Gasolina e muito barulho – Editorial O Estado de S.Paulo
Autorização para postos venderem gasolina de qualquer marca pode ter pouco efeito.
O decreto do presidente Jair Bolsonaro que autoriza os postos a venderem gasolina de qualquer marca, e não apenas a das distribuidoras com as quais muitos mantêm contrato de exclusividade, em tese estimula a concorrência e, desse modo, tende a melhorar as condições de operação do mercado e a forçar alguma redução de preço para o consumidor. Por causa do comportamento imprevisível do presidente da República – considerá-lo errático talvez seja até elogioso e certamente será enganoso, pois há método nos seus aparentes desvios de rota –, porém, nesse governo pouca coisa é o que parece.
O decreto presidencial, publicado na terça-feira passada (dia 14/9), pode ter vários efeitos, para os quais especialistas do mercado de combustíveis já chamam a atenção pelos riscos que ele contém de desorganização do sistema de distribuição de combustíveis. Mas é pouco provável que um deles seja a redução do preço.
É, por óbvio, um ato de deliberada intenção político-eleitoral, em razão da obsessão com que, de um modo ou de outro, Bolsonaro busca conquistar apoio popular – em flagrante declínio.
Não faz muito tempo, quando cobrado pela alta dos combustíveis – o litro da gasolina já chegara a R$ 7 – em suas conversas com apoiadores na entrada do Palácio da Alvorada, Bolsonaro chegou a dizer que “a gasolina tá barata, o gás tá barato”. Argumentou, então que “o pessoal tem que entender a composição do preço” do combustível, que, disse, não é de sua responsabilidade.
Em boa parte, de fato, não é. Há a oscilação do preço do petróleo no mercado internacional, há a carga tributária (que incide há muitos anos), há a margem da Petrobras, das distribuidoras e dos postos. E há também o dólar. Aí sim tem a ver com o governo, ou com o próprio Bolsonaro.
“O dólar já era para estar descendo, mas o barulho político não deixa descer”, disse acertadamente o ministro da Economia, Paulo Guedes, ao comentar a turbulência do cenário durante evento promovido por uma instituição financeira. É verdade. Mas de onde vem o “barulho político”?
Vem da chefia do governo de que Paulo Guedes faz parte. Com ofensas a adversários, desprezo pelas regras de relacionamento com outros Poderes e ameaças veladas ou explícitas de desrespeitar as instituições, Bolsonaro conturba o ambiente nacional.
Decisões ora isoladas, para atender apenas a interesses de um segmento limitado de apoiadores de Bolsonaro, ora desconectadas de outras ações – poucas ações – do governo, reduzindo-lhes a eficácia, tornam-se fator de instabilidade. A incapacidade do governo para responder aos desafios que se acumulam e se agravam – desemprego, inflação, baixo crescimento, desequilíbrio fiscal, a questão ambiental – gera desconfiança e insegurança.
No caso dos combustíveis, o decreto é apenas mais um ato de uma gestão típica do atual governo. Há pouco, Bolsonaro interveio na direção da Petrobras e colocou na presidência o general Joaquim Silva e Luna, com o objetivo de evitar altas constantes no preço da gasolina. Não funcionou, porque a estatal precisa operar em condições de mercado.
A liberação da bandeira para os postos já estava prevista em medida provisória editada em agosto, dando prazo de 90 dias para a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) definir as regras. A agência reguladora foi atropelada em suas atribuições.
Atualmente, postos vinculados a distribuidoras só podem vender produtos de determinada bandeira. São as distribuidoras que respondem pela mistura de etanol à gasolina e do biodiesel ao óleo diesel. Quem responderá por isso depois do decreto? Como será feita a fiscalização e a responsabilização pela qualidade do produto? Como ficam os contratos entre postos e distribuidoras?
É provável que postos vinculados a distribuidoras assim continuem e outros que operam sob o regime de bandeira branca (sem exclusividade) também assim se mantenham. Que efeito terá, então, o decreto sobre o preço na bomba? (O Estado de S.Paulo, 18/9/21)