13/01/2025

China dá um 'presta atenção' no Brasil com investigação da carne

China dá um 'presta atenção' no Brasil com investigação da carne

FRIGORÍFICO BOVINO- FREEPIK

Anúncio veio após medidas do governo brasileiro visando importações e investimentos chineses; economista vê retaliação

 

"Eles estão dando um 'presta atenção' no Brasil, com certeza." A avaliação é do pecuarista paulista Vadão Gomes, sobre o anúncio de Pequim na virada do ano, de uma investigação sobre as importações de carne bovina.

 

O Brasil é o maior exportador da proteína animal para a China, com 42% do total em 2023. Num segundo lugar distante vem a Argentina, com 15%.

 

O "presta atenção" seria uma resposta a ações do governo brasileiro. No ano passado, por exemplo, sob pressão dos setores no Brasil, o Ministério da Indústria e Comércio (Mdic) sobretaxou as importações de aço e de automóveis da China.

 

O anúncio da investigação da carne foi feito pelo Ministério do Comércio chinês, dizendo ter sido pedida pelos produtores de gado do país, com o argumento de que o excesso de oferta derrubou os preços ao menor patamar desde 2019. Deve durar pelo menos oito meses.

 

Gomes, que é ex-deputado federal pelo PP e acompanhou a visita de Lula a Pequim em 2023, está otimista.

 

"Acredito que a China não vai parar nunca de comprar produtos de proteína animal do Brasil", diz, citando não só o preço, mas o volume oferecido.

 

"Acredito que eles vão excluir algumas empresas de exportação, em função de documentação sanitária, como já aconteceu. E pode ser que suspendam algumas plantas. Já estão nominadas quais serão fiscalizadas."

 

Para Larissa Wachholz, ex-assessora especial do Ministério da Agricultura e hoje sócia da Vallya Participações, a investigação "não tem a ver com o Brasil, especificamente, mas, justamente para não ficar pensando se isso é contra a gente, se não é, o agro brasileiro precisa ter uma presença física mais próxima da China".

 

Diz que "é preciso interagir com as partes interessadas, com os produtores chineses, com as empresas, para conseguir mapear quando esse tipo de coisa pode aparecer".

 

A investigação da carne "tem a ver com uma desestruturação da cadeia interna de fornecimento", algo que seria possível identificar com "um radar mais ligado para esse tipo de coisa, que é uma discussão pública na China". A agência oficial Xinhua despachou um primeiro artigo sobre a questão em junho, seis meses antes.

 

A nota oficial brasileira sobre a investigação, dizendo que "o governo reafirma seu compromisso em defender os interesses do agronegócio", foi assinada pelos ministérios da Agricultura, da Indústria e Comércio e das Relações Exteriores. Mas o tema está agora concentrado na Agricultura, segundo a assessoria do Mdic.

 

Para o geógrafo e economista Elias Jabbour, que acaba de deixar a assessoria do Novo Banco de

Desenvolvimento (NDB), presidido por Dilma Rousseff em Xangai, "a China desenvolveu mecanismos para mostrar que, contra países que tentam, entre aspas, proteger os seus mercados, pode fazer o mesmo".

 

Agora, acrescenta ele, "vamos ter que enfrentar a consequência dos nossos atos". Refere-se não só aos episódios citados, mas à "frustração que ficou, pelo lado chinês, de o Brasil não ter assinado a Iniciativa Cinturão de Rota" (a chamada Nova Rota da Seda), durante a visita do líder Xi Jinping, em novembro.

 

Jabbour avalia que a investigação da carne "evidentemente é uma forma de retaliação, num jogo de soma zero".

 

Diz que o governo brasileiro deveria buscar, além da proteção do mercado, formas de cooperação naquilo que "a China entrega", citando construção de infraestrutura e instalação de uma indústria mecânica pesada. Jabbour, que ficou um ano e meio em Xangai, deverá assumir uma fundação de planejamento a convite do prefeito do Rio, Eduardo Paes (PSD).

 

O anúncio da investigação pelo Ministério do Comércio chinês no último dia 27 foi considerado "inusitado" na própria China, sendo apenas o terceiro do gênero desde que o país se juntou à Organização Mundial do Comércio, em 2001.

 

Foi seguido de uma série de outras comunicações, inclusive uma entrevista feita pela Xinhua com um professor da Universidade de Ciência Política e Direito, de Pequim. Segundo ele, a China tem sido "bastante cautelosa" nas ações de investigação.

 

Um texto de perguntas e respostas com um porta-voz do Ministério do Comércio registrou que "deve ser enfatizado que as investigações de salvaguarda não têm como alvo países específicos" (Folha, 11/1/25)