17/10/2018

Ataque de irmão de Ciro põe frente pró-Haddad em xeque e PT busca lulistas

O senador eleito Cid Gomes (PDT-CE) em evento do PT chama petistas de ‘babacas’

Sem conseguir ampliar arco político, petista investe em eleitorado mais pobre e em grupos de evangélicos, artistas e intelectuais.

Após o fiasco na articulação de uma frente democrática em apoio a Fernando Haddad, a campanha do PT ao Planalto admite ajustes no segundo turno e ainda tenta ampliar as alianças com outros setores da sociedade.

Com ataques ao PT feitos pelo senador Cid Gomes, irmão de Ciro Gomes, e diante das dificuldades para dilatar seu arco político, a ordem no QG petista é investir no eleitorado mais pobre e em grupos de evangélicos, juristas, artistas e intelectuais —que tradicionalmente já apoiavam o PT.

Nesta quarta (17), Haddad vai se reunir com lideranças evangélicas em São Paulo e prepara uma carta em que se comprometerá com a defesa da vida e valores da família.

O ato é reflexo da preocupação dos petistas em conter o avanço de Jair Bolsonaro (PSL) inclusive entre o eleitorado lulista, como pobres, nordestinos e religiosos.

Segundo o Datafolha, cerca de 70% dos evangélicos estão com o capitão reformado. O candidato do PSL tem 18 pontos sobre o petista segundo o Ibope desta segunda (15) —59%, contra 41% de Haddad.

Para diminuir essa diferença, o herdeiro de Lula esperava formar uma frente com atores políticos importantes, como Ciro Gomes (PDT), Marina Silva (Rede) e Fernando Henrique Cardoso (PSDB), mas as tratativas não avançaram.

A cúpula da campanha de Haddad admite que o duro discurso de Cid Gomes, irmão de Ciro, colocou em xeque o plano de um arco democrático para se opor a Bolsonaro.

Durante evento no Ceará em apoio ao petista, na segunda-feira (15), Cid criticou o PT e chamou militantes que o vaiavam de "babacas". Ele chegou a afirmar que o partido merecia perder a eleição. "Não admitir os erros que cometeram é para perder a eleição. Vão perder feio", disse o ex-governador do Ceará, cobrando um mea culpa dos petistas.

A postura de Cid alarmou ainda mais a campanha do PT, mas não foi o primeiro sinal de que a frente democrática está fazendo água a 11 dias do segundo turno.

Na semana passada, Haddad ficou preocupado com a viagem de Ciro à Europa após o PDT anunciar um "apoio crítico" à sua candidatura.

Os petistas entenderam que seria cada vez mais difícil levar Ciro para o comando da campanha, com uma participação ativa, como era o desejo de Haddad, e agora já não esperam mais nada do terceiro colocado no primeiro turno.

Em entrevista nesta terça, Haddad minimizou a fala de Cid, disse que não havia assistido ao vídeo na íntegra e que a discussão é "meio acalorada".

"Essa coisa é meio acalorada mas eu não vou ficar comentando isso até porque eu tenho uma amizade pessoal com o Cid, ele fez elogios à minha pessoa, prefiro sempre olhar o lado positivo”, disse.

campanha de Bolsonaro, por sua vez, apressou-se para explorar a polêmica e levou o discurso de Cid ao seu programa na TV. "Cid Gomes, irmão de Ciro Gomes, fala a verdade que o PT não aceita", diz o locutor na abertura da peça.

 

Na tentativa de evitar o desmoronamento completo do plano de formar sua frente, Haddad acelerou a aproximação com FHC e telefonou, nesta segunda, para o superintendente do Instituto FHC, Sérgio Fausto, mas nada de concreto foi fechado.

Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, o ex-presidente afirmou que havia possibilidade de uma "porta" de diálogo para Haddad. O tucano e o petista têm boa relação e conversavam diretamente antes da campanha.

Haddad nunca acreditou em declaração de apoio público à sua candidatura por parte de FHC, mas avalia que o tucano, ao rechaçar Bolsonaro, pode participar de uma plataforma em defesa dos valores democráticos. FHC é a tentativa de peso para o projeto após o petista ver, além de Ciro, Marina e até Henrique Meirelles (MDB) declararem neutralidade no segundo turno.

Articulador político da campanha do PT, Jaques Wagner minimizou o fracasso dos acordos e chegou a dizer que desconhecia a ideia da formação da frente —ecoada por ele mesmo e pelo candidato desde a semana passada. Segundo Wagner, a tese era de “ampliar com a sociedade” e todos os recados já foram dados.

Haddad esteve também com o ex-presidente do STF Joaquim Barbosa na semana passada, mas a conversa foi pouco assertiva. Barbosa, que poderia ser ministro da Justiça de um eventual governo do PT, de acordo com aliados do candidato, declarou estar preocupado com o país, porém não deu sinal de que vai firmar acordo publicamente com o petista.

'Não pode achar que o povo está errado e a gente está certo'

No dia seguinte ao ter feito crítica pública ao PT, o senador eleito Cid Gomes (PDT-CE) afirmou nesta terça-feira (16) que não tem raiva do partido, mas que é necessário ao comando da sigla ter humildade.

"Não tenho raiva de PT. Acho que o [Fernando] Haddad é o melhor. E, para eles terem a mínima possibilidade de ganhar, a companheirada teria de fazer uma autocritica, um pedido de desculpa", disse à Folha.

O irmão de Ciro Gomes negou que o seu discurso tenha sido um desabafo, mas uma análise objetiva. Para ele, não se pode achar que a população está equivocada e o partido está certo. As mais recentes pesquisas eleitorais apontam uma vantagem de Jair Bolsonaro, do PSL, na disputa presidencial.

"Não fiz desabafo não, rapaz. Sou um cara objetivo. Se eu entro em uma coisa, é porque acredito e quero que ela dê certo. Agora, tem de ter humildade. Não pode achar que o povo está errado e a gente está certo", afirmou.

Mais cedo, em mensagem publicada nas redes sociais, Cid disse que não quer se vingar de ninguém e que seria melhor que Haddad ganhasse, porque ele é "infinitamente melhor" que Bolsonaro e "menos ruim" para o país.

"A maioria do povo brasileiro quer virar duas páginas do nosso passado recente. Já virou uma, a do PSDB. Neste segundo turno, quer virar a outra: a página do PT", escreveu.

Segundo ele, a única forma de evitar que a "ânsia popular de negação" coloque o Brasil em uma "aventura obscurantista" seria uma "profunda autocrítica" do PT.

"E, na sequência, uma palavra firme do Haddad de que governará suprapartidariamente. Será pedir demais? Muita ingenuidade? Penso assim pelo Brasil!", encerrou (Folha de S.Paulo, 17/10/18)