Automação vai mudar a carreira de 16 milhões de brasileiros até 2030
A elite política e econômica global está preocupada com o futuro do trabalho.
Além das já conhecidas ameaças geopolíticas e ambientais, as transformações do mercado de trabalho também ganharam lugar de destaque na agenda do Fórum Econômico Mundial, que começa nesta terça-feira (23) em Davos, na Suíça.
Só no Brasil, 15,7 milhões de trabalhadores serão afetados pela automação até 2030, segundo estimativa da consultoria McKinsey.
Uma amostra recente foi o corte de 60 mil cargos públicos anunciado pelo governo Michel Temer este mês, boa parte em razão da obsolescência, como no caso de datilógrafos e digitadores.
No mundo, no período entre 2015 e 2020, o Fórum Econômico Mundial prevê a perda de 7,1 milhões de empregos, principalmente aqueles relacionados a funções administrativas e industriais.
A avaliação de especialistas da área é que o mercado de trabalho passa por uma grande reestruturação, semelhante à revolução industrial. A diferença é que agora tudo acontece muito mais rápido: desde 2010, o número de robôs industriais cresce a uma taxa de 9% ao ano, segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT).
No Brasil, cerca de 11.900 robôs industriais serão comercializados entre 2015 e 2020, segundo a Federação Internacional de Robótica.
A Roboris, que tem entre seus clientes a Embraer, é uma das fornecedoras que atuam no país. Segundo o presidente da empresa, Guilherme Souza, 30, o interesse da indústria brasileira pela automação vem crescendo.
RECURSO ESCASSO Estimativa é de perda de 7 milhões de vagas e abertura de 2 milhões até 2020
"Acredito que os custos falam por si só, são um fator bem convincente. Mas, mais do que os custos, as empresas perceberam que se não aderissem a essa tecnologia, elas não seriam mais competitivas", afirma.
No mundo, entre 400 milhões e 800 milhões serão afetados pela automação até 2030, a depender do ritmo de avanço tecnológico, segundo a McKinsey. Isso equivale a algo entre 11% e 23% da população economicamente ativa global, calculada pela OIT em 3,5 bilhões de pessoas.
Isso não significa que todos perderão o emprego, mas que serão impactados em algum grau, que vai de desemprego a ter um "cobot" (colega de trabalho robô com quem divide as funções).
'DE HUMANOS'
A mudança é positiva na medida em que libera profissionais de tarefas monótonas, que por sua vez podem ser feitas com maior rapidez e eficiência quando automatizadas.
"A boa notícia é que fica claro que os trabalhos para humanos terão que envolver qualidades humanas, como criatividade", afirma José Manuel Salazar-Xirinachs, diretor regional da OIT para a América Latina e Caribe. "Isso soa muito legal, mas a questão é: quantos trabalhos para pessoas criativas serão gerados?", questiona.
O Fórum Econômico Mundial, por exemplo, projeta um aumento na demanda nas áreas de arquitetura, engenharia, computação e matemática, entre outras.
Esse incremento de vagas, contudo, não será suficiente para absorver quem perdeu o trabalho em outros setores, além de exigirem alta qualificação, avalia a organização.
RECURSO ESCASSO Estimativa é de perda de 7 milhões de vagas e abertura de 2 milhões até 2020
DESIGUALDADE
Nesse cenário de extinção grande de trabalhos que exigem pouca qualificação e criação de um número menor que exige muita, a tendência é de aumento da desigualdade, alerta a OIT.
O fim de funções hoje exercidas pela população de baixa e média renda vai gerar desemprego e pressionar para baixo o salário das que restarem, diante da massa de pessoas buscando trabalho.
Mesmo quem tem uma visão mais positiva sobre o futuro, como a McKinsey, sugere a criação de uma renda básica universal (principal bandeira do petista Eduardo Suplicy) como uma opção diante do enxugamento de vagas de menor qualificação.
Um sintoma já perceptível desse processo é a queda ou estagnação da renda fruto de salários e capital em dois terços dos lares das economias avançadas entre 2005 e 2014, maior retrocesso desde os anos 1970, diz a consultoria.
Um caminho para contornar o problema é treinar a força de trabalho para que aqueles de menor qualificação profissional não fiquem para trás, diz o diretor da OIT.
