Líder na proteção do meio ambiente, o Brasil virou alvo de chacota mundial
Legenda: Ricardo Salles, incompetência que prejudica o governo Bolsonaro e o Brasil
Por Eliane Cantanhêde
Definitivamente, não se pode dizer que 2019, primeiro ano do governo Jair Bolsonaro, tenha sido positivo para a imagem do Brasil no exterior. O presidente atribui o mau momento à mídia, às esquerdas, a uma espécie de propaganda negativa sistemática. Mas será que é isso mesmo?
Na sexta-feira, em Madri, a Conferência do Clima da ONU (COP) conferiu ao Brasil o prêmio “Fóssil Colossal”, que, como o próprio nome diz, é uma ironia com os piores desempenhos na proteção do meio ambiente. É dramático, porque o Brasil despencou de um extremo a outro: de líder mundial de proteção para alvo de chacota.
No mesmo dia, a prestigiada revista Nature incluiu o professor Ricardo Galvão entre os cientistas do ano. E quem vem a ser? O presidente do Inpe que foi demitido e humilhado publicamente depois de Bolsonaro achincalhar os dados do instituto sobre desmatamento. E, veja bem, os novos dados coletados pelo próprio governo confirmaram depois o quanto o Inpe estava certo.
Em meio a essa sucessão de vexames, o presidente bateu boca num dia com a ativista adolescente Greta Thunberg – a quem chamou de “pirralha” – e no dia seguinte ela surgiu, toda poderosa, como personagem do ano e da capa da revista Time. O presidente bem poderia ter passado sem mais essa.
Apesar de tudo, os dados que estão para ser consolidados vão confirmar que, em 2019, o Brasil manteve o desempenho nas importações e só perdeu um pouco nas exportações. E por questões pontuais: a má performance da Argentina, um dos maiores parceiros, e a epidemia do rebanho suíno da China, que reduziu muito a necessidade de soja para alimentar os porcos. Descontados esses infortúnios, o desempenho é considerado bom, estável, e pronto a crescer.
E, afinal, o que é melhor para o Brasil? Os Estados Unidos e a China – as duas maiores potências – manterem o clima de beligerância e os ataques mútuos, ou efetivarem o acordo de paz?
Há controvérsias, mas parece prevalecer a avaliação de que é muito melhor para todo o mundo, literalmente, e para o Brasil, particularmente, que os dois gigantes se entendam, porque isso garante equilíbrio mundial, estabilidade, segurança e estanca a previsão de queda do crescimento global.
Quanto mais economia, desenvolvimento, comércio, melhor, muito melhor do que vantagens eventuais que a agricultura brasileira possa ter com a guerra. Ok. Se a China deixa de comprar produtos agrícolas norte-americanos, a tendência é de que desvie o foco para os brasileiros. Mas isso é pontual, residual, restrito a um único setor.
Ainda no cenário internacional, o Brasil perdeu e os EUA ganharam com o excesso de reverência de Bolsonaro a Donald Trump. E, no regional, o pedido de refúgio do ex-presidente boliviano Evo Morales vai consolidando a Argentina como o novo polo da esquerda sul-americana, depois que a Venezuela virou pó. A Argentina polo da esquerda e o Brasil da direita não é um cenário tranquilizador.
Apesar disso, Bolsonaro e Fernández têm trocado recados apaziguadores e promessas de pragmatismo nas relações comerciais e diplomáticas em termos mais abrangentes. Espera-se que sim, mas lembrando que Bolsonaro é Bolsonaro e que o kirchnerismo é o kirchnerismo.
Por fim, 2019 registrou ataques de Bolsonaro a Macron, sua mulher, Fernández, Bachelet, Greta, Leonardo Di Caprio, ONGs e aos povos do Chile e do Paraguai (ao enaltecer Pinochet e Stroessner), além de ter gerado temores, no mundo desenvolvido e nos nossos parceiros tradicionais, sobre as políticas indigenista, ambiental, cultural, educacional e de direitos humanos. Aos olhos do mundo, o Brasil anda para trás (O Estado de S.Paulo, 15/12/19)
Constrangidos, deputados ruralistas não conseguem reuniões com países europeus na COP-25
Se por um lado, no início do ano, o agronegócio defendeu que o Brasil permanecesse no Acordo de Paris, agora o setor é um dos que mais sofre constrangimentos na COP-25, conferência da ONU que busca regulamentar o acordo climático.
