04/07/2022

Debate sobre agricultura regenerativa ganha mais peso

Legenda: Setor agropecuário se preocupa em emitir menos carbono para a atmosfera; agricultura regenerativa pode ajudar.  Foto: Rafael Arbex/Estadão

 agricultura regenerativa  Foto Rafael Arbex Estadão

 Conceito da agricultura regenerativa - técnicas que em última análise se voltam para a biologia e o mundo natural do que para a tecnologia e mecanização - surgiu nos anos 1980 nos Estados Unidos.

Com a preocupação do setor agropecuário em aumentar a produtividade e emitir menos carbono para a atmosfera – o que também impacta, no caso do Brasil, menos necessidade de desmatar os ecossistemas naturais – a chamada agricultura regenerativa ganha cada vez mais peso.

O que significa, por exemplo, que o mercado de produtos biológicos vai ter cada vez mais mercado. Hoje, existe um aumento no uso de bactérias fixadoras de nitrogênio nos solos por parte dos produtores, por exemplo. O que significa menor necessidade de aplicação de fertilizantes nitrogenados. Estimativas dão conta que mais de 30 milhões de hectares, no Brasil, são explorados com o uso de produtos biológicos. 

O conceito da agricultura regenerativa – técnicas que em última análise se voltam para a biologia e o mundo natural do que para a tecnologia e mecanização – surgiu nos anos 1980 nos Estados Unidos

O pesquisador Robert Rodale é considerado um dos pais dessas práticas. Ao propor estratégias que visam associar a saúde do solo ao bem estar humano.

Como avalia Roberto Rodrigues, coordenador do Centro de Agronegócios da Fundação Getúlio Vargas, em um texto para o Estadão publicado em abril de 2021, “a agricultura regenerativa, no limite, pode ser vista como um agente de paz, pelo aumento da oferta de alimentos, e de saúde, pela melhoria da microbiologia do solo”.

Em texto publicado em 2021, Osvaldo Viu Serrano, da Faculdade de Engenharia Agrícola (Feagri), da Unicamp, afirma que principal causa da degradação das pastagens é o manejo incorreto, que mantém taxa de lotação animal maior que a capacidade de suporte.

Para ele, “é fundamental a implementação de sistemas pecuários mais sustentáveis, com pastagens produtivas, bem manejadas, em consórcio com espécies arbóreas, arbustos leguminosos e integrados à lavoura”. “Há aí enorme potencial de melhoria dos atributos físicos do solo, sequestro de carbono, e aumento da produtividade vegetal e animal”, escreveu.

Atualmente, nenhum especialista no assunto afirma que as práticas mais sustentáveis vão substituir o uso dos insumos convencionais, como os agroquímicos e os fertilizantes. Mas quanto mais a agricultura regenerativa avançar, avaliam as empresas do setor, melhor será para os negócios e para o planeta (O Estado de S.Paulo, 3/7/22)


Mercado regulado de carbono no Brasil ainda sofre com percalços

Legenda: Plantação de eucaliptos nas nascentes do Rio Jaguari, em Minas Gerais: metas para captura de carbono precisam ser cumpridas.  Foto: Tiago Queiroz/Estadão

 

Com negócios ainda em ritmo lento, País fica sem condições de cumprir acordos internacionais sobre o clima.

No Brasil, enquanto o mercado voluntário de carbono avança, o regulado patina. O que, no mundo real, faz com que o Brasil fique sem condições de cumprir com os acordos internacionais de clima e, principalmente, deixe de ser uma potência ambiental, no sentido de não colaborar plenamente com o combate às mudanças climáticas globais. “O mercado organizado é muito importante para nós. O potencial que ele apresenta é muito grande”, afirmou Marina Grossi, presidente do Cebds (Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável), no Summit ESG do Estadão. A organização sem fins lucrativos reúne mais de 80 grupos empresariais com atuação no Brasil, responsáveis por 47% do PIB brasileiro e 1,1 milhão de empregos.

O Conselho está desde 2017, ao lado de entidades como a Febraban, articulado um projeto de lei, o PL 528, para que o Brasil tenha, enfim, um mercado regulado de carbono como vários outros países e blocos regionais têm. Mas o assunto está travado no Congresso. Para embaralhar mais a situação política da regulação, o governo federal publicou em maio o decreto 11.025 que também visa regular o mesmo tema, apesar de apresentar vários problemas técnicos, segundo os especialistas.

