13/03/2023

EUA anunciam plano para conter crise gerada por falência do SVB

EUA anunciam plano para conter crise gerada por falência do SVB

SVB - Imagem Dado Ruvic Reuters

 

Fed cria programa para socorrer instituições financeiras; reguladores anunciam fechamento de banco Signature, de Nova York.

Autoridades americanas anunciaram neste domingo (12) que todos os clientes do Silicon Valley Bank (SVB), que entrou em colapso na última sexta-feira (10), poderão sacar seus depósitos integralmente.

Correntistas do Signature, banco de Nova York cuja falência foi anunciada dois dias após o SVB, também terão seus depósitos garantidos.

Simultaneamente, o Fed (Federal Reserve, o banco central americano) anunciou a criação de um programa emergencial para financiar instituições financeiras, de modo a garantir que elas possam "atender as necessidades de todos os seus clientes".

O presidente americano, Joe Biden, elogiou o plano em um comunicado. "Eu estou firmemente comprometido com a responsabilização dos culpados por essa bagunça e com a continuidade dos nossos esforços para fortalecer o monitoramento e a regulação de bancos maiores para que nós não nos encontremos nessa posição novamente", disse.

Biden afirmou ainda que vai comentar na manhã desta segunda as medidas anunciadas.

O objetivo do plano é conter o impacto da falência do SVB —a segunda maior de um banco desde a crise de 2008— sobre o sistema financeiro.

O caso disparou o alerta de que outras instituições financeiras podem sofrer destino semelhante, conforme os juros em alta pressionam o setor bancário. Para combater a inflação, o Fed vem aumentando a taxa, o que afeta negativamente o valor de títulos detidos por instituições financeiras.

Um dos maiores temores de autoridades e economistas é que a desconfiança de correntistas quanto a saúde financeira de seus bancos, especialmente os regionais (de menor porte, caso do SVB, focado em startups, e do Signature), leve a uma disparada de saques fatal para as instituições.

Nesse cenário, haveria uma crise generalizada do sistema financeiro, com o colapso de diversos bancos —horizonte catastrófico que os EUA se apressaram para combater antes da reabertura dos mercados, nesta segunda (13).

Por isso, além da garantia aos depósitos, foi anunciado pelo Fed um instrumento de socorro a bancos em apuros.

O programa, bancado por US$ 25 bilhões que o Tesouro previa originalmente usar para estabilização cambial, mas hoje apropriado com frequência pelo Fed em tempos de crise, oferecerá empréstimos de um ano a bancos, cooperativas de crédito e outras instituições elegíveis, em troca de títulos do Tesouro americano e títulos lastrados em hipotecas, entre outros.

Esses ativos serão precificados pelo seu valor original, o que pode funcionar como uma rota de fuga para instituições financeiras que viram o valor dos títulos detidos por elas, comprados quando os juros eram baixos, despencar conforme o Fed subiu as taxas. Caso elas tenham que resgatar esses investimentos agora, incorrerão em perdas.

Em um comunicado conjunto assinado por Fed, Departamento do Tesouro e FDIC (a seguradora federal de depósitos dos EUA), as autoridades ressaltaram que nenhum prejuízo associado ao caso será bancado pelo contribuinte —após a crise de 2008, o socorro do governo aos bancos com dinheiro público foi fortemente criticado.

 

"O sistema bancário americano segue resiliente e sobre fundação sólida, em grande medida em razão das reformas que foram feitas após a crise financeira, que garantiram salvaguardas melhores para o setor financeiro", afirmam as instituições no texto.

"Essas reformas combinadas com as ações anunciadas hoje [domingo] demonstram nosso compromisso com os passos necessários para garantir que as economias de clientes continuem seguras", completam.

A garantia de cobertura integral dos depósitos nas instituições falidas foi anunciada após a FDIC assumir o SVB na sexta, o que colocou cerca de US$ 175 bilhões sob controle da agência reguladora.

Correntistas com depósitos no valor de até US$ 250 mil são cobertos pela seguradora, mas o SVB tem um grande número de contas que ultrapassa esse limite —e não havia garantia de que esse público receberia integralmente seu dinheiro após a falência.

Essa perspectiva tumultuou o setor bancário ao longo do fim de semana, levando o governo a tentar vender o banco a um comprador privado ou criar alguma outra solução.

Com US$ 209 bilhões em ativos, o SVB era o 16º maior banco dos EUA, o que torna pequena a lista de possíveis compradores capazes de fechar negócio em poucos dias.

A história do Silicon Valley Bank (SVB)

Quando os bancos IndyMac e Washington Mutual colapsaram em 2008, a FDIC encontrou compradores para os ativos e manteve os depósitos dos clientes intactos.

