Diretor da Aneel se declara impedido e trava discussão da Amazonas Energia
Sede da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), em Brasilia; órgão não tem quórum para avaliar pleito dos irmãos Batista em relação a Amazonas Energia. Aneel - Divulgação
Agência não tem número suficientes de diretores para avaliar pleito do grupo J&F, dos irmãos Batista, antes de MP que dá benefícios perder validade.
O relator do caso da distribuidora Amazonas Energia na Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), o diretor Fernando Mosna, declarou-se impedido para atuar nesse e em outros processos que envolvam negócios da J&F, holding do irmãos Joesley e Wesley Batista que na área de energia controla a Âmbar.
O movimento de Mosna causou surpresa, uma vez que vinha atuando sem restrições em todos os casos do grupo. A sua manifestação, na prática, travou qualquer chance de a agência avaliar novas demandas sobre o caso nesta quinta-feira (10), último dia de validade da MP (medida provisória) 1.232/2024, que garante benefícios a quem assumir o controle da distribuidora amazonense.
O novo impasse foi interpretado no setor como mais um capitulo da queda de braço pelo mercado de energia no Amazonas entre o grupo J&F dos Batistas e a Termogás, do empresario Carlos Suarez, conforme detalhado por reportagem da Folha na semana passada. Dentro do processo da Amazonas, Mosna já havia acatado sugestão de Cigás, distribuidora de gás do Amazonas que faz parte do grupo de Suarez.
O aval conseguido até o momento para validar o negócio pela J&F é considerado precário, porque foi dado sub júdice. O diretor-geral, Sandoval Feitosa, aprovou a venda na segunda-feira (7), mas de forma monocrática e atendendo a uma liminar da Justiça Federal do Amazonas. O caso deveria ter sido avaliado pela diretoria na terça-feira (8), mas Mosna tirou o processo da pauta alegando perda de objeto, já que o diretor-geral havia tratado da questão.
Na quarta-feira (9), a Âmbar, braço de energia elétrica da J&F, afirmou em nota que a Aneel precisava garantir "as seguranças jurídicas e econômica necessárias" para a mudança de controle, aprovando a venda, dentro dos termos propostos pela empresa, ainda durante o período de validade da MP.
Pelo protocolo, o diretor-geral poderia convocar uma reunião extraordinária para deliberar a questão, e houve tentativa para que a diretoria se reunisse nesta quinta. A declaração de Mosna, porém, inviabilizou o encontro e até mesmo o sorteio para mudança de relator, já que, sem ele, a agência não tem integrantes suficientes para deliberar sobre o caso da Amazonas.
Formalmente, o órgão de decisão da Aneel trabalha com um diretor-geral e quatro diretores. No momento, no entanto, está desfalcado, sem um diretor, que ainda não foi escolhido. E o diretor Ricardo Tili tirou férias. Historicamente, Mosna e Tili são alinhados em suas decisões, e a saída desse diretor foi interpretada como apoio ao colega.
Com Mosna declarando-se sob suspeição (termo que utilizou para se manifestar impedido), na prática, para tratar do caso da J&F, há apenas o diretor-geral, Feitosa, e a diretora Agnes Costa. Pela regra, no entanto, são necessários no mínimo três votantes.
A J&F agora precisa decidir se vai assinar o contrato sem a decisão administrativa da Aneel ou seguir adiante, assumindo o risco jurídico. Em nota divulga na quarta-feira, o grupo já havia ventilado a possibilidade de desistir da Amazonas Energia, caso a diretoria da Aneel não aprovasse a venda nos termos da empresa.
"Sem isso [aprovação de novo plano pela Aneel], a empresa abrirá mão de seu direito de concretizar o negócio", disse a Âmbar, acrescentando que apresentaria um agravo contra a decisão monocrática desta semana do diretor relator Fernando Mosna.
O plano aprovado pela Aneel, por força da liminar, prevê condições apresentadas pela Âmbar no fim de setembro. A proposta prevê custos de R$ 14 bilhões, pelos próximos 15 anos, aos consumidores de energia elétrica de todo o país. Para reduzir a dívida da concessionária amazonense, a Âmbar também se comprometeria com um aporte de capital de R$ 6,5 bilhões.
