Apoio à paralisação é de 87% dos brasileiros, mas rejeitam pagar a conta
O brasileiro apoia maciçamente a paralisação dos caminhoneiros e defende sua continuidade, apesar de não estar disposto a pagar a conta que o governo federal aceitou receber dos manifestantes para tentar encerrá-la.
A conclusão é de pesquisa telefônica feita pelo Datafolha com 1.500 pessoas na terça (29). A margem de erro do levantamento é de três pontos para mais ou para menos.
Aprovam o movimento, que chega a esta quarta (30) ao décimo dia arrefecido mas ainda com bloqueios de estradas, 87% dos entrevistados. São contrários 10%, enquanto 2% se dizem indiferentes e 1% não souberam opinar.
Já 56% dos entrevistados acham que a paralisação deve seguir, contra 42% que são a favor de seu fim.
O apoio aos caminhoneiros é bastante homogêneo levando em conta as regiões do país, baixando um pouco entre os mais ricos e os mais velhos.
A origem da paralisação é o preço do diesel regulado pela Petrobras, que acompanha a variação internacional do combustível. Com o aumento recente do petróleo, aliado à alta do dólar, uma série de reajustes levou ao protesto.
Dando razão à análise de que há uma solidariedade difusa com o sentimento de injustiça tributária, consideram o pleito dos caminhoneiros justo 92%, índice que é de 57% mesmo entre aqueles que são contra o movimento.
Ainda assim, para 50% os caminhoneiros são mais beneficiados do que prejudicados pelo que eles chamam de greve --o governo trabalha com a hipótese de parte do movimento ter sido estimulado por donos de transportadoras. Esses, por sua vez, têm mais prejuízos, na visão de 60% dos ouvidos.
Já o cidadão se vê mais prejudicado (43% a 33% dos que se acham mais beneficiados) pessoalmente. Acham que o "brasileiro em geral" é mais prejudicado 56% dos ouvidos.
A pesquisa aferiu que o brasileiro não concorda em ser penalizado com aumento de impostos e corte de gastos federais para atender às reivindicações dos caminhoneiros.
Aprovam tais medidas, anunciadas de forma genérica dentro de uma paleta bastante variada de itens, apenas 10% dos entrevistados. São contrários 87%. Os entrevistados consideram que o governo vai favorecer empresários e caminhoneiros, e prejudicar mais a população.
Como seria esperado em relação ao governo de Temer, o mais impopular da história da redemocratização brasileira, a condução da negociação até aqui é aprovada só por 6% dos ouvidos, contra 77% que a desaprovam. Para 16%, ela foi regular, e 2% disseram não saber avaliar.
Para 96%, o presidente demorou para negociar, contra 3% que acham que ele o fez no momento certo.
Uma das principais críticas ao governo desde que o movimento eclodiu foi a falta de informação prévia acerca de sua gravidade potencial.
A alta taxa de apoio à manifestação dos caminhoneiros pode estar associada ao relativamente baixo impacto que ela teve até aqui no cotidiano dos entrevistados pelo Datafolha sobre a paralisação.
Dos ouvidos, 51% relataram ter deixado de fazer algumas das atividades apresentadas na pesquisa, contra 49% que mantiveram a rotina.
O número acompanha a proporção daqueles que disseram ter tido problemas para abastecer o automóvel: 53% ao todo, com 37% relatando ter tido muita dificuldade --o maior índice registrado no Norte/Centro-Oeste (42%).
ROTINA
Já o desabastecimento de alimentos, um dos aspectos mais temidos desse tipo de crise, ainda não é percebido. Apenas um quarto dos entrevistados disse ter tido dificuldade para comprar comida.
No dia a dia, o impacto ainda não se fez notar, segundo aponta o Datafolha. Deixaram de ir ao trabalho 15% dos entrevistados, contra 73% que mantiveram a assiduidade.
Já a visita ao médico só foi evitada por 13%, enquanto 83% a mantiveram. À escola, foram 69% dos alunos, com 19% preferindo ficar em casa. Atividades de lazer nem tampouco foram prejudicadas, sendo mantidas por 73%.
Viagens, algo sensível quando o tema é a falta de combustível provocada em postos de gasolina e aeroportos pela paralisação, ainda não foram afetadas.
Dos entrevistados, 26% relataram cancelamentos e 28% disseram que não irão viajar no feriado de Corpus Christi, nesta quinta (31). Já 67% seguiram com seus planos anteriores e 61% aproveitarão a folga.
Quando questionados acerca da responsabilidade pelo movimento, a maior parte dos entrevistados (42%) apontou para os motoristas autônomos de caminhão.