“É uma discussão que está atrasada, mas é importante termos um mercado regulado”, afirmou durante o Summit Plínio Ribeiro, CEO da Biofílica Ambipar Environment, empresa líder no Brasil no desenvolvimento de projetos que se apoiam nos serviços ecossistêmicos das florestas, principalmente a amazônica, para financiar a restauração e a proteção ambiental. Apesar de concordar que os mercados regulado e voluntário são complementares, o executivo aposta no segundo como o sistema que poderá ser mais atrativo para a realidade brasileira. 

Negociações

No caso do mercado voluntário, como o próprio nome diz, os negócios são feitos de forma voluntária entre as empresas, que podem ser até de países diferentes. Uma precisa comprar créditos de carbono, porque polui além das metas que ela precisa cumprir, e a outra, grosso modo, tem direitos para vender, porque tem feito ações para sequestrar carbono e fixá-los no solo, no caso de projetos voltados para o uso da terra – e muitos deles estão em curso no Brasil. Segundo Plínio, apesar do nome, o mercado voluntário, hoje, segue regras, certificações e balizamentos de preços internacionais. 

“No mercado regulado, os critérios são mais exigentes e uniformes para que os créditos de carbono, a serem comercializados, possam ser gerados”, afirmou Ronaldo Seroa da Motta, professor de economia ambiental da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), no evento do Estadão. De acordo com o especialista, o mercado regulado é fundamental para o Brasil manter o esforço de ser uma economia de baixo carbono. Por isso, a tramitação do PL 528, que Seroa da Motta ajudou a escrever, é essencial. “É a aprovação desse projeto de lei que vai dar o salto que o Brasil precisa. O decreto não vai nessa direção”, afirmou. 

Não se pode mais postergar corte nas emissões 

Independentemente de qual sistema é o melhor e deve ser ou não privilegiado, executivos e especialistas no tema são unânimes em um ponto. O momento de reduzir as emissões, e de implementar na prática ferramentas para que isso ocorra, é hoje. E não mais no futuro, seja no médio ou no longo prazo. 

Por isso, segundo o CEO da Biofílica, Plínio Ribeiro, o dinamismo e o fluxo de recursos financeiros de países desenvolvidos para os em desenvolvimento criado pelo chamado mercado voluntário é que precisa de mais ênfase. “Claro que a qualidade dos projetos – e aqueles que são ruins caem por terra rapidamente porque a sociedade está mais atenta a tudo isso – é fundamental”, disse no Summit.

Na visão do CEO da Biofílica, inclusive, no futuro, a tendência é que os mercados voluntários, hoje mais fragmentados pelo mundo, se fundam, como já vem ocorrendo em alguns locais. Após negociações de anos, o mercado suíço se juntou ao europeu. “O Canadá, hoje, está junto com o da Califórnia.”

No começo do ano passado, a Suprema Corte do Canadá manteve um imposto nacional sobre o carbono, um componente fundamental do plano climático do país, que encontra resistência de várias províncias. 

Para entender: Como funciona a venda e compra de carbono

Mercado regulado   

São definidos por meio de lei seja por entes nacionais, estaduais ou regionais. Os governos costumam determinar como vai funcionar o jogo e quais setores específicos poderão jogar. Após essa definição, são criados os limites de emissão que, por exemplo, o setor de combustíveis fósseis poderá atingir. Na prática, são criadas permissões que são compradas e vendidas de forma fechada, dentro de cada mercado. 

Mercado voluntário 

A segunda opção é o mercado voluntário. Neste caso, as empresas que vão atrás de permissões para emitir estão fazendo isso de forma voluntária. Elas podem comprar os créditos de carbono, em tese, de outros países. A relação é apenas entre comprador e vendedor. Quem mais está correndo atrás disso são corporações que vêm sendo pressionadas, pelo opinião pública, para colaborar com as mudanças climáticas globais.

