Com Meio Ambiente, Bolsonaro fecha desenho de ministérios com 22 pastas
Legenda: O futuro ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles
Intenção de dar novo perfil à pasta e disputa entre núcleos político e militar do futuro governo fez com que o advogado Ricardo Salles fosse o último a ser anunciado.
O presidente eleito, Jair Bolsonaro, confirmou neste domingo, 9, a escolha do advogado Ricardo Salles como futuro ministro do Meio Ambiente e fechou o desenho do seu Ministério, que terá ao todo 22 pastas. Filiado ao partido Novo, Salles lidera o movimento Endireita Brasil e foi secretário estadual do Meio Ambiente em São Paulo na gestão de Geraldo Alckmin (PSDB). Após ser confirmado no cargo, ele disse que seu papel no ministério será defender o meio ambiente e respeitar o setor produtivo. Após ser eleito, Bolsonaro cogitou extinguir a pasta.
O primeiro escalão de Bolsonaro terminou maior do que o previsto – com sete pastas além do prometido durante a campanha eleitoral – e formado por militares, políticos e técnicos.
Bolsonaro recuou da intenção de extinguir o Ministério do Meio Ambiente e incorporá-lo à Agricultura após reação negativa de setores exportadores, que temiam um desgaste da soja e da carne no exterior.
O presidente eleito defende que a pasta promova um “licenciamento eficiente” e acabe com o que chama de “indústria das multas” no Ibama e no Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMbio).
A intenção de dar um novo perfil ao Meio Ambiente e uma disputa entre os núcleos político e militar do futuro governo pela indicação do futuro ministro fez com que o titular da pasta fosse o último a ser anunciado.
Entidades do setor produtivo defenderam a indicação de Salles para o ministério. A Sociedade Rural Brasileira (SRB) enviou uma carta ao presidente eleito para reforçar o apoio ao nome do advogado para o cargo. A Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) também defendeu o nome de Salles para o ministério durante reuniões de comitês internos.
“Defender o meio ambiente e ao mesmo tempo respeitar todos os setores produtivos do Brasil é o que sintetiza muito nosso sentimento”, disse Salles ao Estadão/Broadcast.
Ele ficou pouco mais de um ano à frente da Secretaria do Meio Ambiente de São Paulo. Salles é réu na Justiça paulista por improbidade administrativa, acusado de ter alterado ilegalmente o plano de manejo de uma Área de Proteção Ambiental Várzea do Tietê.
Repercussão
Entidades internacionais divulgaram nota após o anúncio do futuro ministro do Meio Ambiente. A WWF-Brasil afirmou que o ministério do Meio Ambiente deve ter papel protagonista na redução do desmatamento no País. “Fundamental para posicionar a agropecuária brasileira com tremendas vantagens competitivas no mercado internacional, tão importante para o setor”, diz o comunicado divulgado pela entidade.
“Desejamos que o Ministério do Meio Ambiente cumpra sua missão de balancear as questões ambientais nas outras pastas do governo, zelando assim para que o Brasil tenha medidas necessárias para proteger de forma estratégica o nosso imenso patrimônio natural. E que tenha capacidade de dialogar com os diversos setores da sociedade”, afirmou Mauricio Voivodic, diretor executivo do WWF-Brasil (O Estado de S.Paulo, 10/12/18)
‘Perseguição ideológica não é saudável para ninguém’, diz futuro ministro
Legenda: Advogado Ricardo Salles foi secretário do Meio Ambiente de São Paulo durante governo de Geraldo Alckmin (PSDB)
Indicado como titular da pasta, o advogado Ricardo Salles afirma que ações serão pautadas pela lei, e não por política.
O futuro ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, disse ao Estado que todas as organizações não governamentais (ONGs) podem ficar “tranquilas” com sua nomeação. Advogado e um dos criadores do movimento Endireita Brasil, Salles assegurou que o verbo de sua gestão será “harmonizar”, sem discriminações. “Essa perseguição ideológica não é saudável para ninguém. Nem para a Agricultura e tampouco para o Meio Ambiente”, afirmou ele. A seguir, os principais trechos da entrevista:
Quais serão suas prioridades para o Meio Ambiente?
