Mudanças climáticas, o maior desafio global – Editorial O Estado de S.Paulo
É cada vez mais estreita a janela de oportunidade para limitar aquecimento global a 2°C até 2100.
Não há precedentes em milhares de anos para as atuais mudanças no clima da Terra. Apenas as ações diretas do homem foram responsáveis pelo aumento recente de 1,07°C na temperatura do planeta, fato “inequívoco e irreversível” – e pela primeira vez mensurado. Hoje, todos os pontos do globo são afetados por algum “evento climático extremo”, como enchentes, secas e ondas de calor. Estes são causados, em grande medida, por alterações provocadas no meio ambiente. Só uma substancial redução das emissões de CO2 e outros gases causadores do efeito estufa na atmosfera será capaz de interromper a progressão das mudanças climáticas. Porém, ainda que todas as medidas necessárias sejam adotadas pelos principais países emissores, entre os quais o Brasil, poderá levar 30 anos para que a temperatura da Terra atinja um patamar de estabilidade relativamente seguro.
Estas são algumas das principais conclusões contidas na primeira de três partes do inquietante relatório Climate Change 2021: The Physical Science Basis, elaborado por mais de 200 cientistas de 66 países, inclusive o Brasil, que foram reunidos pelo Painel Intergovernamental sobre o Clima (IPCC) da ONU.
O estudo revela que a temperatura da Terra aumentará 1,5°C em relação à era pré-industrial até 2030, uma década antes do previsto inicialmente. Isto significa que os chamados “eventos climáticos extremos” serão cada vez mais frequentes nos próximos anos. O quão devastadores eles serão dependerá das ações coordenadas de governos e sociedades no mundo inteiro a partir de já.
A janela de oportunidade para manter o aquecimento global limitado a 2°C até 2100, meta definida pelos signatários do Acordo de Paris, é cada vez mais estreita.
A primeira ação a ser tomada – a mais sensata e responsável de todas – é dar ao documento do IPCC/ONU o devido crédito. Não por acaso, a palavra “irrefutáveis”, em referência às evidências científicas das mudanças climáticas, aparece nas primeiras páginas do longo relatório. À medida que o tempo passa, mais caro ficará o negacionismo de líderes irresponsáveis, que tomam um dado científico como “arma” de uma suposta “guerra cultural”. É o caso do presidente Jair Bolsonaro e de figuras como o ex-chanceler Ernesto Araújo e o ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles.
Especialistas alertam que o Brasil poderá sofrer severamente com o desequilíbrio dos ecossistemas, sobretudo na Região Amazônica. No pior cenário, ou seja, caso nenhuma medida para conter as emissões de gases seja tomada pelo governo federal, o País poderá sofrer com crises humanitárias, inclusive a decorrente da queda na produção agrícola. A atividade industrial brasileira não é a maior vilã das emissões de gases do País, mas sim o desmatamento ilegal. Sob Bolsonaro, registra-se recorde atrás de recorde de desmatamentos ilegais. Nesta hora grave, o Brasil está entregue a um presidente que não dá a devida importância às mudanças climáticas, o que é terrível para o País, para os brasileiros e para o mundo. Embora o Brasil seja o 6.º maior emissor de CO2 do planeta, aqui estão grandes biomas e a maior biodiversidade do planeta. Portanto, o País é ator fundamental em qualquer discussão de políticas globais de contenção dos danos causados pelas mudanças climáticas.
Em última análise, o negacionismo científico, não apenas aqui, resultará em cada vez mais vidas perdidas, seja em decorrência direta de tragédias climáticas – como a devastação de áreas costeiras pelo aumento do nível dos oceanos, incêndios florestais ou enchentes causadas por chuvas muito acima dos níveis médios –, seja por causas associadas, como a fome decorrente da queda da produção de alimentos ou a proliferação de doenças em desordenadas migrações em massa.
Conter o avanço das mudanças no clima é o maior desafio global em muitas gerações. O que é feito em conjunto hoje, desde a esfera privada individual até políticas públicas concertadas entre nações, determinará como será a vida na Terra, não num futuro distante, mas nos próximos anos (O Estado de S.Paulo, 10/8/21)