Acordo de Paris

O chamado artigo 6 do Acordo de Paris, grosso modo, estimula regras para que um mercado regulado internacional, entre países, seja implementado na prática. Na COP26, em Glasgow, no ano passado, avançou-se nesse debate. O artigo 6 do Acordo de Paris, depois de seis anos de debates acalorados, está regulamentado, mas ainda existem incertezas sobre o tema. Não há um prazo crível, ainda, para as regras passarem a valer para valer (O Estado de S.Paulo, 3/7/22)

 


Summit ESG: Boas práticas atuam contra risco sistêmico em empresas

Legenda: Luís Guedes, professor da FIA Business School; para ele, investir em ESG é 'diminuir o risco sistêmico da companhia'.  Foto: José Patrício/Estadão - 16/09/2016

 

Empresas assumem novas práticas após mudança do consumidor, hoje mais preocupado com questões sociais e ambientais.

O fato de as empresas estarem mudando, e englobando em seus planos estratégicos preocupações ambientais, sociais e de governança, o que vem sendo empacotado pela sociedade na sigla ESG, do inglês, pressupõe uma série de premissas. Uma das principais, segundo Luís Guedes, professor da FIA Business School, é que ninguém gosta de mudar, porque o cérebro humano não está muito ajustado para as incertezas. “As empresas têm mudado porque a sociedade está apresentando o anseio por questões ambientais e sociais”, disse o pesquisador durante o Summit ESG, promovido pelo Estadão, entre os dias 21 e 24 de junho.

Nesse processo existem duas engrenagens dentro das companhias que são vitais para se chegar ao outro lado do rio. “O pilar da governança é absolutamente fundamental. Nesse contexto, cabe ao CEO manejar corretamente o risco. Investir em ESG é diminuir o risco sistêmico da companhia”, explica o especialista com mais de 20 anos de experiência nas áreas de inovação e competitividade. “A questão é como interiorizar essas novas questões na cultura da empresa. Quem não fizer isso tende à irrelevância e, por consequência, não vai conseguir sobreviver”, afirma Guedes. 

Para o professor da FIA, se o CEO é quem deve lidar com essa nova cultura no dia a dia, cabe ao Conselho de Administração das companhias “hastear a bandeira do ESG dentro das empresas”. Isso porque, segundo Guedes, é uma instância que normalmente não apresenta um viés de curto prazo.

“Nós definimos há 16 anos que a jornada da sustentabilidade precisaria fazer parte, de forma importante, do dia a dia da Schneider”, afirmou Marcos Matias, CEO da Schneider Electric Brasil, no Summit. 

Lá no passado, um dos primeiros desafios, segundo o executivo, foi enfrentar um paradigma. Como uma empresa que vende produtos para o setor elétrico poderia falar em aumento da eficiência energética? Segundo Matias, ao longo dos anos, o engajamento dos colaboradores da empresa foi tão grande que o tema, hoje, está inserido no DNA do grupo. Tanto que a empresa tem metas estipuladas de curto, médio e longo prazo. “Todas as nossas linhas de produção serão carbono neutro até 2040. O que é dez anos antes do estipulado pelo Acordo de Paris”, afirmou Matias. “A Schneider não pode abandonar o seu negócio principal, mas tem também que investir no longo prazo”, sintetizou o executivo, que está desde 1989 no grupo.

Por mais que os planos estejam sobre a mesa, o desafio é diário, como afirmou Shigueo Watanabe Júnior, pesquisador sênior do Instituto Climainfo. “A pergunta que está sobre a mesa é: como os CEOs transformam em realidade um planejamento feito para quando, muito provavelmente, eles não estarão mais na empresa?”

Engajamento

Ranking divulgado pela Bolsa de Valores do Brasil (B3) no começo deste ano mostra um aumento do engajamento das empresas brasileiras listadas com a agenda ESG. O número de companhias na carteira passou de 40 em 2021 para 46 e a quantidade de setores foi de 15 para 27. De acordo com a B3, as companhias somam R$ 1,74 trilhão em valor de mercado, 38,26% do total das companhias com ações negociadas na B3.

