de desmatamentos e queimadas, além de declarações e atos polêmicos do presidente Jair Bolsonaro e seus ministros, minaram a imagem do Brasil no exterior e já levam a algumas das maiores empresas e associações de agronegócio do país a reagirem por conta própria para tentar diminuir o estrago.

O temor de uma retaliação internacional aos produtos brasileiros, especialmente ao agronegócio, não é infundado. Desde que as imagens das queimadas na Amazônia começaram a correr o mundo, hashtags pedindo boicote aos produtos brasileiros circulam nas redes sociais.

Nesta sexta-feira, a Finlândia pediu que a União Europeia avalie a possibilidade de banir a carne bovina brasileira do Brasil, devido às notícias de queimadas. De outro lado, o gabinete do presidente francês, Emmanuel Macron, disse também nesta sexta-feira que vai se opor ao acordo UE-Mercosul, posição semelhante à da Irlanda.

Nas últimas semanas, alguma reação das empresas já começou. A Marfrig, segunda maior produtora de carne bovina do mundo, publicou um anúncio exaltando ter sido capaz de emitir 500 milhões de dólares em bônus de transição, papéis emitidos como instrumento para financiar projetos de mitigação ambiental. No anúncio, destaca que seus fornecedores precisam respeitar áreas protegidas e compromisso contra o desmatamento.

Ao receber um prêmio há cerca de 10 dias, o presidente da Suzano, Walter Schalka, afirmou que o setor de papel e celulose precisa “levantar a voz” e defender o fim do desmatamento da Amazônia. “Nosso setor não é de florestas e sim de árvores. 100% das empresas do setor só colhem as árvores que plantaram e não usam floresta nativa. Mas pode haver contaminação negativa do setor por problema ambiental brasileiro”, disse ao discursar para uma plateia de empresários.

Ex-ministro da Agricultura e um dos maiores empresários do agronegócio do país, Blairo Maggi diz que ao longo dos anos a produção brasileira foi construindo uma confiança e ganhou terreno por mostrar que a grande produção é sustentável no país.

“Agora estamos no inverso de tudo e tudo está sendo contestado. E não é uma coisa construída pelos produtores que mudaram de posição. Nós continuamos com as mesmas práticas, o governo que mudou o discurso”, disse.

“O risco é que essas conquistas dos últimos anos sejam ignoradas e se tenha que começar todo um trabalho de novo, e aí ser muito mais penoso.”

Presidente da associação Indústria Brasileira de Árvores (Ibá), que congrega empresas da área de papel e celulose, o ex-governador Paulo Hartung também reforçou o temor de fechamento de mercados e desvalorização dos produtos brasileiros no exterior pelo discurso do atual governo.

“Somos fortemente contra o desmatamento ilegal da Amazônia. Acreditamos no potencial de desenvolvimento da região e do seu povo com modelos econômicos sustentáveis que não dependem da alteração da cobertura florestal”, disse em nota enviada à Reuters. “Assim como outros empresários já citaram, há anos o Brasil vem construindo uma imagem internacional de conservação com produção e não podemos jogar fora esse trabalho. Vai custar caro ao Brasil reconquistar a confiança de alguns mercados internacionais.”

O agronegócio brasileiro representa mais de 40% das exportações brasileiras. Até julho deste ano, de acordo com dados do Ministério da Agricultura, foram exportados 56,6 bilhões de dólares. Em 2018, os valores foram recordes, a 101,7 bilhões de dólares.

COMPETIÇÃO

São os alimentos —em especial soja, proteína animal e seus derivados—, que ajudaram a colocar o Brasil no mapa mundial das exportações. Hoje, o país é um dos maiores players no setor de alimentos, o que atrai, obviamente, uma dura competição.

O consultor Welber Barral, da BMJ Consultoria —ex-secretário de comércio exterior do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio—, lembra que existem muitos mecanismos para impor barreiras, especialmente as não tarifárias, e a produção de alimentos é um dos setores mais protegidos do mundo.

