Em terra de carnívoros, opção vegetal vira realidade e atrai frigoríficos
O Brasil abriga as duas maiores empresas de carne bovina do mundo, JBS e Marfrig, e a maior exportadora mundial de carne de frango, BRF, mas o crescimento de um público preocupado com a saúde e impactos ambientais de seus hábitos de consumo tem feito a indústria de alimentos apostar na produção de carne vegetal, um produto criado para substituir os de origem animal.
Empresas como Seara, do grupo JBS; Superbom e BRF estão lançando produtos de carne vegetal no mercado brasileiro neste ano ou voltando a avaliar oportunidades de um mercado que é maior que o da população da Austrália e quase do tamanho de países como Malásia, Venezuela ou Peru.
A carne vegetal usa um preparado de proteínas de vegetais como soja e ervilha e outros artifícios como beterraba para imitar características como textura, suculência e sabor da carne animal. Os maiores expoentes no mundo atualmente desse mercado são as norte-americanas Beyond Meat e Impossible Foods, que já receberam milhões de dólares em investimentos.
Enquanto as cifras do mercado brasileiro ainda não são claras, nos Estados Unidos analistas estimam que o mercado de alternativas à carne deverá valer 100 bilhões de dólares em 2035.
A Sociedade Vegetariana Brasileira (SVB) estima em 30 milhões o número de pessoas no Brasil que se declara vegetariano, citando para isso uma pesquisa realizada no ano passado pelo Ibope a pedido da entidade. Desse número, 7 milhões são veganos, que evitam consumir qualquer tipo de produto de origem animal.
“Aderir ao veganismo se tornou algo fácil e positivo, não é mais negativo na visão das pessoas hoje e isso está provocando uma explosão no mercado”, disse Guilherme Carvalho, secretário-executivo da SVB. “O crescimento na demanda por opções vegetarianas vai levar a um crescimento da oferta. Atingimos uma massa crítica de consumidores que demandam opções no mercado”, acrescentou.
Estas opções de substitutos de carne hoje em dia são as mais variadas, desde embutidos como salsicha e linguiça, a bife feito de proteína de ervilha que se pretende passar por carne de frango.
A mais recente empresa a embarcar neste mercado é a Seara, unidade de produtos processados da gigante JBS, a maior produtora de carne bovina do mundo, com uma capacidade de abate apenas no Brasil de cerca de 8 milhões de bois por ano. A Seara começa a vender neste mês sua versão de carne vegetal na forma de hambúrguer, com expectativa de obter 12 por cento do mercado nos próximos 3 anos.
“Não estamos nos defendendo, estamos vendo oportunidade. Somos uma empresa de proteínas e começamos a trabalhar nestas opções há cerca de um ano e meio atrás”, disse José Cirilo, diretor-executivo de marketing da Seara e que chama o mercado buscado pela empresa de “flextarianos”, formado não só por vegetarianos, mas por consumidores que querem reduzir o consumo de carne.
Além do hambúrguer, a Seara está preparando uma linha de produtos para vegetarianos, de olho em uma “tendência que chegou para ficar”, disse Cirilo. O hambúrguer de carne vegetal da empresa é baseado em soja e tem uma carga de proteína de 27 gramas ante 20 gramas da carne bovina, afirmou o executivo, acrescentando que a Seara tem pesquisado proteínas de ervilha e até de jaca para os próximos produtos em que a empresa está de olho para substituir frango e peixe.
Por enquanto, a Seara está produzindo os produtos de carne vegetal apenas em uma de suas 20 fábricas no Brasil, afirmou Cirilo. A unidade de Osasco (SP) que antes era voltada a produtos convencionais tem como foco inicial atender mercados e supermercados de São Paulo e Rio de Janeiro. A empresa pretende atender a Região Sul em um “segundo momento” e no próximo um ano e meio poderá chegar ao Norte e Nordeste com a carne vegetal.
A Seara não divulgou valores de investimento no desenvolvimento do hambúrguer, mas afirmou que “com a crescente demanda do mercado por alimentos de origem vegetal e relacionados, a companhia ajustou seu ‘pipeline’ de inovação e continuará investindo para crescer no segmento”.