'Centroavantes'

Nas palavras do físico Shigueo Watanabe Júnior, a questão do ESG, ao entrar no coração dos planos estratégicos das empresas, transformou os especialistas no tema dos principais grupos do país em centroavantes. “Antes, eles eram uma espécie de beque central. Ou seja, ficavam apenas evitando que as companhias infringissem alguma lei e tivessem que pagar multas. Agora, uma das questões é como vender créditos de carbono, por exemplo”, explicou pesquisador do Instituto Climainfo, no Summit do ESG do Estadão.

Apesar da evolução, ainda existem muitas incertezas sobre como e o que medir para se sustentar se o tema ESG está sendo devidamente tratado ou não dentro do setor privado. “A padronização é muito difícil e esse é um grande desafio”, afirmou Cristóvão Alves, sócio e diretor de Pesquisa e Avaliação ESG da Nint. O que não significa, entretanto, que existem metodologias amadurecendo para a geração de métricas ESG.

Um dos grandes problemas que precisam ser enfrentados, segundo Watanabe Júnior, é como lidar com as incertezas. “Até mesmo a ciência não tem certezas absolutas. Existe sempre uma margem de erro. E precisamos cada vez mais entender isso com clareza para, inclusive, conseguir ter métricas melhores para serem usadas”, disse o pesquisador do Climainfo.  

Sistema mede inclusão

“Quem não mede não gerencia”, afirmou no Summit ESG Wolf Kos, presidente do Instituto Olga Krosstartup criada em 2017, que acaba de desenvolver um sistema chancelado pelo Inmetro para monitorar o quanto uma empresa é inclusiva. A metodologia que engloba 20 indicadores e 37 requisitos de avaliação considera as diferenças de gênero, idade, deficiência, etnia, religião, nacionalidade e orientação sexual que existem dentro de uma corporação.

A ideia, segundo Kos, é para focar em quanto o setor privado está ou não avançando na questão social. “É uma escala que não visa punir ninguém, mas orientar”, explicou.

O desempenho nos diversos quesitos sociais, ou seja, o S, da sigla ESG, não apenas identificados e avaliados. O sistema, chamado Selo Olga Kos, também deve identificar as principais barreiras para que a inclusão social cresça em uma empresa.  

Perguntas & Respostas

O que é ESG? 

O termo ESG refere-se a ativos que, além de aspectos financeiros, consideram os impactos ambientais, sociais e de governança. O conceito foi criado como uma métrica para avaliar o desempenho das companhias e ao mesmo tempo obter dados mais comparativos com relação aos indicadores de cada pilar, considerando o que é material para o negócio de cada uma delas.

Por que os investimentos ESG ganharam maior importância?

Os investimentos ESG adquiriram maior relevância porque refletem quanto uma empresa está preparada para lidar com crises e impactos socioambientais. Especialistas explicam que companhias com práticas ESG, por exemplo, tiveram melhor desempenho na pandemia porque tendem a possuir pilares de governança mais fortes e cuidam bem dos próprios colaboradores, fatores que trazem estabilidade. Além disso, eles destacam a maior preocupação que surgiu com a desigualdade social durante a crise sanitária.

Como procurar investimentos ESG?

A dica dos especialistas é avaliar se a companhia em que se quer investir tem informações comprovadas de que segue práticas consolidadas. 

Como o ESG pode crescer no Brasil?

Apesar de o ESG ter ganhado importância no mercado, o Brasil precisa crescer mais no desenvolvimento dessas boas práticas, o que deve começar pelos gestores das companhias (O Estado de S.Paulo, 3/7/22)


Demanda por produto ‘limpo’ é mais uma exigência do consumidor 

Executivos dizem que boas práticas são condições que não podem ser mais desprezadas pelas empresas.

O consumidor está ansioso. E, até por isso, faz setores como os de energia e de automóveis se mexerem. Se de um lado empresas que apostam em energias renováveis estão crescendo mais do que a média dentro de seus setores, de outro, montadoras de carros se apressam para colocar um fim na venda de veículos movidos a combustíveis fósseis. O que deve ocorrer, se as promessas forem cumpridas, na próxima década.