A defesa do Meio Ambiente é um valor inegociável. Essa é a orientação do presidente Jair Bolsonaro e assim será feito. É um ministério extremamente importante e deverá ter toda atenção da nossa parte. O ponto principal é assegurar para a sociedade não só aqui internamente, como internacionalmente, que o meio ambiente é prioridade e será muito bem cuidado por este governo.
O sr. assume em um momento de crescimento no desmatamento da Amazônia. Existe temor por parte de ambientalistas de um aumento ainda maior durante o governo Jair Bolsonaro. Como o sr. vê essa preocupação?
Eu acho que todas as ONGs, ambientalistas e organismos de conservação podem ficar absolutamente tranquilos porque, pela própria orientação do presidente Jair Bolsonaro, nós vamos atuar da maneira mais legalista e adequada para o tema. Ou seja: vamos cumprir a lei. Temos o Código Florestal, que é uma lei federal, que precisa ser cumprida. Quanto ao tema específico do aumento do desmatamento, também é algo que será verificado. Nós temos de levantar dados, informações mais específicas de onde e por que esse eventual desmatamento ocorreu para inclusive ter uma fotografia mais adequada do que está acontecendo. A informação é muito genérica, é importante detalhar.
O presidente eleito defendeu acabar com o que chama de indústria de multas do Ibama. Na sua opinião, o Ibama tem atuação política? O sr. vai propor alguma mudança?
Eu fui secretário do Meio Ambiente em São Paulo e também aqui foi preciso fazer uma verificação do devido processo legal, da observância do contraditório, da ampla defesa, que são garantias constitucionais que assistem a todos os brasileiros. O que verificamos aqui em São Paulo foi que, de fato, há uma precipitação em impor sanções. Muitas vezes, quando se debruça sobre os casos concretos para verificar se tudo está devidamente fundamentado e foi dado direito de defesa, se verifica que esse devido processo legal não foi observado. Essa é a nossa preocupação.
O Instituto Chico Mendes de Preservação da Biodiversidade (ICMBio) será mesmo fundido com o Ibama?
Isso tudo está sendo estudado pelo grupo de transição que está fazendo um trabalho muito técnico, bem estruturado. No momento, estamos fazendo o levantamento de todos os dados para tomar a decisão mais adequada possível.
Nos últimos anos, o Ibama sofreu cortes de orçamentos, que chegaram a prejudicar a atuação de fiscais, sobretudo na repressão à indústria madeireira. O que se pode esperar na sua gestão?
Quando fui secretário do Meio Ambiente em São Paulo, sofremos o pior momento em termos de orçamento da história do Estado, por conta da crise econômica. E ainda assim, a despeito da arrecadação, conseguimos o melhor resultado em termos de preservação ambiental da história da secretaria. Isso demonstra como a administração dos recursos e a dedicação à gestão colaboram para a defesa do meio ambiente de maneira efetiva. Vamos informatizar tudo e fazer uma gestão eficiente e transparente.
Quando o sr. era secretário do Meio Ambiente, o sr. sempre defendeu o combate à ideologização. O que isso significa exatamente?
Nós vivemos em um estado democrático de direito em que as relações entre o poder público e setor privado são pautadas pela lei e pela Constituição e, portanto, não cabe a nenhum agente público adotar o processo sancionatório com base em opiniões. As decisões adotadas têm de ser sempre pautadas na lei, no regulamento, no devido processo legal. É essa a posição adotada pelo presidente: de que nós deixemos as discussões ideológicas de lado e tenhamos discussões técnicas, fundamentadas em números, em questões concretas.
O governo brasileiro desistiu de sediar a Cúpula do Clima, Cop 25, em 2019. O sr. acha que essa decisão ainda pode ser revista?
Esse é um assunto sobre o qual ainda não conversei com o presidente. Portanto, eu me reservo aqui a posição de não confirmar nem negar.
