Após relutância brasileira, COP25 chega a acordo final
Legenda: Com os atrasos para aprovar a declaração final, a COP25 tornou-se a edição mais longa das cúpulas do clima da ONU
Entre impasses e atrasos, países prometem metas climáticas mais ambiciosas em 2020. Brasil quase bloqueia aprovação do texto ao se negar a reconhecer papel do oceano no clima. Ambientalistas criticam resultado da cúpula.
Os países reunidos na Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP25) finalmente chegaram a um consenso sobre um acordo final neste domingo (15/12), após estenderem a cúpula em Madri por 40 horas além do prazo oficial.
Quase 200 países participaram da conferência da ONU na capital espanhola, iniciada há duas semanas, em meio a pedidos urgentes da ciência e da sociedade civil para que sejam intensificadas e aceleradas as ações mundiais contra o aquecimento global.
O documento, intitulado "Chile-Madri, hora de agir", foi admitido após um tenso debate com o Brasil, que inicialmente se recusou a reconhecer o papel que os oceanos e o uso da terra desempenham nas mudanças climáticas.
O acordo final da COP25 estabelece que os países terão de apresentar em 2020 compromissos mais ambiciosos para reduzir as emissões a fim de enfrentar a emergência climática e cumprir as metas estabelecidas junto ao Acordo de Paris sobre o clima, de 2015.
Segundo o texto, o conhecimento científico será "o eixo principal" a orientar as decisões climáticas dos países para aumentar a sua ambição, que deve ser constantemente atualizada de acordo com os avanços da ciência.
O documento inclui ainda "a imposição" de que a transição para um mundo sem emissões tem de ser justa e promover a criação de empregos.
Um dos principais objetivos da COP25, a discussão sobre um quadro regulatório para um sistema de mercado de carbono – sob o qual países que emitiram menos podem vender créditos de CO2 a países mais emissores – acabou ficando de fora do documento. O tema será debatido separadamente.
A conferência visava finalizar um conjunto de medidas para a implementação do Acordo de Paris, cuja meta é limitar o aumento da temperatura global a 2 ºC em relação aos níveis da era pré-industrial, esforçando-se, porém, para não passar de 1,5 ºC até o fim do século.
Neste mês, a ONU afirmou que limitar o aquecimento global a 1,5 ºC exigiria uma queda nas emissões globais de carbono de mais de 7% ao ano até 2030. Enquanto isso, cientistas alertam que a janela para impedir que o clima da Terra atinja pontos irreversíveis está se fechando rapidamente.
Impasse com o Brasil
Após horas de negociações sobre um acordo político final, que atrasou em dois dias o fim da cúpula em Madri, a presidente da COP25 e ministra do Meio Ambiente do Chile, Carolina Schmidt, submeteu à votação neste domingo o documento.
Representantes de várias delegações pediram a palavra para algumas objeções. Suíça fez isso justificando que não teve conhecimento do acordo com antecedência; Egito e Malásia disseram ter tido dificuldades para acessar o documento no site da conferência.
Em seguida, o Brasil se pronunciou para manifestar sua relutância em aprovar um texto que incluía referências em dois parágrafos (30 e 31) ao papel dos oceanos e do uso da terra no clima global – respaldado por vários relatórios científicos nos últimos meses.
A intervenção brasileira – cuja delegação é encabeçada pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles – gerou uma cascata de declarações de rejeição e reivindicação da importância dos oceanos e da terra no clima, segundo informou a agência espanhola Efe.
Intervieram contra a proposta do Brasil de eliminar esses parágrafos os representantes da Indonésia, Costa Rica, Tuvalu, Belize, Austrália, Nova Zelândia, Ilhas Marshall, União Europeia (UE), Egito, Canadá, Argentina, Butão, Suíça e Rússia, que pediram à delegação brasileira que desistisse dessa solicitação a fim de desbloquear o documento.
A presidente da COP25 chegou a pedir duas vezes ao Brasil para que desbloqueasse o acordo. "Isso é algo muito importante, e eu agradeceria se vocês pudessem aprovar esse documento", afirmou Schmidt.
Em uma primeira intervenção, a delegação brasileira disse que não poderia aceitar esses parágrafos porque "minavam" o equilíbrio do resto do texto, que descreveu como "muito valioso". Diante da insistência da chilena, o Brasil recuou e comunicou formalmente que aceitava o acordo na íntegra, o que foi recebido com aplausos no plenário da conferência.