Procurada pela reportagem, as assessorias de imprensa da J&F e da Âmbar não se manifestaram até a publicação deste texto. A Aneel também não deu retorno e não detalhou quando o diretor Tili pediu férias. O MME (Ministério de Minas e Energia) também não comentou.
Se a alternativa que restar for uma intervenção da União, também não será possível aproveitar os benefícios da MP. Um dos principais pontos da medida provisória é transferir para conta de luz o custo com as térmicas, uma despesa que a Amazonas Energia tem dificuldade de quitar e levou a sua dívida a superar a casa de R$ 11 bilhões.
A suspeição de Mosna ainda pode travar outras decisões da Aneel de interesse do grupo dos irmãos Batista, uma vez que foi estendida a todos os processos envolvendo demandas do grupo.
A lista inclui uma discussão sobre pagamentos à térmica de Uruguaiana, no Rio Grande do Sul, e uma série de pendências sobre as térmicas Edlux 10, EPP 2, EPP 4 e Rio de Janeiro 1, dentro do PCS (Procedimento Competitivo Simplificado) —leilão emergencial feito em 2021 para ampliar o parque térmico do país e reduzir o risco de desabastecimento de energia durante estiagens severas.
O caso do PCS gerou uma longa e polêmica discussão que se arrastou na Aneel e, depois, no TCU (Tribunal de Contas da União), sem que houvesse uma definição em ambas instâncias.
O MME fechou acordo autorizando a Âmbar a operar com a térmica de Cuiabá no lugar dos outros quatro empreendimentos. Nesta quarta-feira, o TCU liberou o MME para fechar o acordo. Ocorre que esse acordo também precisa ser aprovado pela diretoria da Aneel —mas agora dentro deste novo cenário mais adverso para a J&F (Folha, 11/10/24)
Silveira tenta evitar intervenção na Amazonas Energia, alvo dos irmãos Batista
Os irmãos Joesley e Wesley Batista. Foto Divulgação - Grupo J&F
Com MP expirada, ministro de Minas e Energia busca plano B para empresa almejada pela J&F.
O governo resiste a uma intervenção na Amazonas Energia diante do vencimento da MP (medida provisória) que abriu caminho para a transferência da empresa para a Âmbar, braço de energia do grupo J&F —dos irmãos Batista.
A transação ocorreu graças aos efeitos de uma MP, mas ela venceu nesta quinta-feira (10) sem que a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) aprovasse de forma colegiada a transferência do controle.
A agência não chegou a julgar o processo da compra, mas seu presidente, Sandoval Feitosa, assinou a autorização para cumprir uma decisão judicial que obrigou a Aneel a aprovar a transação.
O aval atendeu a um pedido dos Batista, que tinham ido à Justiça no Amazonas alegando demora na avaliação do negócio pela agência. Mesmo assim, a J&F não quis assinar o contrato de compra e venda por considerar haver excessiva insegurança jurídica.
O imbróglio mobilizou o Ministério de Minas e Energia. O ministro, Alexandre Silveira, que participa de evento do Esfera Brasil em Roma (Itália), nem participou do jantar de abertura nesta quinta, na Embaixada do Brasil.
Nos bastidores, Silveira atuou para buscar solucionar o problema. O ministro tenta evitar o que é defendido dentro do governo como um desastre para as contas públicas.
Isso porque, como a MP expirou, o caminho imediato seria a intervenção na Amazonas Energia, empresa que, na avaliação do governo, não tem qualquer chance de continuar operando nas condições financeiras atuais.
Cálculos iniciais da pasta indicam que somente a indenização aos atuais controladores pelos investimentos não amortizados exigiria R$ 3 bilhões do Tesouro.
Somente após a intervenção, o ministério daria início a um processo de licitação — algo que demoraria, no mínimo, dois anos, consumindo ainda mais recursos do erário.
A Âmbar disse nos últimos dias, em nota, que abrirá mão de seu direito de concretizar o negócio caso ele não seja aprovado de forma colegiada pela agência.
Caso a situação permaneça e o governo seja obrigado a assumir a distribuidora, o custo sobre as contas dos consumidores subirá em cerca de R$ 20 bilhões, segundo cálculos iniciais entre os defensores do negócio (Folha, 11/10/24)