“Reais ou não, as ações e as declarações do governo dão motivações para que soframos essas barreiras”, diz Welber Barral, da consultoria BMJ, ex-secretário de Comércio Exterior do governo federal. “Para construir um nome são 30 anos. Para acabar com ele são 5 minutos. Uma manchete que repercuta em uma cadeia de informação destrói uma reputação.”

Cid Sanches, representante no Brasil da Certificadora RTRS —associação formada pelos integrantes da cadeia da soja— corrobora a avaliação.

“Você está falando em conferências sobre certificação e aí vem essas notícias. Com o governo soltando essas pérolas, pode perder essas oportunidades de negócios”, defendeu.

A certificação da soja faz parte de um programa para garantir que o grão exportado não vem de área desmatada, considerando também questões de sustentabilidade social.

Outros países também produzem soja certificada, o que significa que o programa, por si só, não garante mercado ao brasileiro em uma conjuntura de desconfiança, comentou Sanches.

“Pode até gerar um movimento de aversão ao produto do Brasil, por mais que sejamos certificados. Se pode comprar produto certificado na Argentina, por que ele vai comprar no Brasil?”, questiona.

A Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove), que representa o setor de soja, o principal produto de exportação do Brasil, lembrou que o segmento possuiu o programa Moratória da Soja, que monitora o plantio em áreas desmatadas, “garantindo o desmatamento zero há mais de uma década” na Amazônia. Com os controles da Moratória, as tradings não adquirem nem financiam produto de fazendas em que tenha sido detectado desmatamento.

DISCURSO E PRÁTICA

Desde a campanha eleitoral, o discurso do presidente Jair Bolsonaro soa como música para alguns produtores, mas arrepia ambientalistas e agora também os exportadores. Antes mesmo de assumir, Bolsonaro ameaçava tirar o Brasil do Acordo de Paris, que combate as mudanças climáticas, e ameaçou unir o Ministério do Meio Ambiente ao da Agricultura. Foi convencido a mudar de ideia pela Frente Parlamentar da Agropecuária, que viu no movimento um enorme risco para o agronegócio brasileiro.

Na Presidência, Bolsonaro mais de uma vez falou em facilitar licenciamentos ambientais, regularizar o garimpo em terras indígenas, diminuir áreas de proteção ambiental. Recentemente, comprou briga com os governos da Alemanha e da Noruega, que financiavam ações de preservação ambiental através do Fundo Amazônia —os dois países suspenderam o envio de recursos ao Brasil.

Esta semana, em que as imagens das queimadas na Amazônia correram o mundo, acusou as ONGs de terem colocado fogo na floresta para derrubá-lo, já que lhes teria tirado recursos.

Em um dos movimentos considerados mais desastrados, questionou os dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) sobre aumento do desmatamento, mandou demitir o diretor, rever os números e declarou que quer receber primeiro os dados.

Ex-ministra do Meio Ambiente no governo Dilma Rousseff e uma das negociadoras das mudanças no código florestal que colocaram ambientalistas e produtores na mesma mesa, Izabella Teixeira lembra que a credibilidade que o Brasil construiu lá fora é fruto de 35 anos de trabalho, desde a redemocratização.

“Para ter credibilidade você precisa fazer certo, fazer com que as pessoas percebam que está fazendo certo e ter sorte das coisas darem certo. O governo está jogando fora as três coisas”, disse. “O presidente parece que odeia a questão ambiental. Isso em um mundo em que as novas gerações entendem a questão ambiental como um valor ético.”

Chamada inicialmente de “miss motossera” por ambientalistas, a senadora Kátia Abreu (PDT-TO), ex-ministra da Agricultura e

ex-presidente do Confederação Nacional da Agricultura (CNA), diz que o governo está dando munição aos competidores com

declarações que considera estapafúrdias.

“O governo brasileiro está dando tiro pé, está dando bala para o adversário. O europeu é muito ligado nesta questão

ambiental. No mundo real, fake ou fato, é o consumidor que temos que atender”, diz, lembrando que a União Europeia é o segundo

comprados de produtos alimentares do Brasil, perdendo apenas para a China. “A atitude do governo Bolsonaro hoje é

antimercado. O mercado valoriza hoje quem está preocupado com a questão ambiental. ‘Ah, a Europa tem interesses escusos.’ Esse

discurso é tão velho!”

