Lula encara sua omissão – Editorial Folha de S.Paulo
Nicolás Maduro, ditador da Venezuela, e Luiz Inácio Lula da Silva (PT) - Ueslei Marcelino - 30.mai.23 Reuters
Petista enfim critica Maduro, que prevê uso da força bruta caso perca a eleição.
Foi necessário que Nicolás Maduro ameaçasse promover um "banho de sangue" caso seja derrotado na eleição de domingo (28), para Luiz Inácio Lula da Silva (PT) criticar a ditadura venezuelana.
"Quem perde as eleições toma um banho de votos, não de sangue. Maduro tem de aprender: quando você ganha, você fica. Quando você perde, vai embora e se prepara para disputar outra eleição", afirmou o brasileiro na segunda (22).
Para quem insiste em qualificar como democracia o regime autoritário construído por Hugo Chávez e cimentado por Maduro nos últimos 20 anos, a fala representa um avanço. Mas retórica não basta.
Na condição de chefe de Estado da maior democracia latino-americana, Lula precisa superar sua omissão histórica diante do recrudescimento do chavismo.
Caso Maduro venha a perder, será necessário unir forças com vizinhos da região para forçá-lo a respeitar o resultado das urnas e, caso seja vitorioso, não impedir contestações da lisura da eleição.
Já que, num país onde todas as instituições do Estado respondem ao caudilho, inclusive o Conselho Nacional Eleitoral, acumulam-se evidências de interferências no pleito, como prisões políticas e coações para esvaziar a candidatura da oposição, unificada em torno de Edmundo González.
Somente o regime —no comando dos aparatos militar, policial e das milícias— detém os meios para promover um "banho de sangue".
Na verdade, a selvageria de Caracas é antiga e notória. Ao menos 125 pessoas foram mortas pelo Estado desde a onda de protestos de 2017. Em 2022, a ONU divulgou relatório com 122 casos de tortura e de violência sexual. O país está sob investigação do Tribunal Penal Internacional desde 2021.
Temendo o pior, e talvez projetando a repercussão sobre seu governo da violência de uma ditadura que apoia, Lula decidiu enviar à Venezuela seu assessor para assuntos internacionais, Celso Amorim, para acompanhar o pleito.
Conhecido por se eximir de condenar o regime, o sucesso de Amorim depende também de o Brasil de fato reconhecer o indiscutível caráter autoritário de Maduro (Folha, 25/7/24)