"Os novos empregos que estão sendo criados demandam habilidades matemáticas, analíticas e digitais. Isso significa que é preciso treino vocacional", afirma. Ele cita como exemplo o Senai, cuja proposta é preparar mão de obra técnica para a indústria.
Estudo na Unicef divulgado em dezembro alerta para o risco da tecnologia digital transformar-se em um novo motor de desigualdade. Embora 1 em cada 3 usuários da internet seja uma criança, há ainda 346 milhões de jovens sem acesso ao mundo digital.
"Há uma forte preocupação com os trabalhadores de menor qualificação, em termos do impacto da tecnologia. Essas pessoas não são realmente alfabetizadas digitais, e não terão oportunidade para aprender habilidades específicas. Eles serão deixados para trás e terão uma empregabilidade muito pequena", diz Salazar, da OIT.
A velocidade com que as mudanças ocorrem demanda mudanças também na educação dos mais velhos, diante do prolongamento da vida profissional, na esteira do aumento da longevidade.
A automação não é a único motivo de preocupação. A emergência de novas relações profissionais fora do contrato tradicional é outro fator desestabilizador. Um novo grupo de pessoas cresce à margem dos direitos trabalhistas, classificados ora como "trabalhadores independentes", ora como "invisíveis" ou simplesmente "informais".
FLEXIBILIDADE
Segundo pesquisa feita pelo Fórum Econômico Mundial com diretores das áreas de recursos humanos em empresas de 15 países, 44% deles acreditam que o maior impacto no mercado hoje vem das mudanças no ambiente de trabalho, como home office, e nos arranjos flexíveis, como contratação de pessoas físicas para trabalhar por projeto (a chamada "pejotização ). O percentual é semelhante entre os brasileiros (42%).
Outra forma emergente de trabalho são os relacionados à "gig economy", como plataformas online e aplicativos –programadores freelance e motoristas de Uber entram nessa categoria.
A tendência é de que as empresas reduzam ao máximo o número de empregados fixos dentro do contrato tradicional, terceirizando para consultores o que for possível como forma de redução de custos e ganho de eficiência, segundo o Fórum Econômico Mundial.
Assim, embora a tecnologia gere uma demanda por novas atividades altamente qualificadas, como programação de um aplicativo, a probabilidade é que as empresas terceirizem a função, em vez de contratar diretamente esse profissional.
Gerenciamento de mídias sociais é um exemplo de função repassada a consultores, pagos por tarefa. Essa ausência do reconhecimento de uma relação de emprego faz a OIT classificar esse tipo de trabalho como "invisível".
Ainda não está claro se elas serão regulamentadas ou se cairão no trabalho informal, diz a OIT.
Já nos Estados Unidos e na Europa ganha força a classificação da categoria como "trabalhadores independentes", calculada em 162 milhões de pessoas pela consultoria McKinsey.
A reforma trabalhista feita no Brasil no final de 2017 tentou abarcar em parte essas mudanças, ao regulamentar o home office, por exemplo. Polêmicas, como a situação dos motoristas de Uber, contudo, persistem.
O NOVO E O VELHO
Um desafio extra para o Brasil é que ele precisa começar a lidar com essas questões novas ao mesmo tempo em que ainda não resolveu problemas antigos, como o alto índice de informalidade, que voltou a subir durante a crise e hoje atinge 44,6% dos trabalhadores, segundo o IBGE.
É preciso estender a cobertura da legislação ao "velho" e ao "novo" mercado, Salazar-Xirinachs, diretor regional da OIT para a América Latina e Caribe.
"O objetivo não é proteger o emprego em si, mas sim garantir os direitos trabalhistas clássicos mesmo que haja mais flexibilidade", diz.
Para o sociólogo Ruy Braga, professor da USP e autor dos livros "A Rebeldia do Precariado" (2017) e "A Política do Precariado" (2012), as novas formas de trabalho que surgem mascaram o avanço do velho subemprego.
Para ele, a reforma trabalhista, ao formalizar atividades de tempo parcial ou de curta duração, oficializa essa desestruturação do mercado.
