De balança virtual a drone pulverizador, as inovações das startups do agro
Legenda: Sistema utiliza câmeras de alta definição, ciência de dados e visão computacional para pesagem do rebanho
Empresas iniciantes trazem novas ideias e mais oxigênio para o campo.
‘Balança’ virtual que pesa o gado solto no pasto; bebidas saudáveis e super alimentos retirados de vegetais; sensores que aplicam o defensivo somente na planta; drones calibrados para pulverizar biodefensivos; leveduras personalizadas e sistemas que investigam o DNA de micróbios. Essas novas tecnologias, que prometem revolucionar o agronegócio brasileiro, foram desenvolvidas por seis startups de várias regiões do Brasil que foram apresentadas neste mês ao mercado e investidores.Elas fazem parte de um grupo de 20 finalistas do programa Pontes para a Inovação, da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).
Para o secretário de inovação e negócios da Embrapa, Daniel Trento, as empresas iniciantes trazem novas ideias e mais oxigênio para o agronegócio brasileiro. A expectativa é de que recebam suporte financeiro de investidores para o crescimento do negócio em seus segmentos. Muitas soluções para os problemas do campo estão ligadas à atuação desses empreendedores, em sua maioria, jovens com sólida formação acadêmica, alguns deles mestres e doutores.
OLHO ELETRÔNICO PESA A BOIADA NO PASTO
Sistema utiliza câmeras de alta definição, ciência de dados e visão computacional para pesagem do rebanho
O olho do dono engorda o boi, diz um antigo ditado dos fazendeiros. Os empreendedores da startup Olho do Dono, do Espírito Santo, resolveram levar o provérbio ao pé da letra e criaram um olho eletrônico para ver o peso dos animais no pasto. O sistema utiliza câmeras de alta definição, ciência de dados e visão computacional para extrair mais de 500 variáveis do boi e fazer a pesagem do rebanho. Se antes o fazendeiro precisava de todo aquele aparato de curral, equipamentos de contenção e balanças, mais o contingente de peões para tocar e recolher o gado, agora basta que os bois passem na frente da câmera para o peso ser calculado.
O presidente da Olho do Dono, Pedro Mannato, que é mestre de ciência da computação, aponta as vantagens do sistema. “Pesar o gado é um problema para o pecuarista. Ele precisa de um número grande de peões para tocar os bois até o curral e fazer com que os animais passem pela balança. Isso gera stress, perda de peso e eventuais danos físicos no gado. Com nossa tecnologia, basta posicionar a câmera em algum ponto de passagem do rebanho e deixar o sistema trabalhando”, disse.
As imagens do gado são analisadas em um notebook, ali mesmo, no pasto, ou no escritório da fazenda. “Se na balança comercial demora quatro horas para pesar 200 animais, com cinco vaqueiros em média, com o Olho do Dono os mesmos animais são filmados em dez minutos no pasto, com dois ou três peões. Depois é só levar para o computador e o sistema processa as informações.”
Segundo Pedro Mannato, tecnologia permite identificar animais doentes e verificar a eficiência da alimentação
Os equipamentos são portáteis e toda a tecnologia cabe em uma mochila. As câmeras produzem imagens tridimensionais, possibilitando uma visualização precisa da carcaça. “O pecuarista pode planejar a lotação do pasto e, acompanhando a evolução do peso do rebanho, vender o gado na hora certa. Pela análise das imagens em 3D, é possível identificar animais doentes e verificar a eficiência da alimentação, entrando com suplementos, se necessário. Também dá para identificar as linhas genéticas com melhor ganho de peso.”
Mannato conta que foram pesados 25 mil animais da forma tradicional em fazendas de dez estados para confrontar com o sistema da Olho do Dono. “Foi fundamental a colaboração dos pecuaristas, veterinários e zootecnistas com nosso trabalho”, disse. Em um País com o maior rebanho bovino comercial do mundo, a Olho do Dono coleciona prêmios. Por três vezes consecutivas foi escolhida a melhor startup agro do Brasil e, em 2018, venceu o 1.o TechCrunch Startup da América Latina, e, por isso, foi apresentar e demonstrar o produto noVale do Silício. Também foi premiada na La Rural, a feira pecuária mais tradicional da Argentina, e foi uma das dez startups agro do mundo selecionadas para a feira de internacional de Abu Dhabi.