Em entrevista neste domingo ao Estadão/Broadcast, o sr. disse que o seu papel à frente do Ministério será o de defender o Meio Ambiente e respeitar o setor produtivo. A sua indicação, porém, foi apoiada pela Sociedade Rural Brasileira. Essa sinergia com o setor rural já é interpretada por alguns como a perda de poder para o agronegócio. Como o sr. responde a essa crítica?
Infelizmente, durante anos se contrapôs no Brasil, por uma questão dogmática e ideológica, o meio ambiente com diversos setores produtivos. Não me refiro exclusivamente à agropecuária, mas a todos: ao setor imobiliário, à indústria, ao comércio. Estamos falando de setores importantíssimos para a geração de emprego, de renda, do desenvolvimento. O não desenvolvimento econômico gera consequências inclusive para o meio ambiente. Nós vimos isso aqui em São Paulo, como a falta de desenvolvimento econômico causou abandono do saneamento, do cuidado com os rios, a invasão de propriedade, a degradação dessas propriedades... O que a gente precisa fazer? A palavra é harmonizar a defesa do meio ambiente com o apoio ao desenvolvimento econômico em todos os setores produtivos, sem discriminar nenhum deles.
Após a polêmica sobre a fusão de ministérios, a avaliação foi de que Bolsonaro queria reduzir o Meio Ambiente a um apêndice da Agricultura. O que o sr. acha disso?
Não é verdade. A decisão do presidente - e ele tem toda razão nisso - é de que haja harmonia, integração, diálogo entre todos os setores, sobretudo agricultura com meio ambiente. Foi um setor muito perseguido por órgãos ambientais em administrações passadas. Essa perseguição ideológica não é saudável para ninguém: nem para a Agricultura e tampouco para o Meio Ambiente.
Mas dá para assegurar que não haverá perseguição?
Não haverá. Ao contrário. Haverá harmonia entre o meio ambiente e todos os setores produtivos. Eles têm de trabalhar em estrita parceria, não só com agricultura, mas com setores relativos à parte da indústria, construção civil, moradia...
O sr. é réu na Justiça por improbidade administrativa, acusado de ter alterado ilegalmente o plano de manejo de uma área de proteção ambiental do Tietê. Isso não o constrange?
Em absoluto. As medidas que nós tomamos para adequar o plano de manejo da Área de Proteção Ambiental da Várzea do Tietê eram necessárias justamente porque naquele caso as posições adotadas foram muito mais ideológicas do que técnicas. Com razão, vários setores, como prefeituras, indústrias, o comércio, habitação, indicaram que havia efetivamente erros muito sérios nesse plano de manejo e que precisavam ser corrigidos. O que nós fizemos, portanto, foi exatamente colocar a questão técnica acima da questão ideológica. Foi isso que aconteceu.
O sr. é um dos criadores do movimento Endireita Brasil e, em recente post no Twitter, disse que o governo é sempre problema, jamais é solução. O que quis dizer com isso?
Que nós precisamos diminuir o peso do Estado sobre o cidadão. Toda vez que o Estado fica inchado demais, pesado demais, você inibe a atividade econômica e atrapalha a vida dos brasileiros, tanto dos empreendedores das mais diversas áreas quanto daquele que dependem do mercado de trabalho.
A sua entrada na equipe pode ser entendida como apoio do partido Novo, ao qual o sr. é filiado, ao governo Bolsonaro?
Eu sou do partido Novo, mas a minha escolha foi uma escolha pessoal do presidente da República. Não tem nenhuma relação político-partidária (O Estado de S.Paulo, 10/12/18)
O ex-secretário de Meio Ambiente de Geraldo Alckmin é réu na Justiça paulista e o 22º ministro do futuro governo.
O presidente eleito, Jair Bolsonaro, anunciou pelo Twitter neste domingo, 9, o advogado Ricardo Salles (Foto) como ministro do Meio Ambiente de seu futuro gabinete. Último nome a ser escolhido para o ministério, Salles, de 43 anos, foi secretário estadual do Meio Ambiente do governo de Geraldo Alckmin, entre julho de 2016 e agosto de 2017, e é réu na Justiça de São Paulo por alterações no plano de manejo de área de proteção do Rio Tietê.
