Mourão faz mea-culpa sobre queimadas e anuncia recado pequeno ao Vaticano
Legenda: O vice-presidente Hamilton Mourão e o presidente Bolsonaro durante evento no Palácio do Planalto
Amazônia é tema do sínodo de bispos da Igreja Católica que acontece desde a última segunda (6).
Vice-presidente da República, o general Hamilton Mourão afirmou nesta sexta-feira (11) em Roma que o governo brasileiro não aceita ficar com o papel de vilão no debate sobre a preservação da Amazônia, região que é tema do sínodo da Igreja Católica que acontece desde a última segunda (6) no Vaticano.
Em entrevista na Embaixada do Brasil na Itália, Mourão reforçou a soberania brasileira no que diz respeito aos assuntos relacionados ao bioma e disse que se reunirá com representantes do papa Francisco.
"A mensagem que eu quero passar, em nome do nosso governo, é que a Amazônia brasileira é brasileira. É responsabilidade nossa preservá-la e protegê-la. Quero deixar isso claro."
"Nós não queremos ser co
locados como vilões, como o governo da motosserra, governo exterminador de indígena, que não respeita direitos humanos. Quero mostrar que estamos comprometidos com os grandes temas do século 21, a preservação da vida na terra", afirmou. "É um recado pequeno, mas firme."
O vice-presidente chegou nesta sexta-feira a Roma para representar o governo brasileiro na cerimônia de canonização de Irmã Dulce, neste domingo (13), na Praça de São Pedro, e anunciou que encontrará, na segunda (14), os secretários do Vaticano Pietro Parolin (Estado) e Paul Richard Gallagher (Relações Exteriores).
O presidente Jair Bolsonaro alegou oficialmente problemas de agenda para não participar da cerimônia de canonização, em que estarão também outros políticos brasileiros.
Convocado pelo papa em 2017, o Sínodo da Amazônia é uma assembleia chefiada por ele com religiosos e especialistas dos nove países da região. Começou nesta semana e acontece até o dia 27 de outubro.
O objetivo é discutir a ação pastoral da igreja na área, além da situação do meio ambiente e dos moradores. Muitas das apresentações feitas nas sessões do evento trataram, nesta primeira semana, do desmatamento na porção brasileira da floresta e da situação dos povos indígenas.
Questionado sobre se os temas prejudicam a imagem do Brasil no exterior, Mourão fez um mea-culpa e disse que o governo reagiu mal no início das queimadas, em agosto.
"Óbvio que isso não é bom", respondeu. "Esse pacote todo gera um certo ruído, e a gente faz nosso mea-culpa, porque nos primeiros momentos da crise das queimadas, que é algo que ocorre todo ano, não tivemos uma reação correta."
"Agora temos que buscar um diálogo melhor, mais positivo, e usar todas as capacidades dos governos federal e estaduais para que as ilegalidades sejam proibidas e que sejam dadas assistências às pessoas que trabalham e produzem ali", disse.
Mourão declarou ainda que o governo brasileiro não considera o papa Francisco um inimigo.
"O governo brasileiro em nenhum momento pode julgar que o papa é inimigo. Pelo contrário, é o líder maior da Igreja Católica. O que está ocorrendo no Sínodo da Amazônia é algo que está planejado há algum tempo, eu e o governo entendemos a problemática que a Igreja enfrenta na região."
Segundo ele, o presidente Bolsonaro deve organizar uma viagem para a Itália no ano que vem, na qual poderá se encontrar com o papa.