FAST FOOD EMBARCA
A Seara terá pela frente concorrentes menores no país, mas com sólida experiência neste mercado, que diferente da indústria de abate animal tem barreiras de entrada bem menores, como menores custos de infraestrutura. Uma delas é a Superbom, empresa ligada à Igreja Adventista do Sétimo Dia e que há 50 anos produz substitutos de carne para atender os fiéis da religião.
O crescimento do mercado de “flextarianos” fez a empresa apostar em novas frentes e a investir para atender o público preocupado com a saúde, disse David Oliveira, diretor de marketing da Superbom. “Hoje o nosso público consumidor é muito maior fora do que dentro da igreja... A categoria de substitutos de carne cresce 30 por cento ao ano”, disse o executivo.
Prova do aumento da demanda por substitutos de carne animal é o interesse demonstrado até pela indústria de fast food, diz Oliveira, citando que a Superbom fechou contrato neste mês para fornecer um bife empanado e à base de proteína de ervilha com sabor de frango às 410 lojas da rede Giraffas no Brasil.
“Não era o principal objetivo da gente (atender mercado de fast food)... O mercado de fast food está habituado a trabalhar com uma realidade, não tendência. E a maior dificuldade é que o volume de carne (animal) consumida no Brasil é infinitamente maior que a capacidade atual de atendimento dos substitutos de carne”, explicou Oliveira.
Segundo Maurício Nogueira, sócio e diretor da consultoria Athenagro, o consumo de carne por habitante no Brasil é de 42 quilos por ano, segundo maior do mundo atrás apenas dos 53,4 quilos da Argentina, para onde a Superbom começará a exportar substitutos de carne em julho.
Oliveira, da Superbom, afirmou que para as grandes redes de comida rápida, o custo do hambúrguer à base de vegetais é 20 a 25 por cento maior que o de carne bovina, mas a expectativa é que isso se reduza “nos próximos meses” conforme a oferta acompanhar a expansão da demanda.
O investimento da Superbom no mercado de substitutos de carne somou 9 milhões de reais nos últimos dois anos que incluiu a construção de uma fábrica. A expectativa de produção de 5 toneladas por mês “já está o triplo” após a empresa lançar em maio um hambúrguer de carne vegetal e passar a atender redes de fast food.
CAUTELA
Numa frente mais cautelosa está a BRF, dona das marcas Sadia e Perdigão, que até 2010 produzia no Brasil uma linha de produtos para vegetarianos antes de interromper essa oferta diante do que considerou como demanda reduzida na época.
A tecnologia da época não permitia produtos que se aproximassem da carne animal, mas o quadro mudou, disse Fabio Bagnara, diretor de pesquisa e desenvolvimento da BRF.
“A tecnologia de purificação das proteínas vegetais melhorou muito nos últimos 10 anos... Naquela época o produto tinha sabor mais carregado da matéria-prima, o volume de comercialização era pequeno. Tínhamos que ter produto certo no lugar certo senão não girava no ponto de venda”, disse o executivo.
“Estamos avaliando o custo benefício de voltarmos ao segmento. É um mercado que veio para ficar, mas a questão é o tamanho desse mercado e o que o mercado espera dos produtos. Causar decepção nos consumidores é muito ruim”, disse Bagnara.
Ele ponderou que a BRF tem como desafio ter 10 por cento de sua receita sendo gerada por produtos novos até 2023 e o segmento de carne vegetal “pode ser boa oportunidade... Toda forma de proteína nos interessa” (Reuters, 19/6/19)
Sob a ótica de uma proposta da União Europeia apresentada em abril, a resposta é sim - o Reino Unido marcou uma audiência sobre o tema para quarta-feira, 26 de junho, na Câmara dos Lordes, em Londres.
Na ocasião, ativistas e especialistas devam levantar objeções ao plano.
Ativistas vegetarianos e veganos dizem que, se a proposta se tornar lei em setembro, os produtores de alimentos teriam de adotar nomes de produtos alternativos bem desagradáveis, como "tubos de vegetais" ou "discos de vegetais" para se referir a salsichas ou hambúrgueres, por exemplo.
Eles dizem que isso faria perder consumidores em um momento de alta do interesse global pela redução no consumo de carne.
Mas, de acordo com David Lindars, diretor de operações técnicas da Associação Britânica de Processadores de Carnes (BPMA, por sua sigla em inglês), a lei traria muita clareza.
"Termos como salsicha, bife, hambúrguer e escalope são sinônimos de carne e isso deve ficar claro no rótulo."