O presidente da startup lembra que a ideia surgiu ao ser procurado por um amigo que fazia consultoria financeira para uma grande fazenda do Mato Grosso e não conseguia saber quanto gado tinha, muito menos o peso do rebanho. Quando ele explicou as dificuldades para pesagem em balança digital, surgiu a ideia de usar a câmera 3D e outras tecnologias para fazer a pesagem. A equipe da Olho do Dono inclui doutores e mestres em visão computacional, ciência de dados e inteligência artificial. O responsável pela parte comercial, no entanto, é um pecuarista de terceira geração e há também técnicos com vivência no dia a dia do campo.
SUPER ALIMENTO E BEBIDA SAUDÁVEL DIRETO DA NATUREZA
Rodrigo Devoto, criador da “Da Natu”, que produz bebidas saudáveis e frescas, prensadas a frio
Amigos de longa data, o arquiteto Rodrigo Devoto e o administrador Vinicius Henrique Costa praticavam esportes e, adeptos desde muito jovens da alimentação saudável, tinham dificuldade em encontrar os chamados healthy fresh foods. “A gente procurava por esses produtos e só achava aquele suco de caixinha pasteurizado, que não tem nutriente nenhum, pois a pasteurização degrada os nutrientes”, conta Devoto. Percebendo a lacuna, os dois amigos fizeram um estudo de mercado e, em 2016, resolveram criar a Da Natu.
Com sede na capital paulista, a startup desenvolveu linhas de bebidas saudáveis, detox e os chamados super alimentos que atendem, não só o crescente mercado vegano, mas esportistas e um contingente cada vez maior de pessoas adeptas da alimentação saudável. A startup mantém parceria com produtores certificados de alimentos para se abastecer de ervas, frutas, legumes e outros vegetais. Com isso, acaba incentivando a produção de ingredientes inusitados, como pimenta caiena e cúrcuma, o que melhora a renda de pequenos produtores.
Os dois sócios importaram um equipamento de prensagem a frio para preservar a qualidade dos ingredientes – um dos diferenciais da startup - e produzem tudo no dia da entrega. “Prensando a frio, conservamos maior quantidade de nutrientes, como as vitaminas e minerais e conseguimos preservar todos os nutrientes por até quatro dias sem nenhum tipo de aditivo químico ou processo que estenda a validade dos produtos. Trabalhamos durante a madrugada para levar ao consumidor produtos fresquinhos quando o dia ainda está nascendo”, afirma Devoto. Os produtos são registrados no Ministério da Agricultura.
A produção é acompanhada por engenheiro de alimentos e equipe de nutricionistas. “Nosso intuito é facilitar e incentivar o consumo de produtos naturais, sem conservantes e aditivos artificiais, de forma prática e sustentável. A gente costuma dizer que é a natureza dentro do nosso frasco. São sucos frescos, produzidos no dia da entrega, ricos em nutrientes, com super alimentos, sem adição de açúcar e de água”, detalha Costa.
Ele explica que são alimentos com alto valor nutritivo, contendo substâncias que ajudam a prevenir diversos problemas de saúde, devido à alta concentração de fibras, proteínas, vitaminas, minerais, antioxidantes e anti-inflamatórios. O Shot Thermo, por exemplo, reúne no mesmo frasco suco de limão, gengibre, pimenta caiena e carvão ativado. “É um energético natural, acelera o metabolismo e ajuda a remover as toxinas.”
A Kombucha, outro produto da linha, é uma bebida milenar, feita a partir da fermentação controlada de um chá, que libera qualidades probióticas – organismos compatíveis com a flora intestinal -, enzimas que auxiliam a digestão, além de vitaminas. As embalagens são outro diferencial da Da Natu, já que são livres de BPA (Bisfenol A, composto dos plásticos rígidos e transparentes, apontado como prejudicial à saúde) e de dimensões reduzidas, a partir de 300 ml.
Os amigos estão animados com o bom desempenho do negócio. “A gente percebia que o mercado era promissor, pois lá fora o healthy fresh food já é uma realidade, mas aqui ainda não faz parte da cultura do brasileiro e ainda é algo relativamente novo. Estamos crescendo.”
LUGAR DE DEFENSIVO É SÓ NA PLANTA
Pulverizador equipado com o Save Farm, sistema de sensores que direciona o jato apenas para as plantas vivas, proporcionando economia de defensivos e ganho ambiental
A Eirene Solutions, de Porto Alegre (RS), criou um sistema de câmeras e sensores que, instalado na barra de pulverização, enxerga onde está a planta e aplica o defensivo somente nela. A ‘visão computacional’ do Save Farm, nome dado à inovação, permite uma economia de até 50% na aplicação de defensivos e, consequentemente, redução do impacto ambiental. O sistema emite luz azul e infravermelha e utiliza câmeras de alta resolução apontadas para o solo para reconhecer as plantas e liberar o jato de pulverização. Quando detecta plantas mortas e os vazios no terreno, interrompe automaticamente a aplicação.
