Bolsonaro critica Inpe por dados sobre desmatamento que prejudica o Brasil
O presidente afirma que dados não condizem com a realidade.
O presidente Jair Bolsonaro afirmou nesta sexta (19) que vai conversar com o diretor do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), Ricardo Galvão, por causa de dados sobre desmatamento que o capitão reformado diz não condizerem com a verdade e que prejudicam o nome do Brasil no exterior.
Dados preliminares de satélites do Inpe mostram que mais de 1.000 km² de floresta amazônica foram derrubados na primeira quinzena deste mês, aumento de 68% em relação a julho de 2018.
“É lógico que eu vou conversar com o presidente do Inpe. [São] Matérias repetidas que apenas ajudam a fazer com que o nome do Brasil seja malvisto lá fora”, afirmou, ao final de um evento no Ministério da Cidadania em comemoração do Dia Nacional do Futebol.
“Vou conversar com qualquer um que esteja a par daquele comando, onde haja a coisa publicada, que não confere com a realidade, vai ser chamado para se explicar. Isso é rotina, toda semana, todo dia, acontece isso aí.”
Em café da manhã com jornalistas estrangeiros nesta sexta, Bolsonaro questionou os dados que mostram aumento do desmatamento. “Com toda a devastação de que vocês nos acusam de estar fazendo e ter feito no passado, a Amazônia já teria se extinguido”, disse.
O presidente afirmou que os dados do Inpe não correspondiam à verdade e sugeriu que Galvão poderia estar a “serviço de alguma ONG.”
O general Augusto Heleno, em entrevista à BBC, também chegou a afirmar que os dados de monitoramento são manipulados. “Se você for somar os percentuais que já anunciaram até hoje de desmatamento da Amazônia, a Amazônia já seria um deserto. No entanto, nós temos muito mais da metade da Amazônia intocada”, disse o ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional.
Sobre as críticas sofridas por outros países, disse: “E os países que nos querem cobrar o comportamento que eles acham correto nunca seguiram esse comportamento. O maior preservador de ambiente do mundo é o Brasil.
As críticas ganharam intensidade após ameaças à descontinuidade do Fundo Amazônia, que apoia projetos de preservação do bioma e que já recebeu mais de R$ 3 bilhões da Noruega e da Alemanha.
Autoridades científicas do país, na última semana, saíram em defesa do Inpe: “A excelência do seu trabalho é reconhecida por outros governos, em especial Estados Unidos e França. Esse trabalho é exemplo mundial de competência nesta área, sendo reconhecido como referência por organismos internacionais como a FAO, WMO [Organização Meteorológica Mundial] etc., e está sendo estendido para o monitoramento de todos os biomas brasileiros”, diz carta assinada por representantes da Academia Brasileira de Ciências, Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, fundações de fomento à pesquisa, entre outros.
“É um sistema de monitoramento único, validado com inúmeros experimentos em campo ao longo das últimas décadas. Os sistemas de monitoramento diários de desmatamento e de detecção de queimadas (Prodes, Deter e Queimadas) refletem o estado da arte mundial neste tema. Utilizam sensores em satélites de última geração, calibrados radiometricamente”, diz o texto. No Inpe, as críticas provocaram alarme.
Sem querer se identificar, funcionários defenderam a qualidade dos dados utilizados para monitorar o desmatamento no país e lembraram que outras instituições, não ligadas ao governo, também fazem mapeamento que aponta para aumento do problema. Os alertas de degradação são registrados por satélite diariamente. Mensalmente, eles são agregados em um boletim, disponibilizado na página do Inpe.
A acusação do presidente de que os dados não condizem com a verdade, dizem os funcionários, não é baseada em metodologia ou evidências. Segundo um dos servidores, falta a Bolsonaro dizer exatamente dizer como teria acontecido essa manipulação.
Os servidores lembram que os dados são coletados por satélites diferentes —além do nacional, há americano, europeu, israelense, entre outros. Essa variedade é importante para o caso de a imagem capturada por um estar encoberta por nuvens, por exemplo. Tecnicamente, seria impossível falsificar todos os satélites que fazem observação da Terra, diz um funcionário.
O risco de o presidente decidir substituir Galvão é uma preocupação dos servidores. O nome do diretor é apontado pelo ministro de Ciência e Tecnologia e, nos últimos anos, o cargo tem sido ocupado por técnicos.
Na semana passada, Bolsonaro disse que considera revisar as unidades de preservação ambiental. Ele citou como exemplo a estação ecológica de Tamoios, na região de Angra dos Reis. Foi lá que Bolsonaro foi autuado, em 2012, por pesca na área, que é protegida. A multa prescreveu e nunca foi paga pelo presidente.