Já 31% concordaram com a tese do governo federal de que as empresas transportadoras são as responsáveis. O Palácio do Planalto diz que pelo menos parte do movimento é um locaute, greve ilegal estimulada por patrões a fim de auferir vantagens econômicas.
Uma minoria de 7% crê em autoria compartilhada do movimento e 5% aderem à ideia de que o próprio presidente Michel Temer e políticos são responsáveis pela paralisação.
Caso o movimento não acabe, apesar do acordo feito pelo governo, 88% defendem a continuidade das negociações e 9%, usar Forças Armadas e polícias.
PESQUISA TEM LIMITES, MAS APONTA TENDÊNCIAS
A pesquisa telefônica feita pelo Datafolha, a única possível no contexto, procura representar o total da população adulta do país, mas não se compara à eficácia de levantamentos presenciais nas ruas ou nos domicílios.
Por isso, apesar de 90% dos brasileiros possuírem acesso ao menos à telefonia celular, o Datafolha não adota o método em pesquisas eleitorais.
Ao telefone, é preciso questionamento rápido, sem estímulos visuais, e o contato com quem não pode atender em horário comercial é prejudicado. Os limites impostos não prejudicam as tendências apuradas, pela amplitude dos resultados e pelos cuidados adotados. Foram entrevistados 1.500 adultos em todas as regiões. A margem de erro é de três pontos percentuais (Folha de S.Paulo, 30/5/18)
Disputa política complica solução da greve dos caminhoneiros
O governo brasileiro declarou o fim de uma devastadora greve de caminhoneiros em várias ocasiões ao longo da última semana. E mesmo assim, os protestos continuaram pelo nono dia consecutivo e grande parte da maior economia da América Latina continuou paralisada.
A breve explicação para o caos prolongado é: o Brasil está sofrendo com um governo fraco e impopular em um ano eleitoral. O que começou como um movimento genuíno de trabalhadores acostumados a passar muitos dias fora de casa acabou sendo apropriado por forças políticas de esquerda e de direita.
A greve continua por causa do interesse de “pessoas que estão tentando derrubar o governo”, disse José da Fonseca Lopes, presidente da Abcam, o maior sindicato de caminhoneiros.
À esquerda, a Federação Única dos Petroleiros (FUP), apoiada pelo Partido dos Trabalhadores do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que está preso, aproveitou a greve dos caminhoneiros para anunciar sua própria paralisação a partir de quarta-feira. Ciro Gomes tem dito que a greve mostra a necessidade de uma mão mais pesada do governo na economia.
Enquanto isso, eleitores e caminhoneiros de extrema-direta, alguns dos quais simpatizam com o ex-capitão do Exército e pré-candidato à presidência Jair Bolsonaro, têm manifestado mais abertamente o pedido de intervenção militar, mostrando cartazes, postando mensagens no WhatsApp ou organizando protestos separados. Na noite da segunda-feira, centenas deles se manifestaram na frente do Congresso. Um dos cartazes dizia: “Generais do Exército, queremos vocês no poder”.
Derrota do centro
A natureza caótica do protesto contra a política pró-mercado de preços do combustível abalou as chances dos candidatos reformistas centristas, afirma o cientista político Carlos Melo.
“A radicalização tende a fortalecer os candidatos mais extremistas e eloquentes”, disse Melo, professor da Faculdade de Administração do Insper. “Candidaturas à direita e à esquerda mais anti establishment, anti governo, acabam sendo favorecidas pelo desgaste.”
Bolsonaro, que diz que o regime militar de 1964-1985 no Brasil não foi uma ditadura, mas que vem moderando seu discurso, mostrava-se ansioso por se distanciar da greve, particularmente dos elementos mais radicais.
Exigências
Um fato que alimenta a greve é que os múltiplos líderes desse movimento diversificado, animados pelo próprio sucesso e por um governo pego de surpresa, continuam lançando novas exigências na mesa de negociação.
Enquanto isso, os consumidores conseguem pequenas melhoras no abastecimento de alimentos e combustível. Em Brasília, um cliente comemorou quando finalmente conseguiu comprar ovos em um mercado agrícola. Um homem que estava abastecendo o carro em um posto sorria, dizendo que ele tinha esperado só duas horas, em comparação com quatro no sábado.
Se tudo sair como planejado, a volta à normalidade poderia levar entre sete e 10 dias, disse o almirante Ademir Sobrinho, chefe do Estado-Maior do Conjunto das Forças Armadas.
A estimativa não leva em conta o enorme impacto nos cofres públicos, as projeções de desaceleração do crescimento econômico e o risco de um efeito dominó com outros sindicatos que buscam compensar anos de recessão e austeridade (Bloomberg, 29/5/18)