Conforme o engenheiro elétrico Gabriel Borges, um dos empreendedores, numa cultura de soja, por exemplo, os defensivos representam 44% dos gastos, mas há um desperdício equivalente a R$ 416 por hectare quando a pulverização acontece no terreno todo. “Com o Save Farm, esse desperdício é zero, pois a aplicação é feita somente sobre a planta.” Ele explica que o sistema pode ser instalado em qualquer pulverizador existente no mercado e se paga em até dois anos, dependendo da cultura. “Existem tecnologias similares que são estrangeiras, mas, nosso diferencial são as câmeras que permitem a identificação de pragas.”
O sócio fundador e CEO da Eirene, Eduardo Marckmann, conta que o Save Farm já é um produto comercial e tem sua versão 1.0 operando em fazendas do sul do país. “Estamos trabalhando em novas funcionalidades, como mapas para análise e pós-processamento de imagens, para diagnóstico de pragas, infestações e índices de qualidade da lavoura que serão disponibilizadas na versão 2.0”, disse. A análise de massa verde, um dos atributos do sistema, permite prever o volume da produção. A empresa desenvolveu também um robô pulverizador – o Eirobot -, mas Eduardo lembra que esse projeto ainda precisa de algumas rodadas de investimentos para se tornar comercial.
A Eirene Solutions está localizada no Parque Científico e Tecnológico da PUC/RS, em Porto Alegre. A ideia da empresa surgiu da paixão de Marckmann por temas relacionados ao agronegócio e sustentabilidade. “Iniciamos as atividades em 2010, visando à prestação de serviços em consultoria empresarial. Quatro anos depois, reformulamos o quadro societário e funcional para captar profissionais com experiência no setor agrícola e novas tecnologias, focando no desenvolvimento de produtos inovadores para a agricultura”, disse. Os sete empreendedores atuais têm graduação superior e três têm títulos de mestrado.
UM “SHERLOCK HOLMES” QUE DESVENDA O DNA DOS MICRÓBIOS
Sala-laboratório da Neoprospecta em Florianópolis
A empresa de biotecnologia Neoprospecta, de Florianópolis, faz o papel de um Sherlock Holmes para a indústria farmacêutica e de alimentos, descobrindo e identificando os micro-organismos capazes de gerar contaminações e perdas. Com soluções inovadoras, como o sequenciamento do DNA dos micróbios, a startup consegue mapear os pontos críticos e prever os riscos de contaminação. Conforme Luiz Fernando Oliveira, um dos fundadores e atualmente CEO da empresa, a ferramenta reduz até 28% o volume de material descartado pela indústria.
O foco da Neoprospecta é o controle de qualidade, através da redução dos riscos de contaminação microbiológica, segundo Oliveira. “A partir de um stack (empilhamento) de tecnologias como sequenciamento de DNA, biológica computacional e inteligência artificial, nós geramos conhecimento para a tomada de decisões. Com nossa plataforma, chamada Neobiome, ajudamos empresas a evoluírem para a qualidade 4.0.” A startup tem entre seus clientes gigantes como Coca-Cola, MSF, Frenesius, Marfrig e Nestlé.
O CEO lembra que os micro-organismos são onipresentes no ambiente e podem interferir de forma boa ou ruim em algum processo. “Com o sequenciamento do DNA, conseguimos acessar a informação mais íntima desses micro-organismos e seus comportamentos e quais os possíveis impactos nos produtos e processos. Assim, podemos rastrear a origem de uma contaminação, predizer os riscos e aumentar o shelf-life (tempo de vida em prateleira) dos produtos. Costumo dizer que possuímos um banco de informações de micro-organismos para gerar inteligência para indústrias e tornar as decisões mais eficientes.”
STARTUP APOSTA EM LEVEDURAS PERSONALIZADAS
Leveduras são fornecidas como commodity, com pouca variedade para uma infinidade de produtos e processos
A startup foi criada em setembro de 2018 com o propósito de ajudar as indústrias a reduzirem custos e agregarem valor aos produtos e processos, como explica o sócio Gleidson Teixeira. “Sabemos que cada estilo de cerveja requer uma levedura especial para alcançar boa aparência, aromas e sabores apropriados. Isso nos levou a oferecer levedura como especialidade e não como um ingrediente qualquer.”
