“Empregos verdes” crescem no Brasil; sustentabilidade exige novas funções
Complexo eólico em Caetité (BA) Foto Dida Sampaio Estadão
A qualidade da matriz energética, com quase 50% de energia renovável, e o potencial da economia verde podem alavancar o desenvolvimento do Brasil nos próximos anos, com uma geração de emprego mais sustentável. Para se ter ideia, hoje o País já responde por 10% de todos os empregos verdes no mundo, ocupando a segunda colocação entre os maiores empregadores da indústria de biocombustíveis, solar, hidrelétrica e eólica.
O mercado brasileiro perde apenas para a China, que tem 42% dos 12,7 milhões de postos de trabalho do planeta, segundo dados da Agência Internacional de Energia Renovável (Irena), compilados pela Confederação Nacional da Indústria (CNI). A expectativa é de que, até 2030, as energias renováveis criem 38,2 milhões de empregos no mundo.
Os cálculos consideram uma transição energética ambiciosa e a aceleração de novos investimentos para reduzir o aquecimento global do planeta. No Brasil, além da eólica e da solar, há a aposta no hidrogênio verde – área em que o País pode se tornar líder mundial – e no comércio do crédito de carbono.
“O potencial do trabalho verde no Brasil é enorme, seja pelo tamanho da economia ou pelo fato de ser o lar de ecossistemas dos mais relevantes do planeta, rico em recursos naturais e biodiversidade”, diz o economista sênior da divisão de Mercados de Trabalho e Seguridade Social do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Oliver Azuara.
Para ele, o benefício de “enverdecer” a economia no Brasil será maior do que em qualquer parte do mundo. Isso porque o potencial de crescimento das fontes renováveis, ao contrário de outras partes do mundo, ainda é muito alto no País. No setor eólico, por exemplo, a energia offshore (em alto-mar) nem começou a ser explorada ainda, mas tem potencial de 700 mil MW no País. Cada MW de energia offshore gera 17 postos de trabalho ao longo de 25 anos de vida útil de um projeto.
Na eólica convencional, em terra, esse número é um pouco menor: 11,7 empregos por MW instalado. A expectativa é de que, nos próximos dez anos, o setor acrescente no mínimo 3 mil novos MW por ano (em 2022, serão 5 mil MW), diz a presidente da Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeeólica), Elbia Gannoum. Isso significa cerca de 35 mil novos postos de trabalho anuais.
No setor solar, hoje o que mais cresce no Brasil e no mundo, a geração de empregos em toda cadeia ultrapassou os 170 mil postos em 2021, e pode superar os 200 mil neste ano, segundo o presidente da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar), Rodrigo Sauaia. Segundo ele, 60% dos empregos do setor vêm da instalação de sistemas – empregos de nível técnico, com renda média de dois salários mínimos e carteira assinada. Outros 40% vêm da fabricação de componentes, projetos, engenharia, administração, comercial, vendas e marketing.
Maiores empregadores
Apesar de as novas fontes serem as que mais acrescentam postos de trabalho hoje em dia, em termos consolidados são os biocombustíveis e as hidrelétricas que empregam mais no Brasil, segundo a Irena. De 1,27 milhão de empregos verdes, 68% vêm da indústria de combustíveis sustentáveis e 14%, das usinas hídricas – duas áreas tradicionais no setor energético desde os anos 60 e 70.
“O País já se encontra em posição de vanguarda nesse tema em relação às demais nações, e segue uma trajetória sustentável, ampliando cada vez mais o uso de fontes limpas, como eólica e solar, além de apostar em novas tecnologias, como o hidrogênio verde”, diz o gerente executivo de Meio Ambiente e Sustentabilidade da CNI, Davi Bomtempo.
O potencial de investimento do produto é de US$ 200 bilhões até 2040 no Brasil. Só em Pecém (CE), três empresas anunciaram investimentos de US$ 14 bilhões em planta de hidrogênio verde. Outro destaque é o crédito de carbono. A consultoria Mckinsey estima que, para cada dólar proveniente dos benefícios da ação climática, a comunidade local recebe um retorno socioambiental líquido de US$ 1 a US$ 4 em termos de criação de empregos, desenvolvimento local e serviços de ecossistema.
