Ministro de Minas e Energia quer trocar diesel por gás nos caminhões
Legenda: Ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque quer estimular a conversão de caminhões a diesel para gás
Governo pretende diminuir consumo de diesel no plano de novo mercado do combustível e reduzir custo do frete.
O ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, quer usar o novo mercado de gás, que será lançado pelo presidente Jair Bolsonaro nesta terça-feira (23), para diminuir o consumo do diesel no país e estimular a conversão de caminhões para o gás natural veicular, uma forma de reduzir o custo do frete no país.
Atualmente, cerca de 10,6% do gás comercializado no país abastece veículos, segundo dados do setor.
A frota a gás representa somente 2,2% do total em circulação, de acordo com informações do Departamento Nacional de Trânsito.
Ainda com uma rede de abastecimento veicular limitada, focada nos maiores centros urbanos, o gás fica concentrado em grandes indústriase na geração de energia elétrica por centrais hoje movidas, em sua maioria, por diesel e outros combustíveis fósseis.
“Vamos anunciar um planejamento para substituir todas as térmicas movidas a diesel”, disse Albuquerque em entrevista à Folha. “Os contratos [de fornecimento de diesel] que forem vencendo serão substituídos [por gás].”
Segundo o ministro, a base do plano que será anunciado pelo governo reside na retirada da Petrobras do mercado de transporte e distribuição de gás. A estatal concentra hoje 70% do mercado.
“Ninguém ganhou com esse monopólio, que já deveria ter sido quebrado desde 2002”, afirmou o ministro.
“Acho que faltou vontade política. Os governos sempre usaram a Petrobras como um agente de suas políticas e, por isso, não houve margem para competição. Naquela época, havia mais de 20 empresas operando no país e sobraram cerca de cinco”, disse.
A tendência, ainda segundo o ministro, é de reduzir ainda mais a participação, porque a estatal também acertou com o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) a venda de sua participação no gás e no refino.
Pelo acordo, a estatal venderá 8 de suas 13 refinarias, abrindo mão de cerca de metade do mercado de derivados do petróleo.
Capitaneado pelo Cade, os acordos, fechados entre junho e julho, foram uma troca feita pela estatal para evitar ser condenada pelo conselho em dois processos por práticas anticompetitivas.
Em um deles, a empresa terá de vender sua participação em 19 distribuidoras estaduais de gás, o controle no gasoduto Brasil-Bolívia, além dos dutos de transporte (que ligam as plataformas às estações de tratamento no continente).
Em outro, o acerto impôs a venda das refinarias.
Ambos terão de ser concluídos até o fim de 2021 sob pena de os processos sancionatórios serem retomados.
Com o novo cenário para o gás, a distribuidora Celse (Centrais Elétricas do Sergipe), por exemplo, contratou um navio estrangeiro que funcionará como estação fixa de tratamento de gás para abastecer as usinas térmicas no estado até 2044.
“Esse navio tem capacidade de 1,5 GW (gigawatt). É a maior usina do tipo na América Latina”, afirmou o ministro.
Ainda segundo ele, foram importados diversos caminhões chineses movidos a gás que serão usados para levar o combustível para outros pontos de distribuição.
“Não acho que haverá só construção de dutos com a abertura do mercado. Vamos usar muitos navios e caminhões para fazer o combustível chegar a mais lugares.”
A ideia do governo, quando o mercado de gás estiver consolidado, é estimular a conversão dos caminhões de carga.
“Não dá para dizer que haverá subvenção ao caminhoneiro. Não tem isso no momento, mas o preço vai cair tanto com essa expansão, que ficará atrativo fazer a conversão.”
Segundo estimativas da Abegás, associação que representa distribuidores de gás canalizado, a conversão faz sentido para quem roda mais de 250 km por dia durante 22 dias por mês.
Neste caso, o investimento se paga com a redução do gasto com o combustível. A economia pode chegar a 50% sobre o litro do diesel e 65% sobre o litro da gasolina.
Por enquanto, a ideia do governo é atrair investidores na construção de infraestrutura de transporte e distribuição. Para isso, eles terão de fechar contratos de fornecimento com a Petrobras, que ficará restrita à produção do gás.
Pelos cálculos do governo, o preço deve cair dos atuais US$ 12 (cerca de R$ 48) para US$ 6 por milhão de BTU.
O Brasil pretende se valer da energia que será produzida com o gás para barganhar um preço mais baixo da energia.