“No Rio de Janeiro, a gente quer, com dinheiro de fora, transformar a baia de Angra dos Reis em uma Cancún. Mas o decreto que demarcou a estação ecológica só pode ser derrubado por uma lei”, disse (Folha de S.Paulo, 20/7/19)
'Posso até ser demitido, mas não se pode atacar o Inpe', diz diretor
Legenda: O diretor do Inpe, Ricardo Galvão
Bolsonaro questionou idoneidade de Ricardo Galvão e do instituto sobre dados de desmatamento que prejudicariam a imagem do país.
Depois de receber críticas do presidente Jair Bolsonaro (PSL), para quem os dados sobre desmatamento da Amazônia são incorretos, exagerados e prejudicam a imagem do país, o engenheiro Ricardo Galvão, diretor do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), disse à Folha que ele até pode ser demitido, mas que o instituto é cientificamente sólido o suficiente para resistir aos ataques do governo.
Os ataques ao Inpe, relata Galvão, começaram desde janeiro, mas tinham origem no Ministério do Meio Ambiente. “A única coisa que o Inpe faz é colher dados, nada mais, mas havia insatisfação sobre isso. Isso estava concentrado no MMA e eu não esperava que subisse à presidência da república, mas aparentemente subiu, não sei exatamente pelo esforço de quem.”
“Pode haver consequências para mim, ser demitido. Mas para o instituto não pode haver. Primeiro porque o orçamento já está estabelecido para este ano; estamos preparando o orçamento para o ano que vem. E a situação ficou tão clara, foi tão incrível a quantidade de apoio, até do exterior, que fica impossível para o governo, na minha opinião, fazer algum tipo de retaliação, o que seria ainda mais contundente contra o governo”, disse Galvão.
Na última sexta (19), o presidente chegou a sugerir que Galvão poderia estar “a serviço de alguma ONG” e que os dados crescentes de desmatamento não condizem com a realidade. Bolsonaro disse que ia chamar Galvão para dar explicações, mas segundo o pesquisador, essa convocatória não veio.
Neste domingo (21), Bolsonaro afirmou que não vai falar com Galvão. "Eu não vou falar com ele. Quem vai falar com ele vai ser o ministro Marcos Pontes [Ciências) e talvez também ali o Ricardo Salles [Meio Ambiente]. O que nós não queremos é uma propaganda negativa do Brasil. A gente não quer fugir da verdade, mas aqueles dados pareceram muito com os do ano passado", disse.
Cientistas do país saíram em defesa do Inpe neste domingo, por meio de uma manifestações da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência) e da ABC (Academia Brasileira de Ciências).
“É um momento importante de apoio ao Inpe e os resultados desse esforço que está fazendo a comunidade científica já estão aparecendo. Eu recebi uma mensagem do ministro de Ciência e Tecnologia, que está nos EUA para a comemoração dos 50 anos do homem na Lua, e ele pediu que eu desse mais informações sobre os métodos [de detecção do desmatamento]. Ele, na verdade, sempre apoiou o Inpe e está tentando abrir um canal de diálogo com a Presidência para que consigamos estabelecer uma solução apaziguadora e construtiva para o país, porque não podemos continuar com esse estado de antagonismo que está destruindo uma instituição de grande prestígio no mundo, que é o Inpe”, diz Galvão.
Os dados de desmatamento são baseados em imagens de satélite e são obtidos diariamente e disponibilizados em um boletim mensal no site do Inpe. As informações e são utilizadas não só por entidades governamentais, como o Ibama, mas acessíveis para qualquer um que pretenda estudar o desmatamento no país.
O sistema Deter funciona como um levantamento rápido de alertas de evidências de alteração da cobertura florestal na Amazônia, que serve de base para operação contra desmate ilegal, por exemplo. Já o Prodes faz a consolidação desses levantamentos e dá a taxa oficial de desmatamento do país em cada ano.
Desde 1988, quando se iniciou o monitoramento, já foram desmatados, segundo dados do Prodes, 436.258 km² de floresta amazônica, quase duas vezes a área do estado de Roraima, o que equivale a cerca de 10% do bioma no país.
A gestão ambiental do governo Bolsonaro e do Ministro Ricardo Salles é marcada por ações que limitam ações de conservação e o combate ao desmatamento. Entre as medidas tomadas pela gestão estão a exoneração de servidores, a transferência de órgãos para outros ministérios e a recente polêmica sobre como gerir o Fundo Amazônia, que recebe dinheiro da Noruega e Alemanha para estimular ações de controle sobre desmatamento e uso sustentável do bioma (Folha de S.Paulo, 22/7/19)