Bolsonaro na ONU: Chamar Amazônia de patrimônio da humanidade é falácia
O presidente Jair Bolsonaro usou o discurso na Assembleia Geral da ONU, nesta terça-feira, para garantir o compromisso de seu governo com a preservação do meio ambiente, e atacou como falácia o argumento de que a Amazônia é um patrimônio da humanidade.
Em fala recheada com posições caras à sua plataforma eleitoral e de governo, Bolsonaro criticou presidentes anteriores, a quem se referiu como socialistas, disse que a ideologia inundou todas as áreas da sociedade brasileira e defendeu a liberdade de religião, mas também procurou vender a imagem de um país aberto para o mundo em busca de parcerias para o desenvolvimento.
O presidente aproveitou o discurso também para fazer um elogio a seu ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, por sua atuação prévia como juiz da operação Lava Jato.
Alvo de críticas e polêmicas devido à política ambiental, Bolsonaro afirmou que ataques sensacionalistas, por grande parte da mídia internacional, devido aos incêndios na Amazônia despertaram um sentimento patriótico no Brasil.
Aproveitou para criticar países que disse terem embarcado “nas mentiras da mídia”, mas agradeceu outros líderes, em especial a atuação do presidente norte-americano, Donald Trump.
“É uma falácia dizer que a Amazônia é patrimônio da humanidade e um equívoco, como atestam os cientistas, afirmar que a nossa floresta é o pulmão do mundo”, disse Bolsonaro, em
tom irritado no discurso de cerca de 31 minutos.
“Valendo-se dessas falácias, um ou outro país, em vez de ajudar, embarcou nas mentiras da mídia e se portou de forma desrespeitosa, com espírito colonialista”, acrescentou, numa aparente referência ao presidente francês, Emmanuel Macron, com quem entrou em atrito por conta da região, e lembrando que durante reunião do G7 foi sugerido sanções sobre o Brasil.
“Agradeço àqueles que não aceitaram levar adiante essa absurda proposta. Em especial, ao presidente Donald Trump, que bem sintetizou o espírito que deve reinar entre os países da ONU: respeito à liberdade e à soberania de cada um de nós.”
Bolsonaro reiterou no discurso que o Brasil não vai aumentar para 20% sua área já demarcada como reservas indígenas, “como alguns chefes de Estado gostariam que acontecesse”.
O presidente voltou a reafirmar as riquezas das terras indígenas e afirmou que se preocupa em defender os reais interesses desses povos. Criticou algumas lideranças indígenas, citando especificamente o cacique Raoni, dizendo que muitas vezes são usadas “como peça de manobra por governos estrangeiros na sua guerra informacional para avançar seus interesses na Amazônia”.
“O índio não quer ser latifundiário pobre em cima de terras ricas”, disse.
Procurou deixar claro, no entanto, a defesa do meio ambiente.
“Em primeiro lugar, meu governo tem um compromisso solene com a preservação do meio ambiente e do desenvolvimento sustentável em benefício do Brasil e do mundo”, disse. “Nossa política é de tolerância zero para com a criminalidade, aí incluídos os crimes ambientais.”
CONFIANÇA
Bolsonaro disse que seu governo trabalha para abrir a economia e para o Brasil reconquistar a confiança do mundo.
“Estamos abrindo a economia e nos integrando às cadeias globais de valor”, disse. Mencionou os acordo fechados entre o Mercosul, do qual o Brasil faz parte, com a União Europeia e com a Área Europeia de Livre Comércio, e garantiu que outros virão.
Destacou também que o país está pronto para iniciar o processo de adesão à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
“Já estamos adiantados, adotando as práticas mundiais mais elevadas em todo os terrenos, desde a regulação financeira até a proteção ambiental.”
Listando viagens que já fez aos Estados Unidos, Israel, Argentina, ao Fórum Econômico Mundial, na Suíça, entre outras, Bolsonaro disse que fará visitas ainda este ano a Japão, China, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos e Catar, que aprofundarão as relações com esses países.
