Bancada ruralista promete derrubar veto aos Fiagros na reforma tributária
O setor teme redução de crédito privado com possível oneração desses instrumentos.
O veto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao trecho da lei que permitia a isenção dos fundos de investimentos do agronegócio (Fiagros) na reforma tributária vai abrir uma nova batalha entre governo e bancada ruralista em Brasília. O setor teme redução de crédito privado com possível oneração desses instrumentos.
O vice-presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), deputado Arnaldo Jardim (Cidadania-SP), criticou o veto e disse que o grupo vai atuar para reverter a decisão no Congresso Nacional. Segundo ele, a medida inibe investimentos em setores estratégicos da economia e freia o avanço de mecanismos que se tornaram alternativas de financiamentos no campo em momentos de aperto orçamentário e fiscal da União para apoiar o agro.
“Recebemos com surpresa esse veto. Durante a reforma tributária, o tema foi discutido e aprovado sem nenhuma contestação. Não sabemos direito o que motivou o governo. A justificativa alegada é jurídica, a inoportunidade de tratar isso na regulamentação ordinária. Isso não havia sido levantado antes”, disse Jardim, que foi autor do projeto que deu origem à lei dos Fiagros.
Para Jardim, o argumento do veto é frágil. “Nós vamos trabalhar para derrubar esse veto. Os fundos de investimentos têm se revelado uma alternativa importante de financiamento para setores estratégicos da economia, em momento que o governo diz que tem desafios de equilíbrio fiscal, que tem limites para fazer qualquer política de incentivo”, apontou.
“Os Fiagros são alternativa ao Plano Safra. Há 18 anos, todo financiamento vinha daí, hoje é 30% porque o mercado foi criando rotas alternativas de financiamento. Achamos um equívoco inibir isso”, relatou.
Jardim disse que o veto afeta pequenos poupadores do país. Atualmente, cerca de 600 mil pessoas físicas investem em Fiagros. Nos fundos imobiliários, também impactados pela medida, são 1,8 milhão de cotistas.
“O tíquete médio de investimento nos Fiagros é algo em torno de R$ 15 mil. O veto é uma pancada nesse setor que tem sido fundamental na retomada do desenvolvimento”, relatou. Além da FPA, a Frente Parlamentar do Empreendedorismo (FPE) também vai apoiar a derrubada do veto, disse Jardim.
Em nota, a FPA confirmou que vai tentar derrubar o veto. "A taxação desses fundos compromete a competitividade, aumenta os custos para produtores e afeta a oferta de crédito. O veto presidencial tem o potencial de elevar os juros, restringir o crédito e desacelerar setores que são motores do crescimento econômico", disse a bancada ruralista.
Os Fiagros, criados em 2021, acumulam patrimônio de mais de R$ 40 bilhões, quase totalmente aplicados em crédito rural. "Esses fundos desempenham papel essencial na economia, com aportes acessíveis a partir de R$ 6. No agronegócio, que emprega 28,6 milhões de pessoas e responde por quase 25% do PIB nacional, os Fiagros são indispensáveis para suprir a lacuna do crédito público e bancário", concluiu a FPA.
O veto presidencial mantém os fundos de investimento e patrimoniais como contribuintes do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS). Na justificativa, o governo disse que "não há autorização constitucional para que os fundos de investimentos e os fundos patrimoniais não sejam considerados contribuintes".
Advogados que atuam no agronegócio dizem que a oneração vai desacelerar o crescimento desses instrumentos e reduzir a participação do crédito privado no financiamento do setor.
Na visão de Eduardo Lourenço, sócio do Maneira Advogados, o veto é indevido. Análise feita pelo escritório diz que o governo mirou em uma suposta violação ao dispositivo da lei que impede a concessão de incentivos e benefícios financeiros e fiscais ao IBS na reforma tributária para justificar a medida.
Ele diz que há diferença entre “incentivos e benefícios financeiros ou fiscais relativos” e a definição de contribuinte.
“Os primeiros consistem em medidas que reduzem direta ou indiretamente a carga tributária incidente sobre determinados contribuintes, operações ou setores, visando estimular comportamentos específicos ou aliviar ônus em áreas estratégicas. Por outro lado, a definição de contribuinte refere-se ao núcleo essencial da legislação tributária: identificar o sujeito passivo da obrigação tributária, ou seja, aquele que, segundo os critérios objetivos da lei, assume a responsabilidade pelo pagamento do tributo”, aponta. Ele esclareceu ainda que a Constituição não definiu quem são os contribuintes do IBS e da CBS.
“Não é correto afirmar que há inconstitucionalidade quando a Lei Complementar define que os fundos não são contribuintes. Se trata de delimitação técnica de sujeição passiva, cujo objetivo é preservar a funcionalidade e a coerência do sistema tributário, inclusive em relação à neutralidade e inexistência, na prática, de benefício (que será tratado em momento oportuno)”, explica.
Lourenço afirmou que a condição de “não contribuintes” aos fundos evita distorções econômicas, assegura neutralidade tributária e impede que o sistema tributário “interfira indevidamente nas decisões econômicas” (Globo Rural, 17/1/25)