"Do ponto de vista microeconômico, é bastante racional que você elimine cargos intermediários. Mas, do ponto de vista social, a coisa se complica, porque você vai ter menos empregos de qualidade e de maior renda. Consequentemente, uma sociedade mais polarizada, o que significa mais desigual e com dificuldades de se integrar", avalia (Folha de S.Paulo, 21/1/18)
Jovens temem futuro profissional instável e efeitos da reforma da CLT
Legenda: A publicitária Letícia Martins, 24, o vestibulando Paulo Amaral, 18, e a universitária Luíza Pacheco, 19
As mudanças em curso no mercado de trabalho, como automação e flexibilidade, serão sentidas sobretudo pelos jovens.
Até o fim da próxima década, cerca de 16 milhões de brasileiros serão afetados de alguma forma pelo avanço da tecnologia, que deve assumir tarefas manuais e repetitivas. Outros serão afetados pela tendência de contratos mais flexíveis ou mesmo inexistentes —movimento que a reforma trabalhista tentou abarcar ao regular o home office, por exemplo.
A Folha conversou com três jovens em diferentes etapas de formação para entender suas expectativas em relação à vida profissional, e como eles acreditam que serão afetados pelas recentes alterações na legislação.
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- Vestibulando quer rotina livre sem abrir mão de direitos clássicos
Legenda: O vestibulando Paulo Amaral, 18, terminou o ensino médio em 2017 e busca uma vaga na faculdade
Paulo Amaral tem 18 anos e mora no Butantã, na Zona Oeste da capital paulista.
Ele terminou o ensino médio em 2017 e está na fase do vestibular. Sem ainda ter muita clareza do que quer, Amaral tenta uma vaga no curso de relações internacionais e outra no de turismo.
O mercado de trabalho que esse jovem encontrará daqui a alguns anos, quando iniciar sua carreira, já será muito diferente do atual.
Folha - Você valoriza mais ter um trabalho flexível, sem jornada ou remuneração definidas, ou um trabalho mais rígido, com uma rotina clara?
Paulo Amaral - Eu prefiro um trabalho mais flexível, onde eu consiga flexibilizar minha rotina. Sair do comum, para não ficar algo cansativo. Ainda que a remuneração varie com isso.
Que direitos você acha que todo trabalhador deveria ter, não importa sua atividade?
Todos os trabalhadores têm que ter direito a uma boa condição de trabalho, onde ele possa dar o máximo dele, uma boa relação com seu patrão, com bastante respeito, e saber que o trabalho que você está fazendo também está ajudando o outro.
Você precisa ser remunerado certinho. Estar com seus direitos. Acho que todos os tipos de direito, como 13º [salário], férias remuneradas, licença maternidade e paternidade. Acho que o trabalhador tem que ter direito a tudo isso, e isso está nas mãos dos sindicatos, que façam essa ligação entre trabalhador e empresa.
Como a reforma trabalhista vai afetar sua carreira?
Acho que vai afetar de diversas formas. Espero que seja algo gradual, e que não atinja a nova geração mais de cabeça. Eu acho que ela tende a melhorar o mercado de trabalho, mas tem que ser algo bem distribuído para manter o equilíbrio.
O que é trabalho para você?
Acho que trabalho pode ser visto de diferentes formas. Tanto como algo prazeroso ou como uma tarefa necessária, algo que você precisa realizar. Você precisa encontrar o equilíbrio entre os dois, que te satisfaça financeiramente, pessoalmente e profissionalmente.
E uma carreira ideal?
Acho que uma carreira onde eu goste do que eu faço e estou sendo bem recompensado pelo meu trabalho, e reconhecido também.
O que é sucesso profissional?
Acho que é uma pessoa que está completa com o trabalho, que está confortável.
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- Universitária teme efeitos da reforma e apoia jornada menor
Legenda: A universitária Luíza Pacheco, 19, trocou a graduação em jornalismo pelo direito
Luíza Pacheco tem apenas 19 anos, mas já está em sua segunda faculdade. Ela fez um semestre de jornalismo da PUC-SP, mas trocou o curso por direito do Mackenzie.
No ano passado, ela trabalhou como assistente de comunicação. Na mesma semana em que conversou com a Folha, conseguiu um estágio no departamento jurídico de um banco.
Folha - Você valoriza mais ter um trabalho flexível, sem jornada ou remuneração definidas, ou um trabalho mais rígido, com uma rotina clara?