As medidas anunciadas foram possíveis por meio de uma exceção que prevê que a FDIC pode incorrer em prejuízos caso exista uma ameaça ao sistema financeiro. Em geral, a diretriz do órgão é resolver uma falência bancária do modo mais barato o possível.

As agências afirmaram que quaisquer perdas para a seguradora ao ressarcir clientes sem cobertura serão recuperadas por uma análise especial dos bancos, "como exigido por lei".

O SVB entrou em colapso depois que clientes receosos começaram a retirar seus depósitos. A falência disparou um alerta no mercado, levando à maior cautela, o que resultou em perdas de mais de US$ 100 bilhões em valor por bancos dos Estados Unidos na última semana.

Mais cedo no domingo, antes do anúncio do plano, Janet Yellen, secretária do Tesouro dos EUA, descartou um resgate de grandes proporções. "Durante a crise financeira [de 2008], houve investidores e bancos grandes que foram resgatados, e as reformas que foram feitas significam que não vamos fazer isso de novo", disse, à CBS.

"Mas estamos preocupados com os correntistas e focados em tentar atender às suas necessidades", disse, sem dar mais detalhes sobre a ajuda (The New York Times, 13/3/23)


Entenda o que é o bilionário tombo do Silicon Valley Bank

LOGO SVB -Nathan Frandino Reuters

O SVB foi criado em 1983 e tinha sede em Santa Clara, na Califórnia, Estados Unidos. 

 Por Jack Kelly

Até agora, valor de mercado despencou de US$ 16,8 bilhões no final da semana passada, para cerca de US$ 6,3 bilhões

 

 

As consequências do problemático Silicon Valley Bank podem afetar adversamente o mercado de trabalho, principalmente nos setores de capital de risco, startup e criptomoeda, onde o SVB era um credor e banqueiro proeminente. Com a atual recessão do colarinho branco, esse medo provavelmente fará com que as empresas adiem as contratações e continuem demitindo trabalhadores para cortar custos, apenas no caso de as coisas piorarem.

 

 

A saga começou quando o SVB se deparou com a nova realidade de juros mais altos. O SVB enfrentou risco de taxa de juros em US$ 91 bilhões (R$ 475 bilhões) em títulos e, em seguida, anunciou uma liquidação de sua carteira de títulos de US$ 21 bilhões (cerca de R$ 110 bilhões), incorrendo em enormes perdas de cerca de US$ 1,8 bilhão (R$ 9,4 bilhões), segundo o Financial Times.

 

O banco anunciou planos para levantar cerca de US$ 2,3 bilhões (R$ 12 bilhões) em capital novo para permanecer solvente e manter as portas abertas. As agências de crédito reduziram as classificações de crédito do SVB, fazendo com que as ações caíssem mais de 60% na quinta-feira (9).

 

Enquanto isso, os clientes estavam ficando preocupados para sacar seu dinheiro, já que a Federal Deposit Insurance Corporation cobre apenas valores de até US$ 250 mil (cerca de R$ 1,3 milhão). Se o SVB quebrasse, seria a segunda maior falência de um banco na história dos Estados Unidos.

 

Capital de criptomoedas do Silvergate

O colapso repentino de um dos principais bancos do mercado de criptomoedas, o Silvergate Capital, mostrou o que acontece quando os depositantes ficam preocupados e retiram seu dinheiro.

 

 

Os clientes do Silvergate retiraram seus fundos do banco, em pânico com o impacto da implosão épica da outrora grande exchange de criptomoedas FTX em 2022. O Silvergate incorreu em uma perda de cerca de US$ 886 milhões (R$ 4,6 bilhões) quando a instituição financeira vendeu títulos à medida que os depósitos deixaram o banco. A situação precária resultou no fechamento do banco Silvergate.

 

O que é o Silicon Valley Bank hoje

O SVB está em negociações para ser vendido, segundo a CNBC. As tentativas de levantar capital falharam, e o banco contratou consultores para explorar uma possível venda. Grandes instituições financeiras estão considerando uma possível compra do SVB.As ações do SVB caíram 80% em relação ao recorde no final de 2021, porque as taxas de juros aumentaram, prejudicando o modelo de negócios da instituição, informou o Barron’s.

 

A dramática queda do valor de mercado do banco foi atribuída à venda de ativos, em resposta à queda nos depósitos e ao influxo de grandes saques.

 

O CEO do SVB, Greg Baker, pediu que as cabeças mais frias prevalecessem, ao divulgar uma perda de US$ 1,8 bilhão (R$ 9,4 bilhões) e a necessidade de levantar US$ 2,25 bilhões (R$ 11,7 bilhões) em capital novo para a instituição. Ele pediu que seu capital de risco, ativos digitais e clientes iniciantes adiassem suas retiradas.

