Fundos de investimentos escolhem o agro para plantar dinheiro
moedas brotando Foto site MAPA
Por Vera Ondei
Eles estão de olho na população mundial das próximas décadas que demandará cada vez mais por alimentos saudáveis, sadios e sustentáveis.
Alguns dos principiais fundos de investimentos estão comprando empresas e startups, apostando em inovação… e lucrando. Nos últimos anos, esse movimento tem se intensificado, e a previsão de especialistas é de que ele vai continuar, pois as oportunidades seguem florescendo no agro brasileiro, um dos setores mais sólidos de nossa economia, agora e nas próximas décadas. Fundos como Aqua Capital, SK Tarpon, Land Innovation Fund, SP Ventures, Bossa Nova e Agroven têm diferentes abordagens de mercado, mas um mesmo foco em mente: a produção de alimentos no Brasil tem grande relevância para o planeta e eles não querem ficar fora do jogo.
Nesse contexto, grupos já estruturados e dos mais variados matizes passaram a olhar com afinco o setor do agronegócio. Como a SK Tarpon, em busca de novas oportunidades, ou o Land Innovation Fund, criado pela gigante norte-americana Cargill com o propósito de monitorar a cadeia da soja, o mais importante grão da pauta de exportação do Brasil e seus vizinhos da América do Sul. A SK Tarpon, dos empreendedores investidores Marcelo Lima, Pedro Faria, Vasco Oliveira, Zeca Magalhães e Artur Tacla, que já investiu algo próximo de R$ 16 bilhões em cerca de 65 companhias desde o início de suas atividades, há duas décadas, mudou sua estrutura de governança dois anos atrás e formatou grupos autônomos de atuação. Para o agro, criou a gestora 10B, em parceria com um grupo de investidores liderados por Edsmar Carvalho Resende, descendente de agropecuaristas que cultivam grãos e criam gado em Goiás e Mato Grosso.
A 10B, em referência aos bilhões de habitantes que o mundo terá em 2050, atua em negócios de pecuária de leite e corte com a Ideagri, OnFarm e Rúmina, em armazenagem com a Kepler Weber e em insumos biológicos com a Agrivalle. “No setor leiteiro, 15% do leite do Brasil passa pelas nossas mãos, com as soluções tecnológicas. São praticamente 5 mil fazendas como clientes, sendo que, dos 100 maiores produtores do país, 65 são clientes”, afirma Resende. O Brasil, o quarto maior no ranking global, produziu 35,4 bilhões de litros de leite em 2020.
Ao fornecer seu e-mail, você concorda com a Política de Privacidade da Forbes Brasil.
Na Agrivalle, um dos maiores projetos do país para a produção de insumos biológicos em escala, como fertilizantes especiais para controle biológico, inoculantes e adjuvantes, a mais recente decisão foi dobrar os investimentos para R$ 70 milhões na construção de uma fábrica que vem sendo erguida em Indaiatuba, município próximo à capital paulista, com a primeira fase em operação prevista para janeiro. “Se a gente tiver uma nova Embraer para surgir, ela vai nascer desse mercado de bioinsumos que trabalha com economia verde, circular e de carbono”, diz Resende.
O aporte adicional anunciado de R$ 35 milhões foi para aumentar a quantidade de biorreatores destinados à produção dos bioinsumos. A 10B tem cerca de R$ 500 milhões sob gestão, dos cerca de R$ 7 bilhões da SK Tarpon. A fábrica da Agrivalle, considerada a mais moderna da América Latina, também vai funcionar como um grande laboratório. Dos 24 mil metros quadrados de uma imensa construção com pé-direito de até 12metros de altura, parte dela está destinada a quatro laboratórios, dos quais um de 1.200 metros quadrados é um centro de qualidade e validação. Entre as tarefas dos cientistas e pesquisadores não estão somente novas descobertas, mas a impressão de eficiência nos atuais produtos.
Nos bioprocessos, essa busca é incessante e os resultados já apareceram. Um dos produtos que antes necessitava de 5 quilos por hectare nas aplicações hoje precisa de 75 gramas por hectare, com a mesma eficiência. Refinar tecnologias é um dos focos do setor do agro, e há uma corrida contra o tempo das equipes de P&D (pesquisa e desenvolvimento). “Nossa fábrica é um espaço que estamos abrindo para startups e pesquisadores e serve para fomentar esse processo de mais inovação e tecnologia”, diz Resende. “A fábrica é vista com um hub de produtos, soluções e conhecimento.” Além disso, com uma estrutura flexível, será possível produzir para terceiros e também se tornar um dos laboratórios de referência para o Mapa (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento).
Resende conta que as conversas com os gestores do Programa Nacional de Bioinsumos estão adiantadas. “Estamos com uma estrutura para produção direta, e se alguém quiser entrar no Brasil e precisar de uma fábrica, podemos, inclusive, fazer a parte regulatória. Se o produto for bom e fizer sentido, também podemos vender”, afirma. “Ao mesmo tempo, as soluções produzidas aqui são globais, então podemos mandá-las para o mundo inteiro. A agricultura tropical é bastante desafiadora, se o biológico funciona no Brasil, funciona em todo lugar.”