“Esse impacto se traduz na geração de 550 mil a 880 mil empregos líquidos por ano através de projetos de restauração, agroflorestas e REDD+ (incentivo para compensar países em desenvolvimento por medidas de redução de emissões)”, diz o sócio e líder da prática de sustentabilidade da McKinsey, Henrique Ceotto. Segundo ele, 57% desses empregos são diretos e concentrados no local de implementação dos projetos. O executivo afirma ainda que profissionais com experiência no mercado de carbono voluntário estão com demanda alta (O Estado de S.Paulo, 4/12/22)
“Será preciso criar novas funções ligadas à sustentabilidade”, diz economista do BID
Oliver Azuara vê o Brasil em posição de destaque na área, mas será preciso capacitação.
O economista sênior do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Oliver Azuara, da divisão de Mercados de Trabalho e Seguridade Social do BID, fez recentemente um estudo com o LinkedIn sobre empregos verdes na América Latina. Ele vê o Brasil em posição de destaque na área, mas alerta para a necessidade de capacitação. Veja a entrevista:
Qual o potencial do trabalho verde no Brasil?
É enorme, já que no País confluem dois fatores muito importantes: o tamanho da própria economia, das maiores do mundo, e o fato de ser lar de ecossistemas dos mais relevantes do planeta, rico em recursos naturais e biodiversidade. Falamos de um segmento crucial diante da necessidade de formarmos economias mais sustentáveis. Para isso, será preciso melhorar os processos produtivos já existentes e criar novas funções ligadas à descarbonização e à sustentabilidade. Tudo isso requer profissionais qualificados, e o mercado de trabalho brasileiro já registra aumento dessa demanda.
Há profissionais suficientes?
De acordo com os dados do LinkedIn compilados pelo BID, o Brasil já é o País com maior taxa de contratação para emprego verde dentre as grandes economias da América Latina. É também o País que registrou a maior taxa de crescimento nesse segmento depois do desemprego produzido pela pandemia. Ainda assim, é possível detectar que há espaço para acelerar o crescimento dos empregos verdes no Brasil: a expansão neste setor é menos rápida do que no mercado de trabalho de maneira geral. E essa é uma lógica transversal a toda economia. É o caso de engenheiros especializados em painéis solares, mas também de profissionais de outras áreas que se destacarão se souberem “enverdecer” sua maneira de atuar. Por exemplo, um gerente de logística que traça rotas de entregas de produtos levando em conta as necessidades de diminuir a pegada de carbono.
Hoje, o País detém 10% dos empregos verdes do mundo. O que isso representa?
Representa uma vantagem competitiva para o País, mas também alguns desafios. No Brasil e na América Latina em geral, o crescimento do emprego verde ainda é menos veloz do que poderia ser e está concentrado em algumas indústrias apenas. O País tem a chance de incrementar a demanda e a oferta de talento verde no nível requerido para alcançar os objetivos climáticos e de sustentabilidade.
Quais os empregos verdes mais demandados?
O estudo traz achados interessantes do LinkedIn com relação ao “nível de penetração de habilidades verdes”. No Brasil, destacam-se a Agricultura, os Serviços Corporativos e a Manufatura. Também temos dados do crescimento de habilidades verdes reportadas pelos usuários. Entre 2015 e 2020, no Brasil houve expansão em profissionais que se apresentam como capacitados em Serviços Ambientais, Reconhecimento de Riscos e Plantação de Árvores (O Estado de S.Paulo, 4/12/22)
Quais os empregos verdes em ascensão no mercado; capacitação precisa aumentar no País
Analistas dizem que profissionais precisam pensar em novas especializações para se encaixar no novo mercado.