BARREIRAS “TRAVESTIDAS”

Wellington Andrade, diretor-executivo da Aprosoja Mato Grosso, defende as posições de Bolsonaro, mas diz que se equivoca na maneira de defendê-las.

“Entendemos que o posicionamento do presidente é correto, porém a forma de comunicação está equivocada, destoada. Ele teria que ser mais claro em seu discurso sobre questões que dizem respeito estritamente ao desmatamento ilegal”, defende.

Ainda assim, Andrade não acredita em risco de perdas de mercados, mas admite que o risco de aumento de barreiras existe.

“Não acredito que vamos perder mercado de imediato, pela necessidade da proteína que tem a Europa, que compra principalmente o nosso farelo (de soja). Mas você corre o risco de enfrentar barreiras comerciais travestidas de barreiras ambientais ou sanitárias.”

Já Maggi diz que a ideia de que “o mundo precisa do Brasil”, usada muitas vezes pelos produtores, pode ser equivocada.

“Nós nos enganamos muito com isso. O mundo não depende da gente, nós conseguimos espaço porque somos competentes, temos preço competitivo. No mundo existem outras regiões com as mesmas condições e que não são tão competitivas hoje, mas isso pode mudar”, defendeu.

A ministra da Agricultura, Tereza Cristina, afirmou nesta sexta-feira que as notícias sobre as repercussões das queimadas na Amazônia preocupam, mas que o agronegócio não pode ser responsabilizado.

“Vamos para ação, vamos ver quem está queimando, vamos punir quem precisa ser punido, quem está fazendo a coisa errada”, disse a ministra, acrescentando que antes de tomar qualquer tipo de medida é preciso saber do Brasil o que está acontecendo (Reyters, 23/8/19)


País deve mostrar pontos positivos no agro e resolver questão da Amazônia 

O Brasil precisa mostrar os pontos positivos do seu setor agropecuário, mas também é necessário que se resolva o problema das queimadas na Amazônia, de acordo com o ex-ministro da Agricultura e coordenador do GV Agro, Roberto Rodrigues. "O essencial nesta questão é separar o que é verdadeiro do que é falso", disse ele ao Broadcast Agro , após palestra no 3º Congresso Nacional de Direito Agrário, realizado na Universidade Presbiteriana Mackenzie, em São Paulo.

"À medida que mostramos o que é verdadeiro no Brasil, o que a agricultura brasileira faz, toda a sua sustentabilidade, essas questões vão ser superadas rapidamente", disse, e ressaltou: "Mas o que está acontecendo na Amazônia é um problema, e temos que resolver esse problema".

O ex-ministro não acredita em boicote a produtos brasileiros no médio prazo, "desde que falemos a verdade", mas afirmou que existem alternativas ao produto brasileiro, portanto "temos que evitar que (o boicote) aconteça".

Rodrigues evitou criticar o presidente Jair Bolsonaro por suas ações e declarações a respeito do meio ambiente e das queimadas na Amazônia. "Isso (a responsabilidade por comunicar as partes boas do agronegócio brasileiro) é um problema do setor privado. Claro, é um problema que custa dinheiro, temos que fazer um processo permanente de comunicação. Eventualmente, se o governo quiser ajudar, contribuir de alguma forma, é bem-vindo."

A responsabilidade do governo, segundo ele, é fazer "ações positivas que permitam ao setor avançar cada vez mais, como fez nos últimos 40 anos". Rodrigues afirmou que não é apenas o presidente que tem essa responsabilidade. "É importante que o governo como um todo olhe para esse cenário. Ministro da Agricultura, da Fazenda, Relações Exteriores, Infraestrutura e outros."