Luíza Pacheco - Eu gosto de estabilidade, me adapto bem a oito horas por dia, hora de almoço, esse modelo CLT. Não preciso de flexibilidade, mas acho que muita gente precisa.
Que direitos você acha que todo trabalhador deveria ter, não importa sua atividade?
Acho que intervalo intrajornada é fundamental, direito ao 13º. Mas uma coisa que deveria mudar, é que todo empregado deveria ter direito a menos horas de trabalho. Deveria ser seis ou sete horas. A gente passa muito tempo trabalhando focado em fazer lucro para os outros, e pouco focado no nosso próprio tempo para fazer o que a gente gosta e aproveitar o que ganhamos com nosso trabalho.
Como a reforma trabalhista vai afetar sua carreira?
Tem umas coisas que eu acho interessantes, mas o empregador sempre tem muito mais poder que o empregado, então acho algumas dessas coisas bem perigosas. Muita coisa da reforma a gente ainda não sabe muito bem como será usada.
O que é o trabalho para você?
Quando eu entrei na faculdade, eu não tinha ideia do que era trabalhar. Vi que trabalho e faculdade são coisas bem diferentes, na faculdade você vê a teoria, mas o trabalho não vai ser aquilo. Trabalho é para ser uma coisa que você goste de fazer, por mais que tenha muita cosia que você não goste de fazer.
E uma carreira ideal?
Hoje, cursando direito, eu acredito que uma carreira ideal é estar em um lugar em que a empresa ou escritório combine com a minha personalidade. Cada trabalho tem um perfil e você tem que encontrar o perfil para você.
O que é sucesso profissional?
É você estar no trabalho que quer e conseguir crescer. Não acredito em topo, acho que a gente vai crescendo sempre. Sucesso não é só dinheiro. A gente quer reconhecimento financeiro, mas tem várias outras formas.
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- Recém formada fala em 'aflição' diante de instabilidade de renda
Legenda: A recém formada Letícia Martins, 24, trabalha como publicitária em uma agência em São Paulo
Letícia Martins, 24, é recém formanda em publicidade e propaganda pela Anhembi Morumbi. Ela mora em Santana, na Zona Norte de São Paulo.
Martins conta que trabalhou desde o primeiro ano da faculdade –inclusive como "PJ" para mascarar uma relação de emprego. No final de 2017, ela foi contratada por uma agência.
Folha - Você valoriza mais ter um trabalho flexível, sem jornada ou remuneração definidas, ou um trabalho mais rígido, com uma rotina clara?
Letícia Martins - Eu prefiro um trabalho mais rígido, porque hoje em dia, com o momento econômico que vivemos no país, é muito complicado você viver sem saber se vai poder pagar suas despesas. Viver nessa expectativa [sem previsibilidade] causa uma aflição.
Que direitos você acha que todo trabalhador deveria ter, não importa sua atividade?
No meio publicitário, nós vemos muito isso, de ultrapassar a jornada, e as horas extras não são pagas. Você não tem hora para sair, mas tem para entrar. Isso é um ponto. Férias também é fundamental, você precisa de um tempo para a sua saúde mental, ainda mais quem trabalha com criatividade. Eu defendo a CLT e todos os direitos que ela envolve.
Como a reforma trabalhista vai afetar sua carreira?
Eu sou contra a reforma porque na prática, e eu já passei por isso, infelizmente quanto mais o empregador puder usufruir do seu trabalho, ele vai. Já trabalhei sem registro, como PJ. Acho que a reforma abre mais margem para isso. Essa exploração já existe, mas agora é como se tivesse a possibilidade fazer isso legalmente.
O que é o trabalho para você?
É colocar na prática o que eu me dediquei a fazer nos estudos. Eu realmente gostei do curso que escolhi. Então, para mim, poder executar isso é um trabalho bem sucedido. Isso é o que eu queria, e consegui.
E uma carreira ideal?
Eu imagino trabalhar na área e sempre evoluir de cargos. Ter um histórico bacana em cada emprego que eu tiver, e nunca parar. Sempre aprender, acho que mudanças são fundamentais. Meu objetivo é criar um histórico positivo nos lugares em que eu passar.
O que é sucesso profissional?
É reconhecimento. Estar envolvida com projetos bem sucedidos que tragam esse reconhecimento na área (Folha de S.Paulo, 21/1/18)