Buraco negro e linchamento moral - Por Celso Ming
Anielle Franco Foto Andre Borges -EFE
A “cultura do cancelamento” pode abrir espaços para lugar combatível e sem margem para erros.
Eis que a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco (Foto), advertiu na TV que a expressão “buraco negro” é racista. “Buraco negro” é a designação criada pelos astrofísicos para o sugadouro cósmico cuja gravidade é tão intensa que dele não deixa escapar nem mesmo a luz. Este é o terreno da chamada cultura do cancelamento.
Antes que alguém pergunte o que isso tem a ver com a economia, objeto desta coluna, vale observar que é preciso continuar a escrever sobre “mercado negro”, “câmbio negro” ou, simplesmente, sobre o “black”, sem risco de linchamentos morais.
Pelos critérios da ministra, racistas seriam bem outros conceitos consagrados na física cósmica, como o da “matéria negra” ou o da “energia escura”.
Estaria errada a metonímia que cuida da designação de lugares e acidentes geográficos? Pela avaliação da ministra, cidades e rios importantes teriam nomes errados. Seria o caso de Rio Negro, Rio Pardo, Monte Negro, Serra Negra, Rio Preto e Pico das Agulhas Negras. E tem o Mar Negro, que os antigos chamavam de Ponto Euxino. Não ficaria de fora nem mesmo a sofrida Ponte Preta, também conhecida por Nega Veia e Macaca. J
á houve quem tacasse fogo na estátua do bandeirante Borba Gato, por ter sido grande predador de indígenas. Se esse tratamento fosse para valer, então seria necessário mudar os nomes de importantes rodovias de São Paulo, como Fernão Dias, Raposo Tavares, Anhanguera e Bandeirantes. Nos Estados Unidos, tentaram derrubar a estátua de Cristóvão Colombo, acusado de genocídio de povos originários, que ele chamou de “índios”, porque julgava ter descoberto a nova rota para as Índias.
No Rio Grande do Sul, quem “come um negrinho” não está fazendo nada além de saborear um brigadeiro, doce que não leva ovos, que ganhou esse nome porque um carioca debochado assim pretendeu homenagear o brigadeiro Eduardo Gomes, um dos heróis do episódio dos 18 do Forte de Copacabana (1922). Mais uma razão para o gaúcho deixar de comer negrinhos? Expressões usadas por artistas consagrados viraram politicamente incorretas. Em um de seus sucessos, Chico Buarque cantou que “A coisa aqui tá preta”. “Mulata assanhada”, “Nega do cabelo duro” e “Amélia, a mulher de verdade” já não se entoam impunemente.
Coitado do Di Cavalcanti, que se popularizou por pintar inúmeros quadros de mulatas. E o que será de tantos artistas famosos que expuseram a nudez de mulheres? E não falta quem repudie toda a arte de Pablo Picasso porque, num de seus surtos de misoginia, apagou seu cigarro no rosto de sua mulher.
A chamada “cultura do cancelamento” repete no Brasil e mundo afora o que antigamente fizeram com as bruxas. A pretexto de chamar a atenção para a luta dos oprimidos, produz ostracismo moral sumário, especialmente via redes sociais, sem ao menos dar oportunidade a esclarecimentos, com o objetivo de criar consciência e mudar posturas de fato condenáveis (Estadão, 10/11/23)