09/02/2023

Governo dos EUA vai gastar para fazer indústria verde nacional

Governo dos EUA vai gastar para fazer indústria verde nacional

economia verde Foto Blog FIA

Por Vinicius Torres Freire

País aprovou planos enormes de incentivo à economia verde. E o Brasil com isso?

No ano passado, os EUA aprovaram duas grandes leis de incentivo à indústria nacional, à pesquisa e à formação de mão de obra qualificada. Trata-se da "CHIPS e Ciência" e da lei de Redução de Inflação ("IRA", nome fantasia, pois o pacotão trata de outra coisa).

Entre outros estímulos do governo, a lei prevê despesas ou descontos de impostos de US$ 280 bilhões (em cinco anos) para estimular a produção de semicondutores ("chips") e pesquisa em energia, física nuclear etc.; de pelo menos US$ 400 bilhões (em dez anos) para financiar indústrias e iniciativas de energia limpa.

No caso do pacote verde, como muito incentivo tributário não é limitado, a dinheiro pode chegar a US$ 800 bilhões, na estimativa do Credit Suisse (o total depende da quantidade de investimento e do consumo "verdes").

Por aqui, pouco ligamos para esse assunto enorme. A União Europeia está preocupada (teme perder negócios para os EUA). Se o plano verde der certo, o custo da energia limpa vai cair muito nos EUA e a produção de equipamentos vai aumentar, assim como o investimento em reformas e construção de instalações apropriadas para o novo padrão energético.

É a velha política industrial: incentivos para o desenvolvimento de setores econômicos via regulação, dinheiro dos impostos na veia de empresas e consumidores ou exigência de "conteúdo nacional" (a produção e o consumo recebem incentivos apenas se tanto do produto é feito nos EUA).

É também uma tentativa de minar empresas de países "problemáticos" (China e Rússia). Várias das regras da lei IRA talvez violem normas da Organização Mundial do Comércio.

A lei IRA é um filhote dos projetos de lei "Build Back Better", pacotão muito mais ambicioso de Joe Biden, inclusive em benefícios sociais, que micou no Senado em 2021. Mas é grande. Trata também de aumentar imposto de empresas, de preço de remédio, de seguro saúde, déficit público etc.

O grosso do IRA trata de estímulos à produção e uso de energia limpa, captura de carbono, hidrogênio combustível, veículos elétricos, painéis solares, turbinas eólicas, uso eficiente de água e terra, compra de fornecedores locais (de aço, ferro, matérias primas de baterias e muito mais).

Se as estimativas de despesa (ou renúncia de receita) estão certas, a dinheirama é pouca, em termos relativos: de início, cerca de 0,4% ao ano de um PIB de US$ 26 trilhões. Deve ajudar os EUA a atingir a meta ambiciosa de cortar pela metade a emissão de gases estufa até 2030. Se der certo, vai mudar o negócio de energia no mundo inteiro.

Esta é uma minúscula nota introdutória a um assunto enorme. De imediato, ficam algumas lições.

Primeiro, a política industrial não está morta, ao menos para quem pode, tem dinheiro, faz intervenção "leve", inteligente e tem uma economia de mercado funcional e flexível, que pode aproveitar incentivos de modo eficaz.

Segundo, a pandemia de Covid, a Guerra da Ucrânia e o acirramento do conflito entre China e EUA são estímulos à "desglobalização", à produção local de certos bens e à procura de fornecedores "confiáveis", países próximos e/ou "amigos". É uma oportunidade de negócio.

É preciso pensar em como fazer política industrial, apesar das nossas limitações, tais como governo sem dinheiro, economia de mercado disfuncional, mão de obra sem qualificação e um histórico de erros catastróficos.

Em vez de conversa ignara sobre juros e gastos, o país deveria estar pensando em como achar um nicho nesse mundo mais "desglobalizado" ou, risco enorme, em como não ficar para trás e isolado comercialmente por causa da produção "suja" (na agricultura, na mineração e muito mais) ou tecnologicamente obsoleta (Folha de S.Paulo, 9/2/23)