Lula, Tarcísio e o palavrório climático – Editorial O Estado de S.Paulo
Governador paulista cria um centro de gestão de risco de desastres e um conselho para monitorar a estratégia climática. Lula deveria seguir o exemplo e tirar do papel a Autoridade Climática
O governador Tarcísio de Freitas anunciou uma bem-vinda novidade para quem acredita que enfrentar a mudança do clima requer mais do que palavrório e promessas: a criação de um novo centro de gestão de risco de desastres, o Centro Paulista de Radares e Alertas Meteorológicos (CePRAM), e do Conselho Estadual de Mudanças Climáticas. O Centro receberá informações dos sete radares meteorológicos do Estado, permitindo a integração dos equipamentos e a centralização dos dados, que serão analisados por uma equipe de meteorologistas, hidrólogos e geólogos. O CePRAM ficará subordinado ao Centro de Gerenciamento de Emergências da Defesa Civil. Já o Conselho Estadual de Mudanças Climáticas vai monitorar, de maneira consultiva, a implementação de políticas na área, atuando junto ao Comitê Gestor de Política Estadual de Mudanças Climáticas. Seus integrantes terão mandato de dois anos.
Se bem implementadas, as iniciativas significam uma adequada resposta dupla ao que cientistas chamam de “novo clima”, isto é, ondas de calor que se combinam a chuvas muito intensas, produzindo extremos climáticos cada vez mais frequentes. Foi o que se viu nos últimos anos no Rio Grande do Sul, São Paulo, Bahia, Santa Catarina, Minas e Rio de Janeiro. Os paulistas conviveram em 2024 com seca extrema e uma onda de incêndios que atingiram dezenas de municípios do interior. Os melhores esforços internacionais apostam na conjugação de ciência e tecnologia, e entre alertas e mitigação de riscos com implementação de medidas de prevenção e adaptação às mudanças climáticas. É no que, acertadamente, o governo de São Paulo parece apostar.
Por sua experiência, o governador sabe a importância dessas duas frentes. Sabe também que não basta mais dinheiro para reagir a um desastre, é preciso que gestores públicos tenham capacidade de estruturar e apresentar projetos aptos a receberem os recursos. Recorde-se que, em 2019, o Ministério da Infraestrutura, à época comandado por Tarcísio, trabalhou num acordo de cooperação com uma agência de fomento alemã para credenciar obras a um protocolo de adaptação a mudanças climáticas. Também não basta fazer planos, é preciso implementar as ações previstas nos planos e ter capacidade de atualizá-las em tempo hábil e com eficácia. É o tipo da obviedade que infelizmente precisa ser reafirmada no Brasil.
As iniciativas do governo paulista deveriam servir de exemplo para o governo do presidente Lula da Silva. O Brasil fechou 2024 podendo comemorar dois anos de quedas no desmatamento e o anúncio de um novo compromisso de redução de emissões de gases de efeito estufa. Lula pôde reafirmar seu desejo delirante de ser o líder global no G-20, mas internamente 2024 chegou ao fim com a marca de 30,9 milhões de hectares consumidos pelas queimadas, com 278 mil incêndios na mata, um aumento de 46% em relação a 2023 e o pior resultado desde 2007, além de uma incômoda hibernação da promessa de criação de uma Autoridade Climática. Ideia apresentada na campanha presidencial, a Autoridade deveria monitorar e supervisionar as ações relativas às políticas e metas na área, além de gerenciar o combate e a prevenção aos desastres climáticos.
“Se Deus quiser, em breve”, disse, em abril de 2023, a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, ao ser questionada quando o governo retiraria a ideia do papel. Pelo visto Deus não quis, premido pela disposição da Casa Civil do ministro Rui Costa de deixar o projeto guardado em suas gavetas. Fala-se abertamente em divergência de modelo e disputa de quem abrigará o novo órgão, se o Ministério do Meio Ambiente ou a Presidência – ou nenhum deles. É um bom debate, que exige decisão, e não postergação, do presidente Lula. Enquanto isso, quando está diante de plateias internacionais, o demiurgo petista demonstra ter plena convicção de que é um herói da floresta e o salvador do planeta. No plano doméstico, contudo, sua hesitação deixa revelar a pouca intimidade com que sempre tratou as questões ambientais.
Quem sabe os movimentos de Tarcísio – frequentemente citado como possível candidato em 2026 – estimulem Lula a agir e perceber que, em se tratando de desastres climáticos, ações são incomparavelmente mais úteis do que palavras e simbolismos (Estadão, 25/1/25)