Parlamentares e representantes de associações do agronegócio contaram à Folha que as reações internacionais mostram uma preocupação central com o desmatamento, vinculado às exportações de madeira, soja, gado, e, mais recentemente, também de cana-de-açúcar.
Hoje visto como vilão, o agronegócio brasileiro já participou de edições anteriores das COPs do Clima como protagonista de soluções climáticas, quando o Brasil promovia a agenda dos biocombustíveis e do etanol, oferecidos como substitutos no curto prazo dos combustíveis fósseis.
‘Constrangimento’ é o termo mais usado nos bastidores para se referir às surpresas negativas que parlamentares e representantes de associações de produtores do agronegócio receberam durante as conversas na COP-25.
“Um objetivo nosso aqui é trabalhar nossa imagem no exterior, especialmente na Europa. Queremos mostrar a verdadeira atuação da agricultura brasileira”, disse à Folha o deputado Zé Silva (Solidariedade-MG).
Questionado sobre as reuniões com os europeus, o deputado informou que a bancada não conseguiu realizar nenhuma reunião bilateral com outros países. Outros representantes do setor confirmaram a informação.
“É uma dificuldade que nós temos como parlamentares de fazer negociações”, justificou Zé Silva. Ele também disse que a MP da regularização fundiária refletiu nas conversas e foi citada nos eventos em que ele participou.
“Acho que a MP tem coisas positivas, como o georreferenciamento, mas como já é vista com críticas, isso influencia numa negociação, sim”, disse Zé Silva. Ele veio à COP-25 com mais dois deputados da Frente Parlamentar da Agropecuária, Neri Geller (PP-RS) e Zé Vitor (PL-MG).
Já o deputado Zé Vitor comemorou as conversas informais que teve com delegações da Alemanha, Suíça e Croácia. “Temos que fazer alguns gestos em relação ao desmatamento, mas demonstramos que esse é um dos nossos principais objetivos”, disse à Folha.
Representantes do setor também relataram constrangimento ao saber que o Brasil não tinha um estande oficial no pavilhão da conferência em que os países promovem suas ações e eventos. Segundo um empresário do agronegócio, a imagem do país ‘encolheu’ na COP.
Por outro lado, os ambientalistas estão sendo procurados pelos países europeus para as reuniões bilaterais.
O deputado federal Rodrigo Agostinho (PSB-SP), presidente da Comissão de Meio Ambiente da Câmara, conta ter realizado bilaterais com parlamentares de dez países europeus, entre eles Suécia, Alemanha, Holanda e Espanha.
“Já havia recebido delegações europeias no meu gabinete em Brasília e as conversas continuam aqui”, diz. “O parlamento europeu precisa votar o acordo comercial com o Mercosul e está preocupado com as perspectivas no Brasil, então nos procuram para saber nossas impressões e como podemos evoluir na discussão”.
Segundo Agostinho, uma possibilidade considerada pelos europeus seria aprovar o acordo do Mercosul com cláusulas locais, em que os países poderiam adotar condições mais restritivas que as do acordo para suas importações.
Já ‘da porta para dentro’, o agronegócio tem ostentado sua bandeira sem se constranger. Uma bandeira do Brasil com os dizeres, em inglês, “produtores rurais brasileiros – o grande parceiro ambiental” foi colada de improviso, com fitas e adesivos, na parede interna do escritório brasileiro na conferência.
Ela permanece ali desde segunda-feira (9), quando foi ‘hasteada’ por representantes do agronegócio em reunião com o ministro Ricardo Salles, logo depois dele ter deixado o encontro inédito com as ONGs brasileiras.
Segundo interlocutores do agronegócio, os representantes do setor ficaram deslocados depois de ouvir mais críticas do que esperavam de outros países. Eles teriam mudado de estratégia nos últimos dias para buscar entender melhor o cenário, adotando uma postura de observador na COP (Folha de S.Paulo, 12/12/19