Após 18 anos trabalhando como vendedor de medicamentos oncológicos, Ronaldo Ramos, de 51 anos, mudou os rumos de sua vida profissional. Em 2020, com a pandemia, as vendas despencaram por causa do isolamento social. Em casa, com todos em home office, os gastos aumentaram, incluindo o consumo de energia. Apesar disso, o valor da conta de luz não se alterou. “Tinha placas solares no meu telhado e vi as vantagens dessa decisão. Percebi que poderia ser um negócio a se pensar.”
Ramos começou a estudar o assunto, fez curso de instalação de painéis e virou franqueado de uma empresa. Hoje, ele trabalha com energia solar, negócio que mais cresce no mundo todo. “Quero continuar nesse ramo. Meu objetivo é estudar e me aprofundar em energia renovável, como usar turbina eólica em casa.” O profissional reclama, no entanto, da escassez de cursos sobre o tema.
Esse é um alerta que muitos especialistas têm feito: com um futuro baseado na economia verde, será necessário pensar em novas especializações. “Estamos vivendo um período de mudanças profundas, com novas tecnologias digitais na indústria e a substituição dos combustíveis, o que exige novas habilidades”, diz o diretor de Operações do Senai, Gustavo Leal.
Ele afirma que, há cinco anos, a entidade começou a ampliar o portfólio de cursos em energias renováveis. Entre 2017 e 2020, o número de matrículas subiu de 169 para 3.786. Neste ano, foram 9.655. Os cursos mais procurados são de instalador de sistemas fotovoltaicos e consumo consciente de energia.
Ronaldo Ramos trocou a venda de medicamentos pela venda e instalação de painéis. Foto: Werther Santana/Estadão
Mas há capacitações voltadas para eólicas, açúcar e álcool e mobilidade elétrica. A instituição vai oferecer também curso para a área de hidrogênio verde, para formar profissionais que queiram atuar em várias etapas da produção, transporte e distribuição do novo combustível.
Além das energias renováveis, outros setores também podem entrar nessa classificação de emprego verde, como os segmentos de transportes que usem energia limpa e contribuam para a redução das emissões de gases de efeito estufa.
Para quem tem interesse em ter um emprego verde, a orientação é fazer cursos de capacitação. Um engenheiro pode se tornar um projetista de sistema fotovoltaico se conhecer o setor, por exemplo. O presidente da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar), Rodrigo Sauaia, diz que há uma carência na formação de pessoas para trabalhar com energias renováveis. “Depois de formados, esses profissionais precisam fazer uma complementação para conhecer as áreas (como solar e eólica).”
O Senai oferece cursos para técnicos em sistemas de energia renovável, especialista em sistemas fotovoltaicos, técnicas de manutenção de sistemas elétricos de aerogeradores e profissional em legislação ambiental e segurança aplicada a parques eólicos.
Novos cargos
Outros cargos que serão demandados nos próximos anos são profissionais ligados à produção e manejo florestal; geração e distribuição de energias renováveis; gestão de resíduos e de riscos ambientais; e transportes coletivos alternativos ao rodoviário e aeroviário.
Segundo o sócio e líder da prática de sustentabilidade da McKinsey, Henrique Ceotto, o mercado de crédito de carbono, por exemplo, vai exigir um amplo programa de capacitação cobrindo áreas operacionais (operação de viveiros), técnico (monitoramento) e superiores (engenheiros florestais).
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Também é importante pensar no “reskilling” (reabilitação) e “upskilling” (aprimoramento) das ocupações atuais. Não existe uma solução única, mas o ponto de partida é reconhecer o perfil de cada profissional, entendendo onde o impacto positivo pode ser maior, diz o economista do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) Oliver Azuara.
O estudo feito por Azuara com o LinkedIn mostra que, entre 2015 e 2020, houve no Brasil uma expansão de profissionais que se apresentam como capacitados em serviços ambientais, reconhecimento de riscos e plantação de árvores. Depois da pandemia, as contratações verdes subiram ainda mais no País (O Estado de S.Paulo, 4/12/22)