ENTENDA O SÍNODO
O que é - O Sínodo dos Bispos é uma reunião episcopal de especialistas. Convocado e presidido pelo papa, discute temas gerais da Igreja Católica (como juventude, em 2018), extraordinários (considerados urgentes) e especiais (sobre uma região). Instituído em 1965, acontece neste ano pela 16ª vez
Especial Amazônia - Anunciado em 2017, o Sínodo da Amazônia trata de assuntos comuns aos nove países do bioma, organizados em dois eixos: pastoral católica e ambiental
Para que serve - É um mecanismo de consulta do papa. Os convocados debatem e fornecem material para que ele dê diretrizes ao clero, expressas em um documento chamado exortação apostólica. As últimas duas exortações pós-sinodais foram publicadas cerca de cinco meses depois de cada assembleia
Quem participa - O Sínodo da Amazônia reúne 185 padres sinodais (como são chamados os bispos participantes), sendo 57 brasileiros. Além dos bispos da região, há convidados de outros países e de congregações religiosas. Também participam líderes de outras comunidades cristãs, da população e especialistas —no total, há 35 mulheres. O papa costuma presidir todas as sessões (Folha de S.Paulo, 12/10/19)
Bispo rebate Mourão e diz que governo quer 'cancelar identidade dos indígenas'
No Sínodo da Amazônia, religioso afirma que gestão Bolsonaro 'diz uma coisa e depois faz outra' em relação à preservação ambiental.
Bispo que atua em São Félix do Araguaia, em Mato Grosso, dom Adriano Ciocca Vasino – Foto)respondeu neste sábado (12), no Vaticano, às declarações do vice-presidente Hamilton Mourão e disse que o governo quer "cancelar a cultura e identidade dos indígenas".
À Folha dom Adriano afirmou que o incômodo do governo Jair Bolsonaro com o Sínodo da Amazônia é "provavelmente porque eles dizem uma coisa e depois fazem outra coisa". "Falar é fácil, mas, para cumprir de forma coerente com aquilo que a legislação prevê, a gente vê que tem um hiato muito grande", diz.
Segundo ele, a atitude adequada do governo é estabelecer mais diálogo com a Igreja Católica e com os povos indígenas para compreender melhor as necessidades e as exigências de quem vive ali.
"Mas percebemos o contrário: este governo está querendo cancelar a cultura e a identidade dos indígenas. Eles querem que os índios como índios desapareçam e se agreguem à sociedade branca como pobres. Sociologicamente, entrariam numa outra categoria e desapareceriam como cultura e identidade próprias", afirmou.
Mourão afirmou nesta sexta (11) que daria um "pequeno recado" ao Vaticano sobre a Amazônia.
"A mensagem que eu quero passar, em nome do nosso governo, é que a Amazônia brasileira é brasileira. É responsabilidade nossa preservá-la e protegê-la. Quero deixar isso claro."
Para dom Adriano, no entanto, a soberania do Brasil não está em discussão.
Ele é um dos 57 bispos brasileiros que participam do Sínodo da Amazônia, reunião de religiosos e especialistas dos nove países do bioma com o papa Francisco, que convocou a assembleia há dois anos para debater a ação da Igreja Católica na região e a situação do meio ambiente e dos moradores. São 258 participantes, que se reúnem até o dia 27 de outubro.
"A soberania do Brasil e dos outros países que fazem parte da Amazônia não está em discussão, a responsabilidade primária é dos países que têm a Amazônia. Mas não podemos esquecer que estamos num mundo globalizado e que é importante que se supere a ideia de soberanismo, que é um pouco ultrapassada e uma forma de populismo. E que não ajuda nem o Brasil, nem a Amazônia, nem a saúde do nosso planeta", afirmou o religioso a jornalistas, em entrevista organizada pelo Vaticano.
Antes do encontro, iniciado no dia 6 de outubro, o governo brasileiro criticou a iniciativa da igreja, argumentando que se tratava de uma ameaça à soberania brasileira sobre as questões relativas à Amazônia.
Dom Adriano é italiano e vive há 40 anos no Brasil, sendo sete em Mato Grosso e outros 33 anos no sertão pernambucano.
"Tenho contato com os xavante em Maraiwatsede, que sofreram demais em 2012 quando reocuparam a terra numa operação que foi quase de guerra, com os tapirapé, que têm a terra Urubu Branco invadida, e os carajá, atingidos por muitos suicídios de jovens, de doenças venéreas e alcoolismo, porque os brancos nas temporadas de praia do rio Araguaia corromperam bastante a coisa", revelou.
"As populações indígenas têm um desconforto muito grande diante da política concreta que o governo está executando. Eles se sentem literalmente desamparados e sentem que as exigências que eles fazem, como, por exemplo, de preservação de terra deles e de respeito das áreas de defesa do agrotóxico, não são respeitadas. E ninguém se importa com isso" (Folha de S.Paulo, 13/10/19)