O advogado é um dos criadores do Movimento Endireita Brasil (MEB) e concorreu a deputado federal pelo NOVO nas eleições de 2018, mas não se elegeu. Também foi diretor da Sociedade Rural Brasileira (SRB), entidade em permanente atrito com os círculos ambientalistas. Salles também tentou se eleger, pelo então PP, hoje chamado Progressistas, a deputado estadual em 2010. Não obteve os votos necessários.
Em novembro de 2017, Salles foi denunciado pelo Ministério Público de São Paulo por prática de improbidade administrativa. De acordo com o MP, ele teria modificado mapas de zoneamento do Plano de Manejo da Área de Proteção Ambiental (APA) da Várzea do Rio Tietê para beneficiar empresas. Ele também foi investigado pelo MP estadual por intermediar processos administrativos , supostamente ilícitos, na Junta Comercial de São Paulo.
Para a revista Globo Rural, Salles disse que obteve duas liminares na Justiça em seu favor. Ele insistiu ter agido corretamente ao ter adotado medidas necessearias no plano de manejo da APA.
Sua nomeação vinha sendo defendida pelas entidades ruralistas, entre as quais a SRB. Mas foi duramente criticada pelo Observatório do Clima, uma coalizão de organizações dedicadas às questões ambientais e de mudança do clima, em nota publicada em seu portal. Para o Observatório, o presidente eleito e o futuro ministro da Justiça, Sérgio Moro, “ciosos de um gabinete de probos, precisarão explicar a seus eleitores” a escolha de Salles.
“Ao nomeá-lo, Bolsonaro faz exatamente o que prometeu na campanha e o que planejou desde o início: subordinar o Ministério do Meio Ambiente ao Ministério da Agricultura. Se por um lado contorna o desgaste que poderia ter com a extinção formal da pasta, por outro garante que o MMA deixará de ser, pela primeira vez desde sua criação, em 1992, uma estrutura independente na Esplanada”, afirmou.
“Seu ministro será um ajudante de ordens da ministra da Agricultura. O ruralismo ideológico, assim, compromete o agronegócio moderno – que vai pagar o preço quando mercados se fecharem para nossas commodities.”
Esplanada
Durante sua campanha, o presidente eleito afirmou que cortaria o número de pastas a 15, “no máximo”. Não cumpriu: Salles é o 22º ministro anunciado. Após discussões sobre uma possível fusão entre os ministérios da Agricultura e do Meio Ambiente, rejeitada tanto ambientalistas quanto por setores do agronegócio — desagradou de Gisele Bundchen a Blairo Maggi –, o pesselista passou a procurar um nome que não fosse, em suas palavras, “xiita”. Xico Graziano, agrônomo e ex-deputado pelo PSDB, e o diretor da Embrapa Evaristo de Miranda foram alguns dos nomes cogitados.
Desafios
Comandando a pasta, Ricardo Salles terá inúmeros desafios, especialmente o crescente desmatamento da Amazônia. Levantamento do governo divulgado em 24 de novembro mostrou que no último ano, 7.900 quilômetros quadrados de floresta amazônica foram destruídos. O aumento foi de 13,7%, em apenas um ano.
Na ocasião, os estados que apresentaram os índices mais elevados de desmatamento foram: Pará, Mato Grosso, Rondônia e Amazonas.
O futuro ministro terá igualmente de lidar coma já anunciada decisão do governo brasileiro, por ordem antecipada de Bolsonaro, de não mais sediar a Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática de 2018, a COP-25. O presidente eleito já defendeu a retirada do Brasil do Acordo de Paris, o conjunto de compromissos assinado em 2016 para evitar que a temperatura do planeta suba mais de 2 graus Celsius até o final do século, em relação ao nível da era pré-industrial. O Brasil destacou-se na elaboração desse texto (Veja.com, 9/12/18)