Perguntado se o apoio do setor ao presidente, que foi forte durante a campanha eleitoral de 2018, está diminuindo, ele afirmou: "Não perguntei para ninguém se o apoio está diminuindo" (Broadcast, 23/8/19)

 

 


Acendeu a luz vermelha do agronegócio, diz Marcos Jank   

 

Se governo não procurar diálogo, exportações do setor terão que 'pagar a conta', segundo especialista em comércio global.

Um grave problema de comunicação em relação à proteção daAmazônia vem sendo enfrentado pelo governo Bolsonaro e precisa ser superado, caso contrário quem pagará a conta será o agronegócio brasileiro, disse Marcos Jank, coordenador do Insper Agro Global e titular da Cátedra Luiz de Queiroz da Esalq-USP.

"A luz vermelha das exportações do agronegócio acendeu porque você pode ter um movimento muito forte de questionamento e também de rejeição dos nossos produtos."

O governo brasileiro está sob forte ataque, desde a quinta-feira (22), por causa dos incêndios na floresta. As críticas vem sendo feitas por políticos, governadores, empresários do agronegócio e também por nações estrangeiras.

 

Na avaliação de Jank, há uma dificuldade do Brasil em dialogar com outros países, porque, segundo sua explicação, é comum ocorrerem queimadas no país nesse período do ano, mas a rápida divulgação das notícias pelas redes sociais dá outro tom para a situação.

"Quando você não aparece e não explica as coisas, no mundo de redes sociais hiperativas, qualquer coisa vira notícia. Até fotos de queimadas que não ocorreram no Brasil, mas em outros lugares, África ou Bolívia, apareceram como sendo fruto da política ambiental brasileira", disse.

"Precisa ter um conjunto de pessoas, não só do governo, mas também do setor privado brasileiro, que se empenhe em uma jornada de conversa pelo mundo afora." 

Se não buscar ampliar esse diálogo, o especialista em comércio global afirma que o país passará por uma crise de percepção, que pode afetar tanto o acordo já fechado na Europa como negociações com outros governos.

"Hoje, com as notícias atuais, as possibilidades de aprovação do acordo [Mercosul-UE] no Parlamento Europeu diminuem, se isso não for resolvido."

governo francês disse nesta sexta-feira (23) que o presidente Jair Bolsonaro mentiu ao assumir compromissos em defesa do ambiente na cúpula do G20, em junho, e que isso inviabiliza a ratificação do acordo comercial entre a União Europeia e o Mercosul, concluído no mesmo mês.

A Irlanda também afirmou que vai bloquear a implantação do pacto caso o governo brasileiro não atue para combater os incêndios em curso na Amazônia.

Na Finlândia, o ministro da Economia, Mika Lintila, sugeriu que a União Europeia considerasse urgentemente a possibilidade de banir importações de carne bovina do Brasil.

"Até na China, onde eu vivi durante quatro anos, que não tinha tanta preocupação com o meio ambiente, as empresas têm manifestado preocupação com o desmatamento", afirmou Jank.

Por ser sensível em todo o mundo, a área do meio ambiente exige um aparato de comunicação apta para esclarecer qualquer troca de política, afirmou.

Embora tenha dito não poder opinar sobre a questão dos monitoramentos, em relação à parte agrícola, ele disse não ter havido nenhuma alteração relevante do que já ocorria em outros governos.

"Na agricultura que cumpre o código florestal, pelo que eu tenho conversado, não houve uma grande mudança."

"A fiscalização do lado legal é sempre muito eficiente. O que é muito complicado é a fiscalização dos ilegais. Você tem que lembrar que há 22 milhões de pessoas vivendo na Amazônia. Então na falta de outras alternativas econômicas, eles partem para ilegalidade."

Por isso, Jank afirmou que o diálogo precisa ocorrer internamente também, incluindo as ONGs.

"São importantes os esclarecimentos. Tem que se reunir com ONGs, não digo que com todas, mas, por exemplo, com a TNC (The Nature Conservancy) e CI (Conservation International), que há muitos anos desenvolvem projetos em parcerias com o agronegócio brasileiro." (Folha de S.Paulo, 24/8/19)