Governo quer agência para regular setor de carnes
Após escândalos revelados pela Operação Carne Fraca, Ministro da Agricultura prepara proposta para tentar modernizar sistema de inspeção agropecuária.
O governo estuda enviar ao Congresso proposta para modernizar o sistema de inspeção federal na produção agropecuária, disse nesta quarta-feira, 7, o ministro da Agricultura, Blairo Maggi. O ministro afirmou que conversou com o presidente Michel Temer sobre o assunto.
Segundo técnicos, a proposta passa, por exemplo, pela criação de uma estrutura mais autônoma, como autarquia ou agência reguladora, para fiscalizar a produção agropecuária.
A reforma do sistema é parte do processo deflagrado a partir da operação Carne Fraca, em 2017. Nesta quarta-feira, o ministério publicou portaria distribuindo por dez unidades do Serviço de Inspeção de Produtos de Origem Animal (Sipoa) a fiscalização de frigoríficos. Com isso, a definição das inspeções sai da esfera das superintendências estaduais, cujos comandos são decididos por indicação política.
A melhora na estrutura de fiscalização do governo e nos procedimentos dos frigoríficos desde a primeira etapa da Carne Fraca, de março de 2017, fazem parte de levantamento que Maggi pretende divulgar nos mercados externo e interno. Ele quer traçar uma linha divisória antes e depois da operação, e garantir que agora os problemas de sanidade serão “episódicos”.
A operação Trapaça, deflagrada na segunda-feira, 5, investiga fatos ocorridos em 2014 e 2015, antes da Carne Fraca. Ela teve como alvo a BRF e apura o uso de laudos falsificados de cinco laboratórios credenciados pelo Ministério da Agricultura. Os documentos servem para atestar a qualidade do produto ao importador. Como consequência, o governo proibiu três plantas da empresa de exportar para 12 mercados.
“Infelizmente, a BRF foi a que mais foi acusada. Tenho até dó da empresa, porque ela ficou sob nossa orientação, passamos a fiscalizar com muita frequência e de fato fizeram a lição de casa, subiram de patamar. No momento em que começava a ganhar elogios, leva uma bordoada. Mas são coisas do passado”, disse Blairo.
O presidente mundial da empresa, José Drummond, e o conselheiro e ex-ministro Luiz Fernando Furlan estiveram na segunda-feira com Maggi. O ministro comentou que a empresa está muito confiante nas providências tomadas desde o ano passado. Ele acrescentou que as plantas que tiveram as exportações suspensas estão passando uma checagem. Se estiver tudo certo, elas serão novamente liberadas para vender ao exterior.
Consultas do exterior. No momento, porém, o governo trata de dar esclarecimentos. Além de União Europeia e Hong Kong, outros mercados da carne de aves brasileira pediram informações adicionais ao governo após a Trapaça. “Acho que todos vão pedir”, comentou Maggi. “Acho legítimo. Eu, na posição de ministro da Agricultura, faria o mesmo.”
Corrigindo uma falha de comunicação ocorrida na Carne Fraca, de 2017, o governo enviou informações aos mercados consumidores assim que a operação ocorreu (O Estado de S.Paulo, 8/3/18)
Operação Trapaça: Novas investigações em curso
A Trapaça não será a única etapa da Operação Carne Fraca a ser deflagrada em 2018. É o que garantem fontes do Ministério da Agricultura, que, ao contrário do que aconteceu na primeira fase das investigações, deflagradas em março do ano passado, atualmente colabora com os trabalhos liderados pela Polícia Federal e pelo Ministério Público Federal (MPF).
As fontes não souberam detalhar datas ou focos das próximas etapas da operação, mas adiantaram que há mais de uma frente de apurações de irregularidades em andamento. E que, se a Trapaça se debruçou sobre laudos forjados por laboratórios para maquiar elevados níveis de presença de salmonela na carne de frango produzida em algumas unidades da BRF, o próximo capítulo poderá voltar a se concentrar nos fiscais.
Esse foi o foco da primeira fase, quando a Carne Fraca destrinchou casos de corrupção entre fiscais agropecuários e funcionários de frigoríficos. O que chama a atenção dos investigadores agora, conforme as fontes consultadas pelo Valor, são casos de fiscais que aparentam ter padrões de vida incompatíveis com seus salários. Sinais dessas incompatibilidades teriam ficado evidentes já na operação de março de 2017.
Foram apreendidos na época, por exemplo, diversos automóveis importados e bens pessoais de luxo com o ex-superintendente do Ministério da Agricultura no Paraná, o fiscal Daniel Gonçalves, considerado pelo Ministério Público Federal como o "chefe da organização criminosa" nas investigações de corrupção, que está em prisão domiciliar. Casos semelhantes estão na mira.
Procurado pela reportagem, o secretário-executivo do Ministério da Agricultura, Eumar Novacki, negou que a Pasta tenha informações sobre novas etapas da Carne Fraca. Mas afirmou que, se novas fases vierem, a Pasta estará preparada para as repercussões, até porque tem colaborado com as investigações.
"Pode haver outras operações, mas muita coisa também já mudou desde que a Operação Carne Fraca estourou", afirmou o secretário, que ontem estava em São Paulo. Porém, ele admitiu que o país não está imune a possíveis embargos de países importadores, dependendo do que as investigações revelarem.
Ontem, a preocupação do governo e da iniciativa privada em relação a eventuais embargos decorrentes da Operação Trapaça era sensivelmente menor que na segunda-feira. Segundo o ex-ministro Francisco Turra, presidente da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), apenas União Europeia e Hong Kong pediram explicações formais ao Brasil sobre o caso.
De acordo com Turra, o Ministério da Agricultura foi ágil, enviando explicações aos diversos importadores antes mesmo que eles as tivessem solicitado. Nos casos da UE e Hong Kong, isso só não aconteceu porque os pedidos feitos pelas autoridades foram "concomitantes" ao envio das explicações do Brasil.
Para Turra, desde o trauma da primeira fase da Carne Fraca, o Brasil "aprendeu bastante". Desta vez, a governo brasileiro conseguiu rapidamente circunscrever os problemas aos três frigoríficos da BRF, em Mineiros (GO), Rio Verde (GO) e Carambeí (PR). Essas unidades tiveram as exportações suspensas pelo próprio Ministério da Agricultura.
Mas o presidente da ABPA fez questão de lamentar as irregularidades cometidas na BRF. "É má prática, ilegal. Quem quer ser global, não pode errar", disparou (Reuters, 7/3/18)