Imagens de um País sem lei - Por J.R. Guzzo
general Gonçalves Dias- 21-4-23 Foto Wilton Junior-Estadão
General G. Dias tinha de estar preso enquanto Torres e mais 200 acusados estiverem detidos.
Não existe mais um sistema de Justiça no Brasil. Em seu lugar há uma espécie de Comitê Central que tem poderes absolutos, extinguiu as leis em vigor e governa o País em favor de uma facção política – a do presidente Lula e do consórcio de interesses que opera à sua volta.
A comprovação mais recente disso é o assombroso episódio das imagens, publicadas num furo da CNN Brasil, que mostram o general Gonçalves Dias, chefe supremo da “segurança institucional” de Lula, em atitude de convívio pacífico com os invasores do Palácio do Planalto em 8 de janeiro.
Seus subordinados fazem a cortesia de oferecer garrafas de água a eles; eram, de qualquer forma, em número inexplicavelmente reduzido para proteger seja lá o que fosse, embora o general e o governo já soubessem desde a véspera que o ataque iria acontecer.
Suspeitou-se desde o começo que havia colaboração do Sistema Lula nos “atentados terroristas” – uma farsa para ele se fazer de vítima e para o STF radicalizar ainda mais a sua caçada ilegal à “extrema direita”.
A verdade começou enfim a aparecer – e fica explicado por que Lula e o PT vinham lutando tão histericamente contra a CPMI que quer apurar os fatos, e que agora tornou-se inevitável.
O STF, diante desse desastre, age mais uma vez em benefício do governo. O ministro Alexandre de Moraes acaba de decidir que o ex-secretário de Segurança de Brasília, que estava nos Estados Unidos no dia dos ataques, tem de continuar na cadeia, onde está há mais de três meses. O general, que estava dentro do palácio, está solto – demitido, mas solto.
Ele não deveria estar “depondo na PF”, com tratamento de “Xá da Pérsia”. Tinha de estar preso enquanto estiverem presos o secretário e mais 200 acusados, ou com tornozeleira eletrônica, e sem passaporte.
Por conta do 8 de janeiro cerca de 1.500 pessoas foram presas, mais de mil indiciadas, centenas submetidas à tortura da tornozeleira, após meses de prisão ilegal. Muitos nem sequer estavam no local do crime, mas apenas na frente dos quartéis; foram enganados por oficiais do Exército, enfiados em ônibus e entregues à polícia. O STF faz, agora, julgamentos por “lotes” de cem ou 200 pessoas – aberração que não existe em nenhuma lei deste País.
Pior, talvez, do que tudo: mais de mil pessoas estão indiciadas por incitação ao crime – e unicamente por isso, segundo o próprio STF. A pena máxima que o artigo 286 do Código Penal fixa para esse delito são seis meses de detenção. Todos já cumpriram mais da metade disso, antes de serem julgados e muito menos condenados – e são réus primários, com direito à liberdade após cumprirem um sexto da pena. Justiça? (O Estado de S.Paulo, 24/4/23)
O recuo de Lula – Editorial Folha de S.Paulo
Ante europeus, presidente tenta ser mais equilibrado sobre a Guerra da Ucrânia.
Não é segredo que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tenha obsessão narcísica com a construção de sua persona, em particular no cenário internacional.
Líder como poucos outros na história brasileira, ele viu seu prestígio interno, indicado por mais 80% de aprovação no fim de seu segundo mandato, enfraquecer-se.
Vieram a debacle econômica e o impedimento de sua sucessora, a associação quase imediata do petismo a atos de corrupção e, por fim, a prisão. Mesmo a volta por cima com vitórias judiciais, a saída da cadeia e a eleição em 2022 não devolveram a Lula todo o seu lustro.
O petista bateu Jair Bolsonaro (PL) por mero 1,8 ponto percentual, enfrenta rejeição similar a do antecessor e forte oposição potencial.
Para o público externo, contudo, Lula parecia manter-se mais ou menos intocado. Produto de uma história de vida única, ampliada por um marketing eficaz, sua figura seguia encantando plateias, em especial na Europa.
Isso até aqui. Noves fora a ausência de projeto estratégico do governo, atitudes do mandatário causaram estranhamento, inclusive porque ele dispunha de temas favoráveis para explorar, como o clima.
A aproximação com a China, algo explicável pelas expressivas relações comerciais, veio embalada por declarações antiamericanas típicas do esquerdismo regional.
Provocados, os EUA morderam, com críticas, e assopraram, com a promessa de decuplicar o dinheiro para o Fundo Amazônia. Mas o cerne da questão, o lado que Lula escolherá, segue incerto.
Idealmente, não deveria ser necessário optar. Entretanto essa é uma decisão difícil diante das pressões de um mundo no qual as disputas entre o Ocidente e seus oponentes embutem até um confronto real, na Ucrânia.
Exemplo claro disso é o recuo tático do presidente na questão ucraniana. Desde a campanha eleitoral, ele insiste na tese de que tanto os governos de Kiev quanto de Moscou são culpados. Diplomaticamente, a tese é inglória —foi Vladimir Putin quem puxou o gatilho.
Lula também sugeriu que a Ucrânia deveria ceder território, enviou seu mentor internacional Celso Amorim a Moscou e recebeu o chanceler russo, Serguei Lavrov.
Foi criticado de Washington a Kiev. Agora, iniciando em Portugal um giro entre os países ricos, nega ter defendido o que defendeu, buscando voltar ao ponto em que apenas sugeria a criação de um "clube da paz" de países neutros.
Como em 2010, quando tentou mediar um acordo nuclear no Irã, Lula meteu os pés entre a mãos. Tem a oportunidade de se corrigir e até de ganhar um lugar na fotografia em 2023, mas precisa saber que não será o mais destacado (Folha de S.Paulo, 25/4/23)