“Em busca de prosperidade, estamos adotando políticas que nos aproximem de países outros que se desenvolveram e consolidaram suas democracias”, disse.
“Como os senhores podem ver, o Brasil é um país aberto ao mundo, em busca de parcerias com todos os que tenham interesse de trabalhar pela prosperidade, pela paz e pela liberdade.”
CUBA E VENEZUELA
O presidente aproveitou ainda seu discurso para atacar os regimes de Cuba e da Venezuela, e disse que seu governo trabalha para que outros países não trilhem este caminho, destacando que o Brasil esteve muito próximo disso nos últimos anos.
“A Venezuela, outrora um país pujante e democrático, hoje experimenta a crueldade do socialismo”, disse. “O socialismo está dando certo na Venezuela. Todos estão pobres e sem liberdade”, ironizou.
“Trabalhamos com outros países, entre eles os EUA, para que a democracia seja restabelecida na Venezuela, mas também nos empenhamos duramente para que outros países da América do Sul não experimentem esse nefasto regime.”
MORO
Bolsonaro aproveitou o momento em que atacou presidentes anteriores pelos escândalos de corrupção para fazer um afago público ao ministro Sergio Moro.
“Há pouco, presidentes socialistas que me antecederam desviaram centenas de bilhões de dólares comprando parte da mídia e do Parlamento, tudo por um projeto de poder absoluto”, disse.
“Foram julgados e punidos graças ao patriotismo perseverança e coragem de um juiz que é símbolo no meu país, o doutor Sérgio Moro”, acrescentou o presidente.
Em alguns momentos nos últimos meses, circularam informações de que as relações entre Bolsonaro e Moro não estavam boas, e o próprio presidente deu indícios de que não estava feliz com seu ministro mais estrelado (Reuters, 24/9/19)
Das palmas irônicas de Merkel ao elogio de Trump, as reações ao discurso
Em pouco mais de meia hora, o presidente brasileiro desfez a expectativa de que adotaria um tom conciliador e afirmou que a preocupação da comunidade internacional sobre a Amazônia é motivada por "colonialismo".
Nesse contexto, atacou nominalmente França e Alemanha.
"A Organização das Nações Unidas teve papel fundamental na superação do colonialismo e não pode aceitar que essa mentalidade regresse a estas salas e corredores, sob qualquer pretexto. Não podemos esquecer que o mundo necessita ser alimentado. A França e a Alemanha, por exemplo, usam mais de 50% de seus territórios para a agricultura, já o Brasil usa apenas 8% de terras para a produção de alimentos", afirmou.
Bolsonaro disse ainda que lideranças indígenas que denunciam o desmatamento da floresta, como o cacique caiapó Raoni Metuktire, "são usados como peça de manobra por governos estrangeiros na sua guerra informacional para avançar seus interesses na Amazônia".
Mais tarde, o próprio presidente comentou a fala. "Foi um discurso objetivo, contundente. Não foi agressivo, mas nós buscamos reestabelecer a verdade [a respeito das] das questões que estávamos sendo acusados no Brasil", afirmou Bolsonaro no lobby do hotel. Ele, no entanto, disse que não faria mais avaliações a respeito do impacto do que falou.
'Bem comum'
A resposta do presidente francês Emmanuel Macron, com quem Bolsonaro protagonizou intensa discussão no final de agosto sobre as queimadas na floresta, veio do lado de fora da sala de Conferência das Nações Unidas.
Embora tenha dito que não ouviu o discurso de Bolsonaro, Macron comentou as afirmações do brasileiro.
"Queremos ajudar as pessoas da Amazônia. Temos muitas pessoas envolvidas no futuro da Amazônia e acho que o que queremos fazer é ajudar as pessoas que vivem lá, com completo respeito pela soberania, ajudando o povo. Não é questão de lobby ou interesse, os lobbies são para destruir a floresta para seus próprios interesses. O que nós queremos fazer é ajudar pessoas para elas mesmas e para o futuro da Amazônia, porque é um bem comum."
Na sequência, Macron conversou por cerca de cinco minutos com o governador do Amapá, Waldez Góes (PDT), no que a delegação francesa qualificou como um "encontro bilateral".