"Se você é um produtor de salsicha, vai gostar deste projeto", diz ele.
Linguagem comum
A proposta - conhecida como Alteração 41 - foi apresentada pelo Comitê de Agricultura do Parlamento Europeu como parte de um projeto de lei mais amplo para atualizar a Política Agrícola Comum do bloco.
Os deputados que o apoiam dizem que a medida contempla o "bom senso" e evita confusões. Eles também dizem que a intenção do projeto é estender as proteções já existentes para laticínios, após a Corte Europeia de Justiça proibir a venda de leite de soja como "leite" em 2017. O produto agora deve ser rotulado como "bebida de soja".
Lindars admite não ter evidências de que os consumidores se confundem com termos como hambúrguer vegetariano e admite que tais frases tenham caído no senso comum.
Mas ele diz que as pessoas precisam saber o que está em sua comida e o plano da UE tornaria as coisas "cristalinas".
Legenda: Desde 2017, o antes chamado "leite de soja" só pode ser comercializado como "bedida de soja" no Reino Unido
"Eu acho que quanto mais clara a rotulagem, melhor, especialmente se o produto tem alérgenos. Normalmente, você tem de virar o produto para ver quais são os ingredientes. Se estiver na frente, é mais útil."
O Sindicato Nacional de Agricultores do Reino Unido, que discursará na quarta-feira, também apoia o plano, embora tenha ressalvas.
"Gostaríamos de proteger termos tradicionais baseados em carne. Por isso, nos opomos a termos como 'carne moída sem carne'", disse um porta-voz.
"Mas não achamos que palavras como hambúrguer e salsicha caiam nessa categoria."
Mas a Vegan Society diz que proibir termos como hambúrguer vegetariano e salsichas vegetarianas vai realmente "criar confusão", enquanto faz a indústria de alimentos com base vegetal recuar.
"Isso teria um impacto sobre a capacidade dos veganos de escolher alimentos de acordo com suas crenças facilmente", diz Mark Banahan, diretor de campanhas e política da organização.
Ele diz que termos como hambúrguer e salsicha transmitem mais do que o produto - eles também transmitem a forma, o sabor, como você deve cozinhá-los e com o que eles devem ser servidos - por exemplo, batatas fritas com hambúrgueres ou um pão.
Lynne Elliot, presidente-executiva da Sociedade Vegetariana concorda, acrescentando que, se o novo projeto se tornar lei, os produtores de alimentos enfrentarão enormes custos para mudar sua marca, marketing e embalagem.
"O McDonalds tem um hambúrguer vegetariano há muito tempo. Greggs apresentou sua receita vegana de salsicha e o KFC lançou seu hambúrguer vegano esta semana. Eles estão satisfeitos com esses termos porque isso significa algo para seus clientes."
A lei vai passar?
De acordo com uma pesquisa feita pela Waitrose no ano passado, um em cada oito britânicos é vegetariano ou vegano, enquanto outros 21% afirmam ser flexitarianos, o que significa que eles comem carne apenas ocasionalmente.
A UE prevê que o consumo de carne per capita cairá de 69,3 kg por ano para 68,6 kg nos próximos 12 anos.
Talvez, não surpreendentemente, alguns deputados e instituições de caridade afirmam que a Alteração 41 está sendo usada para proteger a indústria da carne.
Mas Lindars não acha que o plano - se for adiante - beneficiará os produtores. "As pessoas que buscam produtos baseados em plantas saberão a diferença, isso não afetará as vendas."
Segundo relatos, há uma boa chance de o Parlamento Europeu aprovar a Alteração 41 quando votá-la em setembro - embora seja possível que a legislação não chegue tão longe, diz Banahan.
O Parlamento acaba de realizar eleições, diz ele. Então, o Comitê de Agricultura será reconvocado e não está claro se o novo grupo apoiará a proposta, devido a todas as críticas.
A Grã-Bretanha também estaria livre para ignorar a lei depois que ela deixar a UE - embora Banahan afirme que os regulamentos ainda afetaria os produtos do Reino Unido vendidos para a UE.
"Muitos fabricantes podem ter de adotar novas linguagens de qualquer maneira... Assim como tudo relacionado ao Brexit, é complicado", diz ele (BBC Brasil, 20/6/19)