Legenda: Ao centro, de vermelho, a presidente da COP25, a chilena Carolina Schmidt
Críticas ao acordo
Ativistas ambientais e Estados menores não ficaram satisfeitos com o acordo negociado em Madri ao longo dessas duas semanas, lançando duras críticas ao texto neste domingo.
Após um ano de catástrofes relacionadas ao clima, incluindo tempestades, inundações e incêndios florestais, bem como greves semanais de milhões de jovens, esperava-se que os governos enviassem um sinal claro de sua disposição em enfrentar a crise climática.
"Essas conversas refletem quão desconectados os líderes dos países estão da urgência da ciência e das demandas de seus cidadãos nas ruas", declarou Helen Mountford, vice-presidente para Clima e Economia do think tank World Resources Institute. "Eles precisarão acordar em 2020."
Segundo os críticos, o documento final da cúpula em Madri não passa de uma declaração modesta que falhou em fazer um apelo claro e inequívoco aos países para que aumentem suas metas de redução de emissões no próximo ano.
"A COP25 demonstrou a falta de ambição coletiva dos maiores emissores do mundo", afirmou Li Shuo, especialista em clima e energia do Greenpeace na China.
Carlos Fuller, representante da Aliança dos Pequenos Estados Insulares, que devem ser duramente atingidos pelas mudanças climáticas e o consequente aumento do nível do mar, disse que tais nações apelaram por metas mais rígidas, mas acabaram sendo deixadas de lado enquanto países maiores dominaram as negociações.
"Somos parte desse processo ou não?", questionou Fuller neste domingo, em conversa com repórteres. No sábado, ele já havia criticado o andamento das negociações. "Todas as referências à ciência ficaram mais fracas, todas as referências à melhoria da ambição desapareceram. Parece que preferimos olhar para trás a olhar para o futuro", declarou.
Com os atrasos para aprovar a declaração final, a COP25 tornou-se a edição mais longa das cúpulas do clima realizadas pela ONU. O evento, que ocorre em Madri devido à desistência do Chile de sediá-lo devido aos protestos contra o governo de Sebastián Piñera, superou a COP17, que se prolongou por 36 horas além do previsto em 2011 (DW, 15/12/19)
Países ignoram apelos por ação climática em cúpula da ONU
Um pequeno grupo de países influentes resistiu a pressões neste domingo para intensificar esforços para combater o aquecimento global em cúpula da ONU, desagradando países menores e um movimento crescente de protesto que estão exigindo ação emergencial.
China, Estados Unidos, Brasil, Austrália e Arábia Saudita lideraram a resistência a uma ação mais ousada, disseram delegados.
As negociações na COP25 em Madri eram vistas como um teste na disposição coletiva dos países de seguir orientações de cientistas para reduzir a emissão de gases do efeito estufa mais rapidamente, de forma a prevenir que o aquecimento global atinja níveis irreversíveis.
Mas a conferência, em seu esboço do comunicado final, apoiou apenas uma declaração sobre a “necessidade urgente” de fechar a lacuna entre as emissões atuais e as metas de temperatura do Acordo do Clima de Paris, de 2015 -um resultado que o secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, chamou de decepcionante.
Muitos países em desenvolvimento e ativistas queriam ter visto uma linguagem mais explícita que deixasse claro a importância de os países submeterem compromissos mais ousados sobre emissão à medida que o Acordo de Paris entra em uma fase crucial de implementação no próximo ano.
“Essas conversações refletem o quão desconectados líderes dos países estão da urgência da ciência e das demandas dos seus cidadãos nas ruas”, disse Helen Mountford, vice-presidente para Clima e Economia do centro de pesquisa World Resources Institute. “Eles precisam despertar em 2020.”
A falta de um resultado mais expressivo para reforçar o Acordo de Paris aumenta a relevância da próxima grande cúpula de clima em novembro do próximo ano, em Glasgow, na Escócia.
Depois que as decisões finais foram tomadas em Madri, a ministra do Meio Ambiente do Chile, Carolina Schmidt -que presidiu as negociações- disse estar com “emoções mistas”.
Guterres, que abriu a cúpula em 2 de dezembro, se disse “desapontado”.
“A comunidade internacional perdeu uma oportunidade importante de mostrar ambição crescente na mitigação, adaptação e financiamento para enfrentar a crise ambiental”, disse ele em comunicado. “Não podemos desistir e eu não vou desistir” (Reuters, 15/12/10)