Na última revisão do contrato, o Brasil estava com escassez de energia e ficou refém da pressão exercida pelo Paraguai na venda do excedente da energia pelo lado paraguaio.
De acordo com o ministro, para suportar o crescimento econômico nos próximos dez anos, o país terá de crescer 35% sua produção de energia.
Por isso, além da expansão do gás e a renegociação com o Paraguai, será preciso trazer investimentos para a Eletrobras. Albuquerque afirmou que o modelo de capitalização está pronto e será apresentado a Bolsonaro nas próximas semanas.
A ideia é retirar a União do controle por meio de emissão de papéis que serão adquiridos por investidores privados de forma que o governo tenha sua participação acionária diluída.
No entanto, esse modelo terá de passar pelo Congresso e a expectativa é que o processo seja concluído somente no próximo ano (Folha de S.Paulo, 23/7/19)
Mudança é viável, mas exige renovação de frota brasileira
Por Eduardo Sodré
Segundo a CNT (Confederação Nacional do Transporte), idade média da frota de caminhões é de 15,2 anos.
Embora raros, caminhões movidos a gás natural já existem e mais modelos devem chegar ao mercado nacional entre 2020 e 2021. Além disso, é tecnicamente possível fazer a conversão parcial de modelos a diesel.
Porém, há problemas para a implementação em larga escala, como a falta de pontos de abastecimento nas estradas e a inexistência de um programa de renovação de frota.
A Iveco testa essa opção desde o início da década, com aplicação em modelos pesados que fazem transporte dentro de fábricas ligadas ao grupo CNH Industrial.
O GNV (gás natural veicular) é oferecido também em veículos comerciais de menor porte (uso urbano) vendidos por encomenda, em pequena escala.
A Scania anunciou um ciclo de investimentos de R$ 1,4 bilhão a partir de 2021.
Um dos pontos contemplados é a produção em maior volume de caminhões grandes movidos a gás.
As primeiras unidades devem sair da fábrica de São Bernardo do Campo já no próximo ano. O protótipo que está sendo desenvolvido pela montadora sueca consume GNV ou biometano, que pode ser extraído de lixo orgânico.
A redução nas emissões de CO₂ chega a 85% em comparação ao diesel, de acordo com a fabricante.
Já os sistemas de conversão disponíveis fazem caminhões queimarem uma mistura de GNV e diesel, não sendo possível rodar somente com gás.
Contudo, essa conversão esbarra no envelhecimento dos veículos.
De acordo com pesquisa divulgada neste ano pela CNT (Confederação Nacional do Transporte), a idade média da frota de caminhões em circulação no Brasil é 15,2 anos.
Uma alteração desse tipo pressupõe inspeções regulares do sistema, como já ocorre nos carros adaptados para rodar com GNV.
Quanto mais velho o veículo, maior a necessidade de vistorias e reparos. No caso da comercialização de caminhões novos movidos a gás, o desafio está em criar um modelo viável de renovação de frota.
Caminhoneiros autônomos têm dificuldade para trocar um caminhão com 20 anos de uso por outro 10 anos mais novo. Adquirir um modelo zero-quilômetro mais eficiente e com a mesma capacidade é uma meta distante para esses profissionais.
Hoje, a retomada de vendas no setor se deve aos grandes frotistas, embalados pelo agronegócio.
Com o incentivo ao gás, o programa de renovação de frota de pesados deve voltar à discussão, embora pouco se tenha avançado no tema nos últimos 20 anos.
Se uma nova proposta incluir a troca de veículos a diesel por outros movidos a GNV, haverá um longo período de transição.
As fábricas de caminhões, mesmo as que já têm a tecnologia pronta, demorariam anos para conseguir suprir o mercado. É uma mudança que exige alto investimento e precisaria conviver com a produção de modelos a diesel por um bom tempo.
Aí há outro problema: se a ideia é substituir um combustível pelo outro, os modelos a diesel podem sofrer desvalorização acentuada, o que não é bom nem para montadoras nem para proprietários.
Toda essa movimentação só fará sentido se houver estrutura de reabastecimento. Dificilmente um caminhão movido 100% a GNV terá a mesma autonomia dos modelos a diesel, o que exigirá mais paradas nos postos.
Na estrutura atual, em que o gás ainda é raro nas estradas, torna-se inviável (Folha de S.Paulo, 23/7/19)