03/08/2018

Empresas do agronegócio avaliam ter frota própria contra tabela do frete

Empresas do agronegócio avaliam ter frota própria contra tabela do frete

Produtores já consultam montadoras, mas ainda aguardam definição do STF sobre impasse.

O tabelamento do frete, adotado pelo governo para acabar com a paralisação dos caminhoneiros, elevou o custo do transporte de carga em todos os setores e já é considerado um elemento crítico no agronegócio.

Para contornar esse choque de preços, produtores agropecuários de diferentes portes avaliam alugar ou até ampliar a frota de veículos de carga.

"Com essa nova política de preços, as despesas com o transporte quase duplicaram. As empresas estudam alugar veículos e até mesmo comprar caminhões como alternativa para reduzir o custo com o transporte", diz o presidente da Associação Nacional dos Usuários do Transporte de Carga (Anut), Luís Henrique Teixeira Baldez.

Como o transporte é um custo básico, até a fixação de preços da próxima safra está atrasada porque os produtores aguardam uma definição do STF (Supremo Tribunal Federal) em relação à constitucionalidade do tabelamento.

Se for mantido, o analista sênior de agronegócio do Itaú BBA, Guilherme Bellotti, prevê a verticalização da operação de transporte, com produtores comprando caminhões.

A Cargill, uma das maiores comercializadoras de grãos do mundo, com forte presença no Brasil, já considera contratar seus próprios motoristas para o transporte de grãos na próxima safra de soja.

"Com o tabelamento, indústrias e exportadores terão de repensar a forma como irão operar no Brasil, pois se cria ruptura no funcionamento natural da cadeia de suprimentos e desequilibra contratos", diz o diretor de grãos e processamento da Cargill para América Latina, Paulo Sousa, em nota.

 

O executivo considera ainda que as indústrias de processamento de produtos agrícolas e as empresas exportadoras serão obrigadas a mudar seu modelo de atuação.

Em vez de comprar os grãos com a retirada nas fazendas ou nos armazéns no interior, serão forçadas a comprar somente com entrega nas fábricas e nos portos.

"Pequenos produtores e produtores rurais da agricultura familiar serão forçados a se organizar em cooperativas de frete, com suas frotas próprias, ou perderão competitividade", diz o executivo.

 

Há 30 dias, a cooperativa agrícola Coamo, uma das maiores do país, comprou 151 caminhões para renovar a frota e também aguarda o STF.

"A compra de caminhões já estava programada para aumentar a frota e substituir veículos mais antigos, mas não descartamos a aquisição de mais unidades", afirma José Aroldo Galassini, presidente da Coamo.

A cooperativa tem 780 unidades em frota própria, 450 caminhões dedicados com a garantia de frete de ida e volta durante o ano inteiro. No pico da colheita, contrata das transportadoras até 2.000 veículos por dia.

A JBS, maior empresa do setor de carnes no mundo, já deu um primeiro passo. Tem frota particular e decidiu ampliar o número de veículos. Foram adquiridos 360 caminhões.

"A decisão está amparada na estratégia de uma operação sustentável, que garanta a produção e oferta de produtos, reduzindo os impactos de custo causados pela aplicação do tabelamento do frete rodoviário", diz a empresa em nota.

O presidente do Sistema Ocepar, José Roberto Ricken, conta que muitas empresas já não estão entregando os insumos nas fazendas e os próprios agricultores têm de buscar produtos para dar início ao plantio da próxima safra.

A Ocepar é uma cooperativa que responde por cerca de 60% da produção agrícola do Paraná. Ela recebe os produtos, embala e faz a distribuição.

 

A maior parte do translado de mercadorias é feita por caminhoneiros terceirizados, mas Ricken estima que será preciso adquirir mais caminhões para depender menos dos terceirizados.

Com o envio de 4 milhões de sacas de cafés por ano para o porto de Santos (SP), a cooperativa Cooxupé viu o preço do frete neste trajeto aumentar 37% desde que foi instituído o tabelamento.

A cooperativa tem 14 mil produtores que entregam suas produções em 17 filiais.

"Sem uma solução, vamos ter de partir para a frota própria e, para isso, precisaríamos de cerca de 50 veículos", diz o presidente da Cooxupé, Carlos Paulino.

Uma eventual compra em bloco de caminhões pelo setor agrícola movimentaria os negócios das montadoras, que contabilizaram alta de 51,67% nas vendas no primeiro semestre deste ano na comparação com o mesmo período do ano passado.

Essa expansão não é reflexo da paralisação dos caminhoneiros, uma vez que o prazo entre a encomenda de um caminhão e a sua entrega é de até cinco meses.

Esse movimento começou em outubro de 2017 durante a Fenatran (Salão Internacional do Transporte de Carga) e está baseado na expectativa de aumento do PIB (Produto Interno Bruto) e na renovação de frota.

O vice-presidente de marketing da Mercedes-Benz do Brasil, Roberto Leoncini, explica que nos últimos dois meses verificou um movimento de pequenos produtores de milho e trigo adquirindo algumas unidades de caminhões.

"Mas, de um modo geral, o que vemos é que o nível de consulta aumentou após a entrada em vigor do frete mínimo, mas não se refletiu em encomendas porque as empresas ainda aguardam a decisão do STF para definir sobre a frota própria", diz Leoncini.

O presidente da MAN Latin America, Antonio Roberto Cortes, concorda que por enquanto ainda não há reflexo do tabelamento na venda de caminhões.

"As empresas estão fazendo contas para saber se é melhor ter frota própria ou terceirizada. Ainda é cedo para refletir em compras. Tudo vai depender da decisão do STF", diz Cortes.

O presidente do Sindilat (Sindicato da Indústria de Laticínios e Produtos Derivados do Rio Grande do Sul), Alexandre Guerra, afirma que o custo do frete para o setor de leite aumentou entre 20% e 100%, dependendo da região.

"Dependemos exclusivamente do transporte rodoviário, e o que não conseguirmos negociar com essa elevação dos custos por causa do tabelamento será repassado ao consumidor e isso pode levar à inflação", avalia Guerra.

No caso da soja, o presidente-executivo da Abiove (Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais), André Nassar, estima que o produto deve ficar até 30% mais caro dependendo da rota e da época do ano.

"O ideal seria acabar com o tabelamento, mas caso isso não ocorra é necessário que haja uma tabela mais compatível com o mercado", diz Nassar.

O movimento das empresas de adotar frota própria não preocupa a categoria dos caminhoneiros, conforme afirma Wallace Landim, o Chorão, que liderou manifestações durante a paralisação.

"É uma forma de pressionar e ameaçar, mas acho muito difícil isso se efetivar, porque é inviável para a empresa arcar com os altos custos da contratação de caminhoneiros pela CLT [Consolidação das Leis do Trabalho]", afirma Chorão.

Para ele, o volume transportado é muito grande e mesmo que algumas empresas adquiram frota própria não será suficiente para atender à demanda.

"Alguns vão comprar, mas será uma parcela pequena", diz (Folha de S.Paulo, 3/8/18)