“O consumidor quer (consumir energia limpa). Essa é uma demanda que está dada”, afirmou Claudio Ribeiro, CEO da 2W Energia, para quem as próprias companhias hoje, além de olhar para o longo prazo, devem assumir causas relacionadas com o bem-estar do planeta e das futuras gerações. “Temos de pensar nos filhos e netos”, afirmou o executivo no Summit ESG do Estadão

Não é apenas o consumo mais no sentido literal que está sendo impactado pelo cenário ESG e por uma vontade de que o mundo sobreviva às mudanças climáticas globais, o que só vai ocorrer se as emissões de carbono forem de fato reduzidas. A escolha por investimentos alinhados com boas práticas de governança, de proteção ao meio ambiente e de cuidado social também está crescendo, e bastante.

“O retorno a qualquer custo está ficando no passado. No nosso caso, nós olhamos tanto para o core da empresa. Ou seja, se ele responde a algum problema estrutural do país mas, também, para os processos ligados ao conceito ESG, que hoje são obrigatórios para qualquer empresa”, afirmou Luciana Ribeiro, sócia gestora da eB Capital.

Dentro do escopo da casa de investimento em private equity – as empresas que recebem financiamento são de porte médio, ao contrário do venture capital, que alavanca startups –, um setor que a empresa está investindo é o da educação profissionalizante, um gargalo importante no Brasil, segundo Luciana. “Estamos caminhando para termos uma geração mais pobre do que a dos próprios pais, por causa do alto desemprego registrado entre jovens de 14 e 24 anos.” Atacar esse problema, por meio dos investidores e das empresas interessadas em oferecer educação profissional é um ganha-ganha, disse Luciana.

Impacto

“O ESG pode ser resumido em como a empresa decide aplicar suas práticas, o que não pode ser confundido com o impacto do negócio, que é mais o que a empresa faz”, afirmou Livia Brando, diretora de venture capital da VOX Capital, no evento do Estadão. Para o grupo, está claro que os negócios que não ajudam o mundo a ser mais circular terão menos chances de sobreviver. Um dos exemplos, que além da temática em que a empresa atua também analisa ainda a relevância do mercado que ela está inserida, está no campo da alimentação do futuro. A Nude é uma startup voltada para o desenvolvimento de lácteos à base de aveia fundada pelo casal Alexander e Giovanna Appel (O Estado de S.Paulo, 3/7/22)


‘Economia circular é tema que ganha força’, diz Guilherme Brammer

Legenda: Guilherme Brammer, CEO da Boomera; Brammer diz que Brasil sempre foi 'um País muito reciclador’.  Foto: Wanezza Soares

 

Presidente da Boomera afirma que pandemia acelerou temas ligados ao ambiente.

Um entusiasta da ciência e da cooperação. Há pouco mais de dez anos, a Boomera – a junção com a Ambipar é mais recente, ocorreu há quase um ano – nasceu para ser praticamente um laboratório. Algo natural para o dono da ideia, o engenheiro de materiais Guilherme Brammer. Hoje, o foco é outro. Fazer com que a inovação na área da economia circular pare em pé e vire bons negócios.

“Lá em Davos consegui ver claramente algumas coisas. Economia circular, carbono e o tema social, por exemplo, ganharam muita força na pandemia. Muitos projetos nessa área estão saindo da gaveta”, afirma o CEO da Boomera Ambipar, em seu escritório até certo ponto inusitado: uma casa, com quintal e churrasqueira, em um bairro arborizado na zona sul de São Paulo, além dos limites do centro expandido da capital. 

O empresário esteve no tradicional Fórum Econômico no interior da Suíça, em maio, para receber um prêmio por seu trabalho como empreendedor social.

“Estamos em uma jornada. Não que os CEOs viraram todos verdes. É que o tema saiu das áreas de sustentabilidade das empresas e virou indicador de performance. É uma grande virada que está claramente ocorrendo e que vai dar velocidade ao tema da economia circular”, afirma o paulistano Brammer. Apesar dos avanços, como explica o executivo nesta entrevista ao Estadão, existem muitos gargalos que precisam ser vencidos, ainda mais levando em consideração a realidade essencialmente brasileira.

Na comparação com o resto do mundo, como você avalia o cenário da economia circular no Brasil?