A empresa está montando um banco genômico com foco em bioinsumos, estudando a cadeia completa de DNA de 15 diferentes genomas de ativos que vão para as lavouras. A Agrivalle, criada há 18 anos pelo pesquisador da Embrapa Eduardo Bernardo, é dona de 12 patentes de mixagen de microorganismos. “É um banco de cepas, de conhecimento, de técnica refinada, coisas que estão sendo pensadas para o mercado”, afirma Resende.
A companhia é dona da tecnologia do único nematicida do mercado composto por duas bactérias e um fungo no mesmo produto. Isso significa uma atuação mais agressiva contra uma praga que ataca um pé de soja, com efeito de longo prazo na proteção da planta. Fungos e bactérias na mesma fórmula não seriam compatíveis porque um atacaria o outro, mas os pesquisadores da Agrivalle conseguiram a façanha de uni-los “pacificamente”. Resende, que entrou na história da empresa em 2019 com a nova modelagem de gestão e investimentos, acredita que o próximo passo será investir em educação.
Fundo para inovação na cadeia da soja
Ele não está sozinho nessa ambição. Na diversidade dos fundos e de seus propósitos, há espaço para ações como o LIF (Land Innovation Fund), criado em 2019 a partir de um aporte inicial de US$ 30 milhões da Cargill e gerenciado pela Chemonics International, com sede em Washington. O LIF foi lançado em janeiro do ano passado e tem recursos programados para até 2025, com a meta de continuidade em espaços colaborativos e a possibilidade de novos atores nesse investimento.
A inovação para a cadeia da soja está no foco da LIF para os três biomas da América do Sul – Amazônia, Cerrado e Chaco –, assim como está no foco do governo do Brasil como política de Estado com a criação de programas visando a criação de ecossistemas. “Nós temos um fundo criado pela Cargill, mas não é um fundo para a Cargill. É uma contribuição da empresa para ajudar a transformar a cadeia de suprimento da soja, para que seja sustentável e, mais importante, livre de desmatamento e de conversão de vegetação nativa”, afirma o biólogo especialista em fundos ambientais, especialmente os de financiamentos, Carlos Quintela, diretor geral do LIF.
O executivo diz que o fundo foi criado com três pilares que ajudam nas decisões. “Nesse mandato global estamos focados em inovação aberta dentro do conceito de paisagem, ações que são relevantes para a propriedade rural e soluções integradas”, diz Quintela. “Porque sabemos que a cadeia da soja é complexa, todas as cadeias de suprimento no agro são complexas demais para que uma inovação só mude a trajetória dela.”
Dois exemplos são as parcerias fechadas com a Agtech Garage, de Piracicaba (SP), um dos principais hubs de inovação do país. “A Agtech Garage tem uma abordagem de open innovation, de inovação aberta para o que nós queremos, que são as soluções integradas”, diz Quintela. Além disso, o LIF vai em busca de outros setores porque, para sua direção, olhar a cadeia de suprimento da soja vai além da inovação.
Quintela afirma que “nem tudo é tecnologia” – como a estrutura de mecanismos de controle e as regras do jogo estabelecidas por governos. “Muitas das grandes inovações no Brasil, ao longo da história, têm sido feitas porque o governo criou as condições. Não foi acidentalmente que o Brasil virou uma potência agroindustrial. Houve uma série de ações e de políticas para que esse processo ocorresse”, diz Quintela. “Agora novas regras precisam ser promovidas, criadas e testadas para que os inovadores possam jogar todo o seu esforço no desenvolvimento de novas ideias. A gente tem urgências para o mundo.”
O LIF está apoiando a AgroRobótica, uma startup que utiliza uma tecnologia da Nasa, usada em Marte, para medir a qualidade do solo. Está junto também em um projeto no oeste da Bahia, região que cultiva quase 6 milhões de toneladas de soja por ano, e que envolve o Senai Cimatec, uma das principais instituições de ensino em engenharia do país, o Solidaridad Brasil, braço da ONG ambiental argentina, e o Instituto Aiba (Associação de Agricultores e Irrigantes da Bahia). A entidade representa 1.300 fazendas que ocupam 2,5 milhões de hectares de cultivos e 4,5 milhões de hectares de vegetação nativa protegidos por essas propriedades.
São quatro os projetos para a região: um mapeamento do balanço de carbono, o desenvolvimento de um sistema digital de monitoramento de dados socioambientais, novas soluções tecnológicas e uma extensão de um projeto global chamado “Diálogos”, para aprimorar a comunicação e o engajamento na cadeia produtiva. Sobre o futuro desse projeto e dos demais que o LIF hoje prospecta, Quintela é taxativo: “O interessante é que muitas inovações que vão ser feitas para a soja têm aplicação em outras culturas e em outras partes do mundo. Então nós queremos que o trabalho seja visto fora do país e que outros fundos vejam o que está acontecendo no Brasil. Existem atores e financiadores lá fora que podem ajudar nesse processo transformador” (Reportagem publicada na edição 92 da Revista Forbes como parte do Especial “As 100+ do Agro”; Forbes, 6/2/22)