Conforme Teixeira, em muitos casos as leveduras são fornecidas como commodity, havendo pouquíssima variedade para uma infinidade de produtos e processos. “As indústrias frequentemente tratam a levedura como mais um ingrediente e isso resulta em um subaproveitamento do potencial biotecnológico desse produto, gerando uma grande oportunidade de criar e capturar valor com a personalização. É o que estamos fazendo.”
Outro importante mercado para a startup é o nutrição animal, onde leveduras vivas e seus subprodutos atuam como probióticos e prebióticos, respectivamente, como explica Osmar Netto, outro sócio da empresa. “Administrando leveduras vivas melhores adaptadas ao trato digestivo de diferentes animais, como gado, suínos, aves e pets, garante-se maior eficiência na recomposição e equilíbrio da microbiota benéfica.” Segundo ele, leveduras desenvolvidas sob demanda para conterem quantidade desejada de certos componentes proporcionam aos animais maiores benefícios funcionais, associados à melhoria da imunidade, redução da taxa de mortalidade, aumento da conversão alimentar e ganho de peso corporal.
Os três sócios dedicam-se exclusivamente à startup. Teixeira e Netto são doutores em genética, atuaram juntos por oito anos em P&D na indústria e como pesquisadores na universidade. Eles desenvolveram vários protótipos de leveduras comerciais, além de métodos que são atualmente utilizados na construção dos produtos da BioinFood. Já Gabriel Galembeck é engenheiro de alimentos e mestre cervejeiro, possuindo experiência no desenvolvimento de bebidas. Ele atuou por vinte anos na Ambev/Inbev – dez como diretor de P&D -, coordenou cerca de 400 projetos e lançou 40 novas bebidas.
DRONES AVANÇAM NA APLICAÇÃO DE DEFENSIVOS BIOLÓGICOS
Os sócios diretores da Bird Views, Ricardo Machado e Nicholas Matias (com barba).A empresa desenvolveu sistema de pulverização de biodefensivos com o uso de drones
A Bird View, de Botucatu, desenvolveu uma linha de implementos agrícolas com tecnologia adaptável aos drones para a aplicação de insumos biológicos em larga escala e baixo custo na agricultura orgânica. Esse nicho de mercado, segundo Nicholas Matias, um dos sócios, era pouco ou quase nada explorado. “A aplicação de biodefensivos até pode ser feita com aviões, porém, devido à velocidade das aeronaves convencionais, o choque aerodinâmico no momento da liberação acaba inviabilizando uma boa parte do produto biológico”, disse.
Com os drones e a equipe treinada com a tecnologia da Bird View, é possível ter um rendimento diário de 700 a 1,5 mil hectares, dependendo da disposição das lavouras na área a ser pulverizada. “No caso de grandes áreas contíguas, conseguimos fazer 2.500 hectares por dia, voando com múltiplos drones simultaneamente”, afirma. Entre os clientes da startup estão produtores de cana-de-açúcar e empresas com grandes extensões de florestas plantadas.
Matias diz que a principal vantagem do uso de drones, aliados aos sistemas desenvolvidos pela Bird View (Vista de Pássaro, na tradução livre), está na agilidade de mobilização, já que o drone decola de qualquer lugar, e a alta produtividade, permitindo aplicar o biodefensivo no estágio correto do ciclo de vida da praga. “Outras vantagens incluem nossos aplicadores, com patente requerida, que são altamente precisos e causam danos mínimos ao produto durante a aplicação. Como operamos em escala, podemos entregar maior qualidade com menor custo para o produtor”, completou o sócio Ricardo Machado.
Engenheiro ambiental pela Universidade de Edimburgo, na Escócia, com MBA pela Esalq/Usp, Machado tem experiência em mitigação de danos ambientais em operações de perfuração. Matias é graduado em modelagem e design pelo InsInstituto das Artes de Bournemouth, na Inglaterra, e tem expertise em desenvolvimento e construção de elementos mecatrônicos. Os dois amigos viram a oportunidade de usar a tecnologia dos drones na agricultura e criaram a empresa em 2014. No ano seguinte, focaram o nicho da aplicação de biológicos com os aviõezinhos não tripulados (O Estado de S.Paulo, 29/3/20)