Brasil perde apoio do Banco Mundial para implementar mercado de carbono
QUEIMADA FAZENDA BACURI Christian Braga Greenpeace
Legenda: Área queimadas na fazenda Bacuri, cerca de um ano depois do "dia do fogo". A fazenda tem multas por desmate ilegal e nela foram registrados, em agosto de 2019 e de 2020, focos ilegais de incêndios, na área embargada da fazenda e na área de floresta. A fazenda foi fornecedora indireta de carne da JBS, aponta investigação do Greenpeace Christian Braga/Christian Braga/Greenpeace
País se inscreveu, mas não foi escolhido na primeira seleção do PMI, programa que ajuda países a colocarem o sistema em prática.
O governo federal tem em mãos, desde o final de 2020, um estudo detalhando por que é desejável para o Brasil criar um mercado de carbono. No entanto, o projeto não avançou, e agora o país vai ficar sem apoio estratégico na fase de implementação.
Segundo dados obtidos pela Folha via LAI (Lei de Acesso à Informação), o Brasil não foi selecionado para o PMI, programa do Banco Mundial que ajuda países a implementarem sistemas de precificação de carbono.
O motivo, conforme apontado pelo próprio Ministério da Economia, foi o atraso do país em relação ao tema.
“Em virtude de restrição orçamentária [do Banco Mundial], foram selecionados apenas países que estavam mais adiantados na implementação de um mercado de carbono”, respondeu a pasta ao pedido feito pela Folha.
Além do Brasil, outros 15 países pleiteavam uma vaga na etapa de implementação. Oito foram selecionados, dentre eles Chile, Colômbia e México. O Banco Mundial ainda não divulgou a lista completa.
“Infelizmente, o Brasil não ficou nessa primeira lista. Todos os países que entraram têm um marco regulatório e legal já estruturado, o que não é o caso do Brasil", afirma Alexandre Kossoy, especialista financeiro do Banco Mundial.
O PMI (parceria para implementação de mercado, na sigla em inglês) é a etapa posterior de outro programa realizado pelo Banco Mundial, o PMR (parceria para preparação de mercado), cujo objetivo é ajudar países a adotarem iniciativas para mitigar a crise do clima.
Assim como o Brasil, outros 23 países receberam o apoio, como África do Sul, Argentina, Chile, China, Colômbia, Índia e México.
No caso brasileiro, o PMR avaliou a viabilidade de um instrumento de precificação de carbono, como um mercado regulado ou um imposto sobre emissões.
Após cinco anos de estudos sobre impactos econômicos, sociais e regulatórios, que contaram com a participação de representantes da indústria, do agronegócio e do setor de energia, o PMR concluiu em 2020 que seria desejável para o Brasil adotar um modelo de precificação como parte de sua política ambiental, em especial um mercado de carbono.
“Acredita-se que um instrumento de precificação de carbono pode ajudar o país não apenas a cumprir com seus objetivos climáticos, mas também a se posicionar estrategicamente para melhor aproveitar as oportunidades econômicas que serão criadas", diz o relatório disponível no site do Ministério da Economia.
No entanto, o governo federal não avançou em relação às recomendações do programa e, por isso, o país ficou de fora da fase de implementação.
Procurados, o Ministério da Economia e a Sepec (Secretaria Especial de Produtividade e Competitividade), órgão que ficou responsável pelo PMR no governo, não comentaram a decisão do Banco Mundial até a publicação desta reportagem.
Segundo Alexandre Kossoy, que está à frente do PMI e do PMR, os recursos captados neste primeiro momento não permitiram selecionar todos que se inscreveram para o programa.
Kossoy mencionou os exemplos de Chile, México e Colômbia, que participaram do PMR e foram escolhidos para a próxima fase por terem leis sobre mercado de carbono já aprovadas. "Eles estão um passo um pouco à frente do Brasil. Não seria justo não colocar esses países nessa primeira rodada.”
No entanto, para o especialista do Banco Mundial, a decisão não significa que o país está atrasado na implementação de um mercado de carbono.
"É uma questão de quais países têm esse marco regulatório já estabelecido. Não é que o Brasil esteja atrasado, ele não está no mesmo nível desses outros."
Segundo ele, é possível que o país venha a ser selecionado numa segunda rodada, que pode acontecer daqui um ano.
MERCADO DE CARBONO
- O que é?
O mercado de carbono é um dos instrumentos que os governos têm para promover a redução das emissões de gases de efeito estufa em setores econômicos.
- Quem tem?
O modelo já existe na Europa há mais de 15 anos, assim como na Nova Zelândia, Cazaquistão e em alguns estados norte-americanos. Desde julho deste ano, a China também conta com um mercado de carbono nacional. Segundo o Banco Mundial, existem hoje 64 iniciativas de precificação de carbono em vigor no mundo.
- Como funciona para o governo?
O governo limita a quantidade de gases de efeito estufa que determinados setores econômicos podem emitir e concede permissões de poluição para as empresas.
- E para as empresas?
As companhias recebem então um “orçamento” com a quantidade de carbono que podem liberar. Para poluir acima da cota, é preciso comprar mais licenças, que são vendidas pelas organizações que conseguiram cortar suas emissões (Folha.com, 27/8/21)