Embate com Musk cria armadilha para o STF – Editorial Folha de S.Paulo
Elon Musk, empresário americano propietário da rede social X - Gonzalo Fuentes-Reuters
Explorado pelo bolsonarismo, conflito expõe excessos da corte e de Moraes, mas empresário não pode ignorar a Justiça.
Em novo rompante de postagens, o empresário Elon Musk publicou uma sequência de críticas ao ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal. Nelas, acusou o magistrado de praticar censura ilegal e ameaçou desobedecer a restrições impostas a usuários da rede social.
Moraes, em resposta, determinou a inclusão de Musk no inquérito que investiga a atuação e o financiamento de milícias digitais antidemocráticas. Ato seguinte, o bolsonarista Allan dos Santos, foragido da Justiça brasileira, fez uma live na rede social do bilionário, o X, da qual estava suspenso por ordem de Moraes.
O fogo cruzado serve mais a iludir do que a esclarecer. Engrossa o caldo da polarização, dinâmica política que gera muito calor e pouca luz. No saldo, é provável que o embate seja mais benéfico ao bolsonarismo do que ao interesse público.
Decerto o sentido da crítica a Moraes não soa descabido. O ministro já estendeu bem além do razoável uma frente de investigação nada transparente, ademais questionável desde a origem.
Ao atacar um problema real, o das ameaças à democracia, Moraes adentrou um terreno pantanoso, o de definir o que é verdade e o que não é, atoleiro do qual parece não conseguir sair.
O inquérito das fake news está aberto há mais de cinco anos, em caráter sigiloso. O das milícias digitais, instalado em 2021, foi prorrogado até o fim deste mês. Nesse período, o STF já cometeu erros evidentes de abordagem, como ao censurar reportagens jornalísticas no âmbito da eleição de 2022.
Para esta Folha, a liberdade para circulação de ideias deve ser a mais ampla possível. Excessos e inverdades são depurados no processo de debate público, não ao largo dele. Censurar é má ideia.
Isso posto, é preciso manter uma dose de ceticismo em relação à defesa de valores que Musk diz estar empunhando. Primeiro porque tal posicionamento não o autoriza a ignorar decisões judiciais, por mais questionáveis que sejam.
Segundo, chega em embalagem já conhecida e com difusão reverberada em núcleos da direita radical.
Do ponto de vista institucional, o episódio deixa uma armadilha à frente do STF. As opções para o tribunal ficam embicadas no caminho de dobrar a aposta, eventualmente derrubando o acesso no Brasil ao X. O custo não seria pequeno, dada a excepcionalidade da medida —que teria eficácia limitada pela possibilidade técnica de burlar a proibição.
Faria melhor a corte suprema se contivesse a si própria e dedicasse mais tempo aos assuntos de impacto mais direto na vida do cidadão brasileiro, que pouco se beneficia do calor da polarização (Folha 9/4/24)