13/04/2020

No Brasil, setor leiteiro vive normalidade, mas precisa de incentivos

No Brasil, setor leiteiro vive normalidade, mas precisa de incentivos

Por Mauro Zafalon

 

Medidas como crédito e compras governamentais já foram solicitadas pelo setor.

O Brasil ainda não chegou ao estágio de jogar leite fora. O país vive uma certa normalidade, e o setor nacional difere muito do dos EUA, onde o produto tem sido despejado.

Uma das diferenças básicas é que os americanos geram excedentes de produção para exportação, o que está difícil neste momento.

Já o Brasil praticamente consome tudo o que produz, segundo Vicente Nogueira, coordenador da Câmara de Leite da OCB (Organização das Cooperativas do Brasil).

Além disso, a cadeia de alimentação fora do lar americana é muito mais relevante que a brasileira, o que afeta muito o consumo de derivados por lá, principalmente o de queijo.

Nogueira destaca ainda que o maior consumo dos americanos é baseado no leite fluido e pasteurizado, de vida mais curta que o UHT (longa vida), usado em grande escala no Brasil.

O coordenador da OCB classifica a situação brasileira, até agora, próxima da normalidade. Natália Grigol, pesquisadora da equipe de leite do Cepea (Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada), concorda com Nogueira sobre o momento atual.

Ela destaca, no entanto, que a disruptura atual da economia brasileira poderá ser tão grave que, se ainda não estamos fazendo o que fazem os americanos, não quer dizer que não possamos chegar lá.

“A única certeza que temos, olhando para a frente, é que temos muitas incertezas”, diz. Natália dá caminhos, contudo, para que o país não repita o que fazem os americanos: dar estímulos ao consumo, principalmente para os derivados do leite.

A cadeia de leite é complexa, o produto é extremamente perecível, e não há muita capacidade de estocagem. O principal elo dessa cadeia é a indústria, responsável pela coleta nas fazendas e pela industrialização. Qualquer problema com ela, o reflexo será imediato no campo.

O Brasil já começou a ter algumas dificuldades, com excesso de leite em algumas regiões e falta em outras.

A quarentena elevou em até oito vezes a venda diária do leite longa vida nos supermercados no pico da corrida às compras. Com isso, as indústrias desse setor aumentaram a demanda pela matéria-prima.

Mas a própria quarentena provocou uma forte retração nas vendas de queijos e de derivados, devido à paralisação dos principais canais de escoamento desses produtos, como restaurantes e lanchonetes.

As indústrias do segmento de queijaria interromperam as compras de leite. O resultado foi sobra de matéria-prima na indústria de queijo e falta nas de leite longa vida.

A solução encontrada por um grupo de técnicos do Ministério da Agricultura, da CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil), e de representantes do setor foi permitir o trânsito desse leite de uma região para outra.

Tanto Agricultura como CNA montaram grupo próprio para atender demandas de produtores, monitorar preços e mitigar impactos no abastecimento de alimentos.

No caso do leite, houve mudança temporária da legislação, permitindo a comercialização da matéria-prima, com diferentes serviços de inspeção, entre municípios e estados. Segundo um dos técnicos do Ministério da Agricultura, “foi uma ação de inteligência de mercado”.

Bruno Lucchi, superintendente técnico da CNA, diz que várias medidas foram solicitadas e que parte já foi atendida.

Algumas são para melhorar as vendas como fornecimento de crédito, compras governamentais, comercialização em feiras e crédito para prorrogação de capital de giro.

 

Outras são para reduzir os custos de produção, como suspender temporariamente cobrança de PIS/Cofins.

Nogueira diz que o setor de leite se divide em dois neste momento. A cadeia que está ligada à comercialização tradicional, o chamado atacarejo, não tem problema e está próxima da normalidade.

Os problemas ocorrem, no entanto, nas indústrias e cooperativas ligadas apenas ao setor de alimentação fora do lar, importante na desova da produção do setor.

Natália se preocupa, porém, com o que vem pela frente. O leite longa vida, que subiu 24,7% de preço em março e que consome 30% do leite produzido, não tem mais espaço para novos aumentos, devido à renda dos consumidores.

Já o consumo de queijos —produto que usa boa parte da produção de leite— está em queda. A indústria voltada apenas para esse segmento poderá deixar de buscar o leite no campo.

Aí o problema passa a ser também do produtor, que vai perder renda e interromper a produção. Pode até enviar parte do rebanho para o abate.

Se isso ocorrer, a produção de leite deixa de ser um problema de curto prazo para se tornar de longo prazo.

A recomposição de um rebanho leiteiro demora pelo menos três anos, e a produção brasileira, que não cresce há pelos menos cinco, poderá se enfraquecer ainda mais (Folha de S.Paulo, 11/4/20)