 

Os desafios do SVB aumentaram quando a instituição precisou vender títulos para alterar sua carteira de investimentos e realinhá-la com as mudanças provocadas pelos efeitos das taxas de juros mais altas.

 

 

O banco ostentava um valor de mercado de US$ 16,8 bilhões (R$ 87,6 bilhões) no final da semana passada e, na quinta-feira (9), o valor de mercado do banco despencou para cerca de US$ 6,3 bilhões (R$ 32,9 bilhões), com expectativas de que o valor das ações continuará em declínio, a menos que medidas sejam rapidamente adotadas para reverter a situação.

 

Os investidores, agora, estão preocupados que bancos muito maiores possam ter que fazer o mesmo. As ações das gigantes instituições financeiras caíram na quinta-feira (9), incluindo as maiores das grandes corporações: JPMorgan Chase e Bank of America.

 

O banco de investimentos Morgan Stanley disse que os problemas no SVB são “altamente idiossincráticos” e que suas dificuldades provavelmente não se espalharão por todo o ecossistema bancário.

 

Como tudo isso aconteceu, então?

Tudo estava indo bem, até que o Federal Reserve Bank começou a aumentar agressivamente as taxas de juros. Isso fez com que o valor dos investimentos em títulos do SVB despencasse, pois havia muitas outras alternativas para os investidores comprarem títulos de curto prazo ou mercados monetários com rendimentos de 3% ou +5%.

 

O SVB anunciou que havia vendido US$ 21 bilhões (R$ 109,5 bilhões) de seu portfólio com uma perda de quase US$ 2 bilhões (R$ 10,4 bilhões) e decidiu levantar US$ 2,25 bilhões (R$ 11,7 bilhões) em ações e dívidas para manter as portas abertas. A mudança repentina nos negócios pegou os investidores de surpresa.

 

 

As ações de combate à inflação do Fed – aumento das taxas de juros – fizeram com que o valor dos títulos existentes, que ofereciam pagamentos de renda mais baixa aos detentores de títulos, diminuíssem à medida que os investidores se moviam para mercados monetários de maior rendimento, como CDs e títulos do tesouro.

 

Os bancos que possuem uma grande quantidade de títulos de baixo rendimento podem estar sujeitos às suas próprias perdas consideráveis não realizadas (o dinheiro não é perdido até que o título seja vendido por menos do que o valor que foi comprado).

 

O FDIC, entidade do governo dos Estados Unidos responsável por garantir depósitos, realiza exames e supervisão de instituições financeiras para garantir segurança, solidez e proteção ao consumidor, informou que as perdas não realizadas dos bancos dos Estados Unidos em títulos disponíveis para venda, e mantidos até o vencimento, totalizaram um valor significativo de US$ 620 bilhões (R$ 3,234 trilhões) em 31 de dezembro, antes do início dos aumentos de juros do Fed.

 

O imediato contágio do mercado

Os quatro maiores bancos dos EUA – Citigroup, Wells Fargo, Bank of America e JPMorgan – perderam coletivamente US$ 52 bilhões (R$ 271,3 bilhões) em valor de mercado na quinta-feira (9), e o KBW Nasdaq Bank Index viu seu maior declínio desde o início da pandemia, relatou o Wall Street Jornal. O JPMorgan perdeu cerca de US$ 22 bilhões (R$ 114,8 bilhões), o Bank of America US$ 16 bilhões (R$ 83,5 bilhões), o Wells Fargo US$ 10 bilhões (R$ 52,2 bilhões) e o Citigroup US$ 4 bilhões (R$ 20,1 bilhões).

 

Um índice financeiro que serve como um termômetro para o setor bancário, o SPDR S&P Regional Banking ETF, caiu mais 1,5% ontem (10), após uma queda de 8% na quinta-feira. O Financial Select SPDR Fund caiu 1,25%, após uma queda de 4%.

 

 

A CNBC informou que o Signature Bank, outra instituição financeira adjacente ao setor de criptomoedas, caiu 12% na quinta-feira. O First Republic Bank caiu 17% também na quinta. Charles Schwab, uma plataforma de investimento conservadora de longa data, respeitada e autodirigida, caiu 13%. O JPMorgan Chase caiu 5% na quinta.

 

No Twitter financeiro, houve um intenso debate entre capitalistas de risco, investidores e executivos de startups. Muitos pediam que cabeças mais frias prevalecessem e apoiassem o SVB, já que o banco estava se acomodando aos VCs, startups e plataformas de criptomoedas. Outros disseram que seria prudente diversificar e retirar alguns ou todos os depósitos do banco com muita cautela fiduciária.

 

O que esperar, por enquanto

Já se viu na história uma recessão do colarinho branco precipitada pelas mudanças provocadas pela alta inflação, aumento das taxas de juros e custos de quase tudo subindo. Setores sensíveis ao aumento das taxas de juros, como tecnologia, startups, Wall Street e imóveis, sofreram grandes demissões e congelamentos de contratações.

