MG: Agricultores familiares se unem, exportam limões e mudam de vida
LARANJAIS Foto Ascom Brasnica
Por Marcelo Toledo
Certificação fairtrade garante bônus por quilo da fruta vendido ao exterior, recurso usado para crescimento do negócio.
O agricultor familiar Wagner Francisco dos Santos estava totalmente desanimado em seguir produzindo limões tahiti em sua propriedade, em Jaíba, no norte de Minas Gerais. Até que viu vizinhos "ganhando dinheiro" com suas lavouras e descobriu que poderia seguir o mesmo caminho.
Na atividade desde 2008, enfrentava dificuldades para escoar sua produção no mercado interno, como baixos preços quando conseguia comprador, e via limões se perdendo. A dificuldade em renovar o pomar era outro empecilho.
Um grupo de 40 pequenos produtores da região se uniu para ganhar escala e, por meio de boas práticas agrícolas, obteve uma certificação fairtrade, que resulta ao agricultor familiar um bônus de US$ 0,07 por quilo de limão exportado. Nos últimos anos, obtiveram mais de R$ 500 mil de bonificação, valor reinvestido em melhorias nas lavouras e em todos os processos de produção do limão.
Mais que o bônus da certificação, os produtores fecharam negócios com valor fixado para o ano de US$ 0,49 por quilo de limão (R$ 3,03), muito acima do pago no mercado interno, que oscila entre R$ 1 e R$ 1,50.
"Consegui entrar [na associação] em janeiro é isso deu um incentivo muito grande pra mim e minha família. A gente começa a pensar em investir mais e a melhorar nossa situação", disse Santos. Com a renda extra neste ano, está ampliando a área construída de sua casa na zona rural.
A Afrutja (Associação União dos Fruticultores do Jaíba e Região) surgiu em 2017 e, desde então, a área em produção saltou de 85 para 184 hectares. O total exportado pelos produtores avançou de 192 toneladas para 820 toneladas —o equivalente a 34 contêineres.
Pode parecer pouco, e é, se comparada a grandes propriedades rurais de regiões como o Centro-Oeste brasileiro, mas é o suficiente para mudar a vida dos pequenos agricultores de uma região historicamente pobre.
Rozanio Cardosino de Sá, presidente da Afrutja, e outro exemplo. A família, na região desde a década de 1970, produzia limões em uma área de cinco hectares, que hoje já são oito.
Já Santos, neófito na associação, tem produção de 250 toneladas em sete hectares de cultivo, parte dela destinada à exportação.
Eles afirmam que produzir não é o problema, mas sim conseguir mercado para o que produzem.
Os limões dos associados da Afrutja são exportados por meio de uma parceria com a Aslim (Associação dos Produtores de Limão do Jaíba) via portos de Salvador, Fortaleza e Santos para países como Inglaterra, Alemanha e Dinamarca, em viagens que chegam a durar 24 dias.
A Aslim já exportava, e para a Afrutja a parceria foi importante porque o recebimento, o processamento da fruta, o embalo e a exportação ficam por conta da parceira.
A HISTÓRIA SE REPETE
A fruta tem sido chamada por produtores, com uma dose de exagero, de "ouro verde", repetindo expressão que nas primeiras décadas do século passado era utilizada por cafeicultores paulistas, que enviavam por trens suas produções para serem exportadas via Porto de Santos —cenário modificado drasticamente com a quebra da Bolsa de Nova Iorque, em 1929.
Os produtores de limão, além de Jaíba, estão em cidades como Janaúba, Matias Cardoso, Verdelândia e Montes Claros, entre outras.
Em comum, contam com água canalizada do rio São Francisco, por meio de um projeto desenvolvido ainda nos anos 80 é gerenciado pela DIJ (Distrito de Irrigação de Jaíba).
Sem a parceria com a Aslim, dificilmente os agricultores familiares conseguiriam exportar, por não terem volume suficiente e estrutura, segundo o diretor da exportadora, Claudio Dykstra.
Na fazenda de 112 hectares de Dykstra, que não faz parte da Afrutja, os 60 funcionários se organizaram numa associação, que no ano passado recebeu R$ 325 mil de premiação fairtrade. O valor foi usado em melhorias nas casas dos associados —em outros anos, compraram cestas básicas e gás de cozinha.
A Aslim processa cerca de 50 toneladas diárias (não só da Afrutja), dos quais 40% são destinados à exportação.
IMPULSO DECISIVO
"Além disso, ganhamos uma proteção para a região", disse o presidente da Afrutja.
A região toda possui 2.500 fruticultores, que produzem no total mais de 450 mil toneladas de frutas por ano.
Desde o mês passado, o limão fairtrade da região do Jaíba passou a ser exportado com o selo de indicação geográfica, que na prática garante ao consumidor a procedência, com informações sobre o local de produção, quem produziu e de que forma isso ocorreu.
Os produtores passaram por capacitação e recebem consultoria do Sebrae, que auxilia também na busca de novos mercados. Eles avaliam o papel da instituição como essencial para o crescimento conjunto.
"O limão já é uma realidade na nossa pauta de exportações em Minas Gerais", disse Jadilson Borges, gerente da regional norte do Sebrae.
Os resultados obtidos agora foram possíveis de serem alcançados a partir de uma estratégia iniciada em 2009, quando surgiu a proposta de colocar a manga produzida na região na Europa, seguida de uma marca coletiva para os produtos regionais (manga, banana, limão e mamão), conta o analista do Sebrae Cláudio Castro.
"Fizemos todo um trabalho de capacitação e preparo dos produtores para que eles se organizassem e desenvolvessem esse trabalho", disse.
A certificação fairtrade, conta Dykstra, foi um passo adiante, e garante sustentabilidade na produção em relação a questões sociais, econômicas e ambientais, além de elevar o valor pago aos pequenos produtores.
"Quem compra, paga mais por querer uma fruta que segue todas as normas e tem garantia de que isso ocorre", disse.
O valor da premiação é aplicado conforme definições dos associados, como a compra coletiva de adubo orgânico, sinalização das propriedades, assistência técnica e análise de resíduos. É o que a Afrutja tem feito (Folha, 31/12/24)