Decreto pode elevar para até 40% percentual de etanol na gasolina
Equipe econômica resiste ao índice, pois estima perda de R$ 4 bi em arrecadação por ano.
No momento em que o governo tenta buscar formas de reduzir o preço da gasolina, Michel Temer prepara um decreto que, na prática, poderá provocará aumento gradual de até R$ 0,06 por litro.
A medida pode vir com a regulamentação do programa de biocombustíveis (RenovaBio). Sancionada no fim de 2017, a nova política para o setor prevê a redução de poluentes em derivados de petróleo (como a gasolina) e o aumento da participação de combustíveis menos nocivos ao ambiente, como o etanol.
Hoje, cada litro de gasolina já tem 27% de álcool anidro. Com o decreto, o índice de mistura subirá escalonadamente até 30%, em 2022, e 40%, em 2030, se Temer mantiver os números aprovados pelo Congresso.
A equipe econômica resiste pois considera que haverá uma perda de ao menos R$ 4 bilhões por ano com a arrecadação de tributos. Sobre a gasolina incidem PIS, Cofins e Cide. Além disso, haverá uma alta de preço ao consumidor, o que pressiona a inflação.
Estimativas de consultorias especializadas, que não quiseram ser identificadas, indicam um aumento gradativo de R$ 0,06 por litro até 2030 devido à mudança na cesta de tributos e ao aumento de custos decorrentes dos novos padrões de mistura.
Distribuidoras consideram que essa conta também será afetada pela falta de etanol no mercado para atender à demanda imposta pela legislação, o que, nesse caso, trará punições aos distribuidores —que serão obrigados a comprar certificados de compensação dos produtores.
PRÓXIMOS PASSOS
O governo aguarda, nesta semana, os cálculos finais da Fazenda para bater o martelo sobre os índices de mistura de anidro na gasolina. A Casa Civil defende os 40%, mesma posição dos produtores rurais. Mas Temer está cauteloso. Não quer tomar uma medida que, mesmo no longo prazo, acarrete alta de preços.
Projeções do governo indicam que, somente com 30% de anidro na gasolina, a produção de cana passará dos atuais 668 milhões de toneladas por ano para 820 milhões de toneladas, em 2026. Nesse período, a participação da cana destinada ao etanol saltará de 55% para 61%, elevando a produção do álcool nacional de 18 bilhões de litros para 31 bilhões de litros. Em contrapartida, a produção de açúcar ficaria comprometida.
O setor sucroalcooleiro defende o programa —e o decreto— para tentar uma recuperação. Com a recessão e a reviravolta na política de Dilma Rousseff, produtores entraram em recuperação judicial.
Com a nova política, eles esperam ganhar duas vezes —tanto com o aumento das vendas do álcool quanto com a venda de certificados para os distribuidores que descumprirem as metas.
Mesmo com a queda na cotação do petróleo, o preço da gasolina vem subindo nos postos. Temer quer uma saída para garantir alta ou baixa de acordo com o petróleo.
Esse é também um movimento do governo para melhorar a popularidade do presidente, que considera disputar a reeleição.
Para isso, o ministro Moreira Franco (Secretaria-Geral da Presidência) e o ministro Eliseu Padilha (Casa Civil) avaliam medidas.
Diante do arrocho fiscal, a única saída seria criar mecanismos tributários para que PIS e Cofins não tivessem alíquotas fixas definidas sobre o preço do litro da gasolina. Há também ideias em relação ao gás de cozinha, outro item que vem subindo ao consumidor.
Na quarta-feira (7), o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, que também é presidenciável, disse que o governo estuda alterar a tributação para reduzir o preço da gasolina nas bomba.
A declaração causou irritação no Palácio do Planalto. Oito meses antes, o próprio Meirelles havia anunciado aumento das alíquotas de PIS e Cofins sobre os combustíveis, dobrando o valor cobrado no caso da gasolina. Isso para compensar perda na arrecadação de tributos.
Como mostrou a Folha, a elevação de impostos federais e estaduais foi responsável por dois terços da alta da gasolina desde que a Petrobras adotou a política de ajustes diários nos preços, em julho do ano passado.
O restante foi provocado pela alta do etanol e das margens de revenda (Folha de S.Paulo, 12/3/18)
Carros antigos terão problemas de adaptação se gasolina tiver mais etanol
Legenda: Modelos 1997 dos automóveis populares Volkswagen Gol (à esq.), Ford Fiesta, Fiat Palio e Chevrolet Corsa
Em testes, Petrobras já adicionou 30% de álcool no combustível.
Carros novos movidos apenas a gasolina são minoria no Brasil. Hoje, predominam os modelos flex —que podem rodar também com etanol.
Contudo, isso não significa que mudanças no combustível oferecido nos postos sejam absorvidas sem riscos.
Um estudo elaborado em 2014 pela Petrobras já avaliava a utilização do E30 (gasolina com 30% de etanol anidro na composição) para abastecer carros e motos que não tinham tecnologia flex.
Veículos mais novos apresentaram funcionamento regular, mas ocorreram falhas em modelos produzidos nos anos 1990 ou equipados com peças não originais.
Os dados não permitem saber como seria o desgaste a longo prazo, mas conclui-se que um combustível com ainda mais álcool pode inviabilizar o uso de carros a gasolina com mais de 20 anos, ainda presentes em grande volume no trânsito brasileiro.
Será preciso fazer um período de transição, em que a gasolina comum atual continuará a ser oferecida mesmo quando a E30 já estiver nas bombas, em paralelo a um plano de renovação da frota.
A mudança deve fazer parte do programa Rota 2030, que substituirá o Inovar-Auto. Todas as fabricantes já têm motores que toleram a maior quantidade de álcool.
O passo seguinte é unir o etanol a sistemas eletrificados. A Toyota prepara o híbrido Prius Flex, que será mostrado na próxima semana.
Essa combinação é vista hoje como a forma viável de o Brasil entrar na era da mobilidade limpa. Carros 100% elétricos, que aos poucos ganham espaço no mundo devido a legislações ambientais, ainda estão muito distantes das ruas do país (Folha de S.Paulo, 12/3/18)