Sempre fomos um País muito reciclador, mais por uma questão econômica do que ambiental. Nosso exército de catadores faz a vida por meio da coleta de resíduos. O que está ocorrendo lá fora e precisa vir para cá é a inovação de fato. Confundimos muito criatividade com inovação. Para que isso ocorra, e tenho aprendido muito conversando com muita gente, é preciso ter uma relação de confiança muito forte, algo que, infelizmente, o Brasil não tem. Não é nada científico, mas temos a percepção de que é difícil confiar no outro por tudo o que vivemos, como impunidade e corrupção. Quantas vezes já ouvi que aqui contrato de confidencialidade não vale nada. Ou algo na linha, não vou contar minha ideia para o cara porque de repente ele vai roubá-la e me passar para trás. Inovação só acontece quando o nível de confiança entre as partes é muito alto. Até por isso, o tema em Davos foi transformar por meio da confiança. 

No caso dos projetos de vocês, essa relação de confiança existe?

Uma boa ideia nunca nasce 100% pronta, mas nasce metade pronta. A outra metade você constrói com os seus parceiros. As cooperativas de catadores é que sabem triar o material, não eu. São elas que estão no campo, sem nenhuma estrutura, tentando fazer a coleta e ainda tentando tirar receita. Na hora de colocar as pessoas na mesa, precisa haver confiança e as pessoas já saberem onde vão ganhar. Não adianta aparecer na cooperativa, tirar uma fotinha e depois largar eles sozinhos. Essa relação de confiança vai ser o grande fator de sucesso para as inovações de economia circular e de crédito de carbono ganharem escala. 

Como se dão os processos com pessoas de fora de empresa?

Os nossos processos mais perenes são os que a gente senta e constrói de forma conjunta. Onde todos percebem que vai ser uma coisa no longo prazo e não momentânea.

O foco maior de vocês hoje está na reciclagem?

Estamos entrando muito antes disso, para evitar que o resíduo seja gerado. Claro que reciclar é melhor do que enterrar e queimar, mas a melhor opção, como estamos fazendo, é sentar e conversar antes de o produto ser lançado. Depois que o produto for malfeito ele vira um problema para a sociedade. O reciclar, nesse caso, pode ser talvez desfazer um design que talvez não tenha sido tão bem pensado. O melhor é o produto nascer já pensado na segunda vida, na facilidade de manutenção e de recolhimento. Assim, começa a criar circularidade no planeta. Se a empresa criar um produto ruim terá que investir mais na recuperação, o que vai tirar o resultado da empresa e, consequentemente, diminuir a performance, algo que o acionista não quer. Obviamente, temos fábricas de reciclagem e estamos dentro de um grande grupo, o da Ambipar, que gerencia muito resíduo no mundo. 

Qual é a função exata da Boomera?

A Boomera tem a função de transformar o plástico dentro do próprio grupo, mas a área de serviço da Boomera está participando de muito projeto assim: olha, vou lançar um produto e queria sua opinião técnica sobre isso. Faz sentido fazer dessa forma ou não? No Brasil, ainda estamos muito mais focados em reciclagem mecânica do que na química. Ou seja, ainda estamos mitigando o erro de design dos produtos. Esse é o primeiro passo da economia circular. Temos um projeto com a Dow Química que envolve 300 cooperativas na base, que fazem a triagem e pagamos um preço justo de mercado pelo plástico coletado. Na fábrica, fazemos o tratamento do polímero e o transformamos em uma resina de alta performance industrial de alta escala. Dessa forma, começamos a mexer a régua, afinal, são centenas de toneladas anuais que deixam de ir para os aterros. De novo, é apenas uma mitigação do problema (O Estado de S.Paulo, 3/7/22)


Preocupação com ESG exige formação dos executivos

Legenda: Ricardo Carvalho, da CBA; para executivo, é preciso ter 'um caminho bem traçado’.  Foto: JF Diorio/Estadao - 02/06/2016

 

Para continuar no jogo, lideranças terão de, cada vez mais, se dedicar e estabelecer metas a serem perseguidas.

A questão não é mais se os CEOs estão ou não preparados para um mundo em que os impactos positivos no setor ambiental, social e de governança serão cada vez mais cobrados pela sociedade, investidores e acionistas. Os altos executivos vão ter de se preparar, sob pena de ficarem rapidamente fora do jogo. 