 

À luz da incerteza, causada por um potencial efeito cascata decorrente dos problemas nas instituições financeiras, as empresas provavelmente frearão as contratações e reforçarão seus planos de redução de pessoal para cortar despesas. Como o SVB atende aos setores de criptografia, startup e VC, é razoável concluir que essas áreas serão altamente impactadas (Jack Kelly é colaborador da Forbes EUA, CEO, fundador e recrutador de executivos em uma das maiores e mais antigas empresas globais de pesquisa, com mais de 20 anos de mercado, traduzido por V.Ondei; Forbes, 11/3/23)


Como a quebra do banco SVB pode afetar o Brasil

Por Vinicius Torres Freire

Quebra ocorreu à moda antiga, o que pode afetar menos o restante da economia, lá e aqui.

quebra do Banco do Vale do Silício (SVB) foi má notícia também para o Brasil, que começava a discutir baixas nas taxas de juros. O impacto, até agora muito pequeno, vai passar logo?

Pode ser uma espuma azeda que se dissipe em dias. Outras quebras de bancos médios podem azedar o caldo. Mesmo que não sobrevenham mais falências, pode haver impacto na confiança econômica e efeitos negativos extras na rentabilidade dos bancos americanos. Para uma economia que raspa no risco de recessão, não é boa coisa. Mas era esperado. Altas de juros costumam provocar acidentes.

Até agora, analistas razoáveis não acreditam em crise relevante. Podem estar errados, o que não é raro. No entanto, o modo pelo qual o SVB foi à breca sugere que o problema pode ser limitado, ainda que muito banco esteja perdendo dinheiro pelos mesmos motivos do colega da Califórnia.

O SVB quebrou à moda antiga. Não afundou por causa de engenharias financeiras complicadas, malucas ou fraudulentas, em rede, incentivadas pela cumplicidade do sistema de regulação, supervisão e avaliação de riscos, público e privado, como em 2008.

Os depositantes do SVB eram startups e firmas ("venture capital") que investem no desenvolvimento dessas empresas inovadoras, talvez um futuro Google, como eles gostam de dizer.

Durante a segunda onda de juros baixíssimos deste século, na epidemia, startups levantaram muito capital, que depositavam no SVB, banco tradicional do setor. Desde fins de 2022, com o refluxo da mania "tech" e juros em alta, empresas passaram a sacar do SVB ou a exigir rendimento maior para seus depósitos.

Não precisa ser um drama. Mas a base de clientes do SVB era pouco variada: afetados pelo mesmo problema, ao mesmo tempo. Para piorar, o SVB mantinha mais de metade de seus haveres, ativos, investidos em títulos do governo (ou em títulos que rendem pagamentos de financiamento imobiliário, hipotecas, garantidas pelo governo), de longo prazo. Muito banco americano tem ativos desse tipo. Mas não colocou tantos ovos na mesma cesta, tem rendimentos de outras fontes, base de clientes diversa etc. O SVB era um exagero em várias frentes.

O banco comprara os títulos quando os juros eram muito baixos (o que significa exatamente dizer que seus preços estavam altos). Com a alta das taxas, esses títulos perderam valor. Se não precisasse vendê-los, não haveria prejuízo na prática (embora o valor de mercado desses títulos fosse sinal de problema no balanço).

O SVB teve de vender, a fim de cobrir saques. O prejuízo, embora relativamente pequeno, e a notícia de que o banco tentaria levantar mais capital (vender ações) enervou depositantes. Uma firma de "venture capital" recomendou que seus sócios, startups, sacassem do SVB. Da quinta para a sexta-feira, o banco perdeu um quarto dos depósitos, dizem relatos da mídia americana. Fim.

Ainda não se sabe o tamanho do calote. Por ora, quem tem mais de US$ 250 mil em depósitos (que não é coberto pelo fundo garantidor, a grande maioria dos depósitos) vai ficar com seus dinheiros congelados. Não têm como pagar empregados e fornecedores. Talvez nunca mais vejam a cor de parte do dinheiro. Startups irão à breca. Uma grande firma de criptomoeda com depósito no SVB (que ironia) vai sofrer.

Talvez o SVB seja vendido para um banco maior, um alívio. Gente do mundo "tech" já pede ajuda do governo. Bidu.

A desconfiança causada pela quebra do SVB pode provocar corridas contra outros bancos pequenos e médios. Juros subiram nos EUA (e aqui, por tabela). Os próprios analistas americanos não conseguem chutar o tamanho do contágio. Aqui e lá fora, vamos ter pelo menos dias de tensão (Folha de S.Paulo, 12/3/23)