20/10/2023

Emergência climática na Amazônia - Por Virgilio Viana

Emergência climática na Amazônia - Por Virgilio Viana

SECA NO AMAZONAS-AGENCIA BRASIL- FOTO CADU GOMES VPR

Existem caminhos para enfrentá-la. É hora de o Brasil ser protagonista de uma ação exemplar.

Há muitos anos os cientistas vêm alertando sobre as graves consequências do aquecimento global. Com relação à Amazônia, o alerta é quanto à iminência de um colapso ecológico. Passamos da fase de alertas: agora, é hora de ações que tenham escala compatível com a gravidade da emergência que assola a Amazônia em 2023.

Primeiro, temos uma seca extraordinária que já bateu recordes históricos em diversos rios. Vale lembrar que a Amazônia é gigantesca e existem realidades distintas em cada calha dos afluentes do Rio Amazonas/Solimões. Não apenas alcançamos níveis recordes: a velocidade de diminuição da vazão dos rios foi a maior já registrada na História.

Não houve tempo hábil para as comunidades se prepararem para a seca. Até os peixes e os botos foram pegos de surpresa e morreram de forma avassaladora. A economia da região está sendo afetada com o colapso da logística, dependente do transporte hidroviário. A calamidade humanitária, a crise econômica e a catástrofe ecológica por si sós configuram um quadro de emergência climática.

Por outro lado, além da seca nos rios, temos a seca nas florestas. Como resultado de uma anomalia do regime de chuvas relacionada com o aquecimento global, as florestas estão mais secas. Com a redução da umidade no chão das matas, aumenta o risco de incêndios. Como o uso do fogo é prática comum na região, o tamanho e a frequência dos incêndios florestais aumentam. Os incêndios podem se iniciar tanto em roças de pequenos agricultores quanto em ações criminosas de grandes grileiros de terras públicas.

O aumento da área incendiada não é capturado pelos índices oficiais de queimadas, que medem apenas o número de focos de calor. O resultado disso é uma explosão de fumaça, que coloca um grande número de cidades da Amazônia em situação de calamidade de saúde pública.

Manaus, por exemplo, tem tido níveis de poluição do ar que superam em mais de três vezes o patamar considerado como o máximo aceitável pela Organização Mundial da Saúde (OMS), superando Katmandu, no Nepal, campeã internacional nessa categoria. Infelizmente, a maior parte das cidades da Amazônia não tem sequer sensores para medir a poluição do ar. Os custos de vidas humanas e os gastos com a saúde pública alcançam números que configuram, adicionalmente, uma outra dimensão desta emergência climática: a de saúde pública.

Diante deste quadro de emergência climática, temos de separar as ações necessárias para o enfrentamento da seca dos rios e das florestas. Vou focar, aqui, na crise relacionada à poluição do ar causada pela queima de florestas. Para o enfrentamento dessa calamidade, são necessários dois tipos de ações: emergenciais e estruturantes. As ações emergenciais devem focar no combate imediato aos incêndios florestais. Infelizmente, o Brasil está despreparado para enfrentar grandes incêndios florestais.

É hora de solicitar às nações amigas o envio de dezenas de aviões especializados em combate a incêndios florestais. Incluem-se aí Alemanha, Noruega, Chile, EUA, Austrália, Canadá, França, Portugal, Espanha, Itália, entre outros. Com a nova política para a Amazônia e a retomada do prestígio internacional do Brasil, o País pode ter sucesso nessa empreitada.

Com o apoio dessas aeronaves, equipes dos Corpos de Bombeiros podem ser apoiadas por militares para ações de campo. Brigadas de voluntários, devidamente treinadas e aparelhadas por organizações da sociedade civil, podem também fazer parte desta grande mobilização emergencial junto das comunidades e aldeias da Amazônia.

As ações estruturantes devem envolver a compra de uma esquadra de dezenas de aviões de combate a incêndios. Como nos caças Gripen de defesa, deveríamos planejar a fabricação desses aviões no Brasil, envolvendo a Embraer. Helicópteros de apoio, preferencialmente fabricados aqui, no Brasil, devem fazer parte de um pacote de aquisições de longo prazo, de caráter estruturante. A gestão dessas frotas de aeronaves poderia ser centralizada numa instituição como o Ibama.

Os governos estaduais, por meio dos Corpos de Bombeiros, poderiam criar equipes especializadas em combates a incêndios florestais. Organizações da sociedade civil poderiam ser mobilizadas para estruturar brigadas de combate a incêndios florestais em comunidades e aldeias – além de campanhas de educação ambiental. O combate às organizações criminosas relacionadas ao desmatamento deve ser ampliado, com a liderança da Polícia Federal e o engajamento de Estados e municípios. Como já temos a retomada do Fundo Amazônia, essa deveria ser uma prioridade para o financiamento pelo BNDES. Isso poderia mobilizar um investimento inicial de R$ 1 bilhão a R$ 2 bilhões com os recursos já disponíveis e embasar uma campanha internacional para ampliar o fundo em mais US$ 10 bilhões.

Além disso, é necessário fortalecer as ações de combate ao desmatamento tanto pelo governo federal quanto por Estados e municípios. A reforma tributária deveria premiar Estados e municípios que reduzam suas taxas de desmatamento e incêndios florestais. A experiência bem-sucedida do ICMS Verde deveria ser ampliada no novo regime tributário em trâmite no Congresso Nacional.

Por fim, o Projeto de Lei de Carbono deve ser suficientemente eficaz em criar um marco legal claro para permitir uma economia da ordem de R$ 50 bilhões por ano, criando valor para a floresta em pé e estimulando a recuperação da cobertura florestal. Isso permitiria ao Brasil ampliar a meta de desmatamento ilegal zero em 2030 para uma meta de desmatamento zero e um aumento líquido da cobertura florestal.

Portanto, existem caminhos para enfrentar a emergência climática na Amazônia. É hora de o Brasil ser protagonista de uma ação exemplar. Isso é essencial para garantir a segurança nacional, que depende da Amazônia livre de desmatamento para manter o regime de chuvas que abastece nossa agropecuária, nossas cidades e usinas hidrelétricas. E é, também, essencial para manter o processo de retomada da liderança internacional do Brasil no enfrentamento das mudanças climáticas globais (Virgilio Viana é superintendente da Fundação Amazônia Sustentável (FAZ); Estadão, 20/10/23)