“Estamos evoluindo, mas só faltam 8 anos para 2030, quando algumas metas importantes na área ambiental já vão ter que ser atingidas. Precisamos falar cada vez mais sobre isso. Somos responsáveis por desenvolver as pessoas que estão em condições sociais mais desfavoráveis do que nós. Temos que cuidar da nossa casa, somos parte de um todo que não podemos destruir”, afirmou Marcela Argollo, sócia da All For You e professora da Fundação Getúlio Vargas (FGV), no Summit ESG do Estadão

Se educação no sentido amplo é uma questão básica, apontar caminhos por onde a empresa deve caminhar também é, segundo Ricardo Carvalho, CEO da CBA, presidente do Conselho do Instituto Votorantim e do Conselho Diretor da Abal. “A consciência sobre a questão ESG aumenta a cada dia. É preciso ter certeza que estamos preparados para lidar com o tema e termos um caminho bem traçado, com metas baseadas na ciência e bem embasadas do ponto de vista de certificação”, explicou Carvalho no Summit ESG.

De acordo com um dos líderes do setor de alumínio, as empresas sérias nos preceitos do ESG já estão gerando valor no momento. Não é algo que vai chegar apenas no futuro. “Existem fundos que só investem em empresas que estão com bons planos. Além de ser um motivo para atração de talentos. É impressionante, acho ótimo e um sinal dos tempos. Mas hoje, jovens talentos, quando nos procuram, perguntam sobre quais são as práticas ambientais e sociais que estamos seguindo.”

O círculo corporativo em que o consultor Arthur Ramos, diretor executivo do BCG Brasil, atua corrobora a visão do CEO da CBA. “Não se faz mais estratégia sem falar da questão climática. Fazer a coisa bem feita nessa área e de forma relevante para o meu negócio começa a ser captado pelo mercado de capitais em termos de geração de valor”, disse Ramos. 

Segundo ele, especialista no setor de energia, empresas globais de energia renovável, nos últimos anos, cresceram mais do que a média do setor. Além de que as grandes corporações do setor de óleo e gás perderam 20% dos seus valores de mercado. “É importante saber o impacto social do meu negócio. Se eu tenho, por exemplo, uma espécie de licença social para operar. Se faço produtos corretos e assim por diante”, disse o consultor. Cair no risco da prática do socialwashing ou do greenwashing pode ser fatal nos dias de hoje, na visão de Ramos.

Rotina

Totalmente no sentido contrário, a Ambipar Environment, segundo a CEO Cristina Andriotti, já está com o assunto muito enraizado no dia a dia dos negócios. “O ESG é business para a empresa. Temos a preocupação ambiental, com as pessoas, em gerar valor e ajudar a formar as novas gerações”, explicou a executiva do grupo. “Nesse sentido, o G é o primeiro passo que nós damos. O caminhar pelo ESG faz a empresa captar valor imediatamente, seja pelo retorno do capital, seja pela preocupação com as pessoas e o meio ambiente”, afirmou Cristina, no Summit ESG (O Estado de S.Paulo, 3/7/22)


Por adaptação, empresas buscam equilíbrio entre lucro e propósito

Legenda: Fábrica de chocolate da Nestlé, no Reino Unido; até 2030, 50% dos ingredientes usados pela empresa deverão vir da agricultura regenerativa.  Foto: Phil Noble/Reuters - 21/03/2018

 

Exemplo é o Grupo Gaia, que vendeu ativos e se dedica hoje só a projetos que apresentem impactos socioambientais.

Cabruca. É uma palavra talvez pouco conhecida da maioria das pessoas, mas que tem muito significado para os cacauicultores do Sul da Bahia. Depois do fungo vassoura da bruxa ter falido muitas propriedades em Ilhéus e adjacências no final do século 20, a ciência, o empirismo e muito suor conseguiram reverter a situação. 

O termo é uma referência a uma das técnicas mais usadas pelos produtores de cacau atualmente na terra consagrada pelas obras de Jorge Amado. Em harmonia com a Mata Atlântica, na sombra das árvores do bioma, a planta do cacau cresce. É uma espécie de ganha-ganha, uma vez que a floresta permanece em pé. 

Assim como existem fazendas estruturadas na região, existem também assentados, grupos sociais com enorme dificuldade de obter crédito. Nada melhor, então, do que montar uma operação lastreada nos