27/01/2025

Chega de venda casada no agro, diz CEO

Chega de venda casada no agro, diz CEO

Executivo que preside a Abdagro cobra R$ 841 bilhões do Banco do Brasil por suposta prática na oferta de crédito

 

Banco do Brasil, pivô do crédito para o agro no país, responde a uma ação de produtores rurais ligados à Abdagro (Associação Brasileira de Defesa do Agronegócio) em que eles pedem uma indenização de R$ 841 bilhões, cinco vezes o valor de mercado do banco.

 

No centro da disputa está a suposta prática de venda casada de seguros, consórcios, entre outros produtos da instituição em troca de crédito, algo que se arrasta há pelo menos três décadas, segundo Raphael Barra, presidente da associação e CEO da BR Fazendas.

 

O BB nega as acusações e reafirma seu compromisso com os produtores. Diz que presta até consultoria para seus clientes, o que inclui esclarecimentos sobre o recente aumento da litigância predatória e irresponsável no campo, seja em processos de recuperação judicial ou em ações infundadas.

 

Se essa prática dura tanto tempo, por que ninguém foi à Justiça antes

lobby dos bancos em Brasília sempre conseguiu segurar esse movimento. Em 1993, houve até uma CPI sobre esse assunto, mas ela foi arquivada.

 

Há associações mais representativas que a Abdagro. Por que elas não foram à Justiça?

 

Nenhuma quis ingressar. Para se ter ideia do nível de conflito de interesse, em 2022, o governador de Goiás, Ronaldo Caiado, quis cobrar uma taxa de agro. A gente queria ir à Justiça, mas, naquele momento, não tínhamos associação, nem legitimidade. Preparamos uma ação, mas ninguém quis levá-la adiante. Naquele momento, entendemos que ou agíamos ou seríamos massacrados.

 

Foi por isso, então, que criaram a associação?

 

Sim. Ela foi criada em novembro de 2023 e esperamos um ano para entrar com a ação da venda casada.

 

De onde surgiu a ideia?

 

Minha vida é no agro. Tenho negócios no setor e atuo na internet [página da BR Fazendas no Instagram]. Lá, recebi diversas denúncias da prática de que, eu mesmo, já tinha sido vítima. Um dos prejudicados relatou ter chegado a um volume de R$ 50 milhões em consórcio do banco. Quando abrimos o nosso Instagram [página da BR Fazendas] sobre o tema, o pessoal começou a responder. Nossa equipe ficou três meses só recebendo denúncias, a maioria envolvendo o BB.

 

Se o BB tiver de pagar R$ 841 bilhões, ele quebra. Você acha isso razoável?

 

Não sei o que a Justiça decidirá sobre isso. O que não pode continuar é essa prática criminosa de banco conceder empréstimo atrelado à compra de um seguro ou consórcio. Há ainda um desvio de finalidade. Boa parte desse crédito tem juro subsidiado pelo governo e deve ser usado integralmente na produção. Se o fazendeiro desvia, pode até ser preso. Agora, nada acontece com o banco que obriga o tomador a fazer esse desvio para adquirir um produto seu?

 

Mas e se a Justiça não conceder a indenização?

 

Eu espero que conceda, porque esses agricultores foram lesados. Mas, para a Abdagro, o mais importante é que essa prática seja proibida. É o que pedimos como medida cautelar, mas ela ainda não foi julgada.

 

Há provas de que o BB praticou venda casada?

 

Sim, muitas. Temos casos documentados e depoimentos de ex-gerentes afirmando que havia até metas definidas pelo banco para a venda desses produtos, seguros e consórcios.

 

Como chegaram a esse valor de indenização?

 

Pegamos o montante negociado nos últimos dez anos em crédito rural. Estimamos que 10% tiveram venda casada [com base na amostra dos 2.500 associados da Abdagro] e chegamos a R$ 176,5 bilhões. Pedimos esse valor em dobro, mais restituição de danos sociais, morais e coletivos, o que dá R$ 841 bilhões.

 

Caso a reparação seja concedida, quem receberá? Só os associados?

 

Não. É para a coletividade e, por isso mesmo, pedimos que o BB informe quantos fizeram contratos nesse período.

 

Tem ideia de quantos seriam?

Cerca de 3 milhões.

 

 

Avaliam processar outros bancos?

 

É possível.

RAIO-X

Raphael Barra, 34

 

CEO da BR Fazendas, espécie de imobiliárias de propriedades rurais, é um ativista na internet de causas ligadas a produtores rurais, especialmente os de pequeno porte. Há dois meses, foi ao STF defender benefícios fiscais aos defensivos agrícolas, questionados pelo PSOL. Fundou a Abdagro em 2023 e já conta com 2.500 associados (Folha, 25/1/25)