28/01/2025

Clima pode fazer café migrar de região, altitude e variedade plantada

Clima pode fazer café migrar de região, altitude e variedade plantada

Clima impacta produção mineira de café. Foto Reprodução Blog A Lavoura

 

Por Marcelo Toledo

 

Irrigação é arma apontada pelo setor para combater os efeitos climáticos na produção de café em Minas Gerais

 

clima sempre foi tratado como um dos atores principais na cafeicultura, mas as mudanças climáticas em curso agem com tal protagonismo nas lavouras que o setor já afirma que pode haver não só uma migração de regiões produtoras, mas também de altitude e até mesmo da variedade plantada.

 

Principal produtor de café do mundo, o Brasil sofreu no decorrer de 2024 com a seca, que chegou a mais de 150 dias em algumas regiões de cultivo, o que causou perda de folhas, que murcharam, e até ameaça de causar a morte de plantas em lavouras de Minas Gerais e São Paulo —que concentram 67% da produção brasileira.

 

O café brasileiro tem como padrão ser da variedade arábica e cultivada em regiões mais frias e, de preferência, em altitudes superiores.

 

Como, porém, a variedade tem sofrido muito com os impactos do clima, empresários, produtores e associações do setor já afirmam que as variedades canéforas (robusta e conilon) ganharão cada vez mais espaço e, por serem mais resistentes ao calor, poderão ser cultivadas em regiões e altitudes em que o arábica não se dá tão bem.

 

O tema foi discutido com preocupação durante a SIC (Semana Internacional do Café), principal evento do setor no país, realizado em Belo Horizonte, e onde a Folha ouviu representantes do setor.

 

Presidente do grupo Três Corações, maior indústria de café do país, Pedro Lima disse que a "desarmonização climática" preocupa, mas que enxerga a possibilidade de movimentação interna da agricultura pelo país.

 

"Vejo o estímulo ao crescimento dos cafés canéforas para poder fazer esse balanceamento. A agricultura vai se movimentando dentro do país. O robusta está crescendo muito na amazônia, o Espírito Santo tem crescido, assim como a [região da] Chapada de Minas, onde começamos a plantar café robusta", disse.

 

A fazenda do grupo, em Angelândia, tem média de 1.200 metros de altitude, mas há uma área em que ela é de 800 metros. É nesse local que 100 hectares estão sendo destinados ao cultivo de canéforas.

 

A Três Corações consome por ano cerca de 5,5 milhões de saca de café, próximo de 8% da produção brasileira. O país tem aproximadamente 300 mil produtores de café.

 

Em geral, as variedades canéforas são mais fortes, amargas e resistentes ao calor que o arábica, predominante na produção nacional.

 

O café arábica representa 68,12% da produção nacional, conforme a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), enquanto as canéforas respondem por 31,88% do total.

 

Em Minas Gerais, 99% do café produzido é arábica e 1% é de conilon, num mercado que certamente terá mudanças, segundo Antônio de Salvo, presidente da Faemg (Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Minas Gerais).

 

"É uma possibilidade com a irrigação trabalhar esse café conilon em outras áreas de mais baixa altitude, de temperaturas mais altas, para que a gente possa também ofertar e crescer o volume produzido de café em Minas Gerais. A possibilidade de irrigação é fundamental", disse.

 

Garantir o abastecimento hídrico nas propriedades é um tema que tem sido discutido na Secretaria da Agricultura mineira. Somente 15% da sua área agrícola é irrigada, segundo o titular da pasta, Thales Fernandes.

 

Ele disse que a implantação de uma política para agricultura irrigada vai mudar o perfil do estado. "O hectare de café conilon bem adubado e bem irrigado produz de 120 a 150 sacas. A R$ 1.500 [cada saca], não é mau negócio", disse.

 

A irrigação impede que a cultura sofra déficit hídrico, como o registrado no decorrer deste ano, e que a safra sofra consequente queda de produtividade. Quando a temperatura sobe e falta chuva, o café sofre queda nas folhas e vê sua fotossíntese diminuir. As consequências são perda de água —daí a importância da irrigação— e o aumento da facilidade para uma praga causar danos às lavouras.

 

A dimensão ainda é desconhecida, segundo o presidente da Faemg, mas associações regionais têm afirmado que as perdas podem ser de cerca de 20%. "Se vier temperatura alta em janeiro e fevereiro, o problema será maior", disse Salvo.

Caio Alonso Fontes, diretor da Espresso&CO, um dos realizadores da SIC, afirmou que avanços científicos podem melhorar a qualidade e a sustentabilidade do setor cafeeiro e que é importante discutir os efeitos do clima independentemente do ponto da cadeia em que a pessoa se situa.

 

O evento reuniu mais de 20 mil pessoas de 40 países na capital mineira e fechou mais de R$ 60 milhões em negócios.

 

Em 2024, o país exportou, até novembro, 46,399 milhões de sacas de café, superando em 3,78% o até então recorde, em 2020 (44,707 milhões de sacas, o ano todo). Em comparação com o desempenho de janeiro a novembro do ano passado, o aumento foi de 32,2%, segundo o Cecafé (Conselho dos Exportadores de Café do Brasil).

 

Os Estados Unidos ocupam o primeiro lugar no ranking dos importadores do café brasileiro neste ano, com 16% do volume total. O café arábica é a espécie mais exportada, com 73,2% do total.

 

"O protagonismo do Brasil no café vai continuar. O futuro a Deus pertence, mas entendo que o Brasil tem uma geografia mais harmônica para a gente ir migrando para áreas mais produtivas", disse Lima (Folha, 28/1/25)

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