Macron não teve nenhuma agenda com Bolsonaro ou mesmo com o chanceler brasileiro, Ernesto Araújo. Na conversa com Góes, Macron se disse disposto a conversar e trabalhar diretamente com os governos estaduais, sem necessariamente passar pelo Planalto.
"O que nós vamos sempre deixar claro para o presidente Bolsonaro é que é preciso baixar o tom das palavras. É impossível se avançar na solução dos problemas sem manter as relações diplomáticas", afirmou Góes, visivelmente contrariado com o discurso do presidente.
De acordo com Góes, ele e outros governadores do Consórcio da Amazônia Legal, que compreende os Estados com área florestal amazônica, fizeram recomendações e pedidos diretos ao presidente em relação ao discurso. Não foram contemplados no resultado final da fala.
Os governadores estudam, agora, manter conversas diretamente com autoridades alemãs e norueguesas para tentar reestabelecer os depósitos de quase R$ 300 milhões dos dois países para o fundo Amazônia, cortados em julho depois de questionamentos da gestão Bolsonaro sobre a destinação dos recursos.
A avaliação de políticos e de quadros do governo é que, diante de 192 líderes mundiais, Bolsonaro optou por falar para o seu eleitorado cativo. Ao mencionar temas como o Foro de São Paulo, os médicos cubanos do programa Mais Médicos e dizer que o Brasil quase virou um país socialista, o presidente teria confundido o plenário da ONU com o da Câmara dos Deputados, onde passou sete legislaturas.
"O que é importante ficar claro é que nem o Brasil pode ficar de costas pra esse debate e nem o mundo pode ficar debatendo de costas para quem vive na Amazônia. É uma obrigação dos governos estarem nesse diálogo", lamentou Goes.
Reações positivas
Se causaram frustração nas delegações europeias, as palavras de Bolsonaro foram recebidas com entusiasmo pelo presidente americano, Donald Trump, que o sucedeu no púlpito da Assembleia-Geral.
"Grande discurso, grande discurso, grande discurso", disse Trump, apertando as mãos do brasileiro e dando-lhe tapas nos ombros.
O registro foi feito pela própria equipe de Bolsonaro, que a postou nas redes sociais do presidente com um agradecimento pela "consideração".
Trump foi diretamente citado por Bolsonaro durante seu discurso. O brasileiro agradeceu explicitamente o apoio americano no G7 para impedir que o tópico Amazônia fosse incluído no relatório final da reunião dos sete países mais poderosos do mundo há cerca de um mês, como desejava a França.
Nas palavras de Bolsonaro, Trump "bem sintetizou o espírito que deve reinar entre os países da ONU: respeito à liberdade e à soberania de cada um de nós".
Havia a expectativa de que o brasileiro mantivesse ao menos uma reunião bilateral com Trump, mas até agora não há previsão para o encontro.
O brasileiro confirmou que irá à recepção oferecida por Trump aos líderes da Assembleia-Geral em um hotel em Nova York, no início da noite desta terça. Será o último compromisso da agenda de Bolsonaro antes de retornar ao Brasil.
No discurso, além do afago aos Estados Unidos, com quem Bolsonaro diz ter firmado "parceria abrangente e ousada em todas as áreas", ele mencionou como aliados internacionais Chile, Israel e Argentina.
Ao contrário de governos anteriores, a atual gestão não privilegia os contatos com a maioria dos países em desenvolvimento ou a chamada "cooperação Sul-Sul".
Bolsonaro usou ainda o discurso para reafirmar seu compromisso com o combate à corrupção: "Seguiremos contribuindo, dentro e fora das Nações Unidas, para a construção de um mundo onde não haja impunidade, esconderijo ou abrigo para criminosos e corruptos".
Sua postura foi aprovada pela delegação da Nigéria que assistia ao discurso. Segundo eles, Bolsonaro é "um homem forte", que lembra o presidente nigeriano Muhammadu Buhari, um militar com discurso feroz contra a corrupção (BBC Brasil, 24/9/19)