06/07/2023

Nova versão da reforma tributária tem alíquota zero para cesta básica

Nova versão da reforma tributária tem alíquota zero para cesta básica

Plenário da Câmara dos Deputados Foto MyKe Sena - 14.jun.2023-Câmara dos Deputados

 

Texto foi apresentado às 21h e entrou em discussão; deputados reclamam de pouco tempo para análise.

O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), deu início à discussão da PEC (proposta de emenda à Constituição) da reforma tributária no plenário da Casa na noite desta quarta-feira (5), após dias de negociação das mudanças no parecer do relator, deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB).

Ribeiro apresentou uma nova versão do texto, que inclui modificações na transição para o novo sistema tributário, uma trava contra o aumento da carga tributária, e a criação de uma Cesta Básica Nacional —relação de produtos básicos consumidos pelas famílias e que terão alíquota reduzida a zero.

"[A mudança] É para que ninguém fique dizendo que a gente vai pesar a mão sobre os pobres", disse Ribeiro ao ler seu parecer. "Queremos dar sinal claro a todo o Brasil de estamos fazendo um trabalho sério."

A declaração foi dada após o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) escrever nas redes sociais uma crítica à proposta. "Reforma Tributária do PT: um verdadeiro soco no estômago dos pobres", publicou na terça-feira (4).

O rol de mercadorias a serem alcançadas ainda precisará ser regulamentado, mas a mudança atende a uma demanda de diferentes setores e parlamentares. Na versão anterior do texto, os produtos da atual cesta básica teriam desconto de 50% na tributação, gerando temores de aumento de carga —o que foi negado pelo governo e por Aguinaldo Ribeiro.

Além disso, o texto estabelece que estados e municípios deverão criar fundos de combate à pobreza que contem com a participação da sociedade civil. Tais instrumentos podem ser abastecidos pela arrecadação dos tributos resultantes da reforma.

O parecer do relator foi divulgado pouco antes das 21h e tem 142 páginas. Membros da oposição pediram o adiamento da discussão para que tivessem tempo de analisar o documento, mas o pleito foi rejeitado por 302 a 148 votos. O placar foi visto como um termômetro positivo por deputados no plenário, já que se aproxima dos 308 votos necessários para aprovar o texto.

A expectativa de Lira é votar o texto em plenário na quinta-feira (6). O presidente da Câmara anunciou aos parlamentares que vai garantir um período de sete horas de discussão do texto. "Eu vou usar o rigor máximo no debate, que vai ser democrático, para a gente seguir o rito regimental. Não vamos ter pegadinha, não vamos ter nenhum tipo de extrapolação. Vamos fazer os seus debates, suas críticas, suas defesas de maneira organizada", afirmou.

 Ao iniciar a leitura de seu parecer. Ribeiro reiterou o objetivo de simplificar o sistema tributário no país. "Estamos vivendo um dia histórico", disse. "Vamos acabar com essa falácia de que a reforma vai aumentar imposto. A reforma não vai aumentar imposto, ela vai simplificar o pagamento de imposto", afirmou.

Um dos principais pontos de negociação nos últimos dias, o detalhamento da governança do Conselho Federativo ainda não foi contemplado no texto divulgado nesta quarta. Segundo interlocutores, uma nova versão a ser divulgada nesta quinta deve contemplar este ponto.

Há uma discussão para ampliar o poder de voto de estados das regiões Sul e Sudeste nas deliberações do colegiado, que será responsável pela arrecadação do IBS (Imposto sobre Bens e Serviços), que vai substituir o ICMS estadual e o ISS municipal.

Essa é uma demanda de governadores dessas localidades, que temem ser atropelados nas decisões por estados de Norte e Nordeste, que teriam mais facilidade em formar maioria simples (eles são 16 das 27 unidades da federação).

"Estamos finalizando exatamente o texto que compatibiliza tudo aquilo que foi acordado para que a gente não se equivoque e não cometa erros no texto, assim como a questão dos critérios de distribuição do Fundo de Desenvolvimento Regional, que nós praticamente já finalizamos, falta agora só modificar no texto", disse Ribeiro.

 O texto divulgado na noite desta quarta prevê a fusão de PIS, Cofins e IPI (tributos federais), ICMS (estadual) e ISS (municipal) em um IVA (Imposto sobre Valor Agregado). O sistema será dual: significa que uma parcela da alíquota será administrada pelo governo federal por meio da CBS (Contribuição sobre Bens e serviços), e a outra, por estados e municípios pelo IBS.

Também será criado um imposto seletivo, que não tem uma finalidade arrecadatória e será aplicado sobre bens e serviços cujo consumo são considerados prejudiciais à saúde (como cigarros e bebidas alcoólicas) ou ao meio ambiente.

A implementação dos tributos começará em 2026, mas a migração integral para o novo sistema só acontecerá em 2033.

O ritmo da transição, porém, sofreu ajustes em relação ao que havia sido proposto inicialmente por Ribeiro. Pelo texto divulgado, os dois novos tributos começarão a ser implementados em 2026. A CBS iniciaria com uma alíquota teste de 0,9%, e o IBS, de 0,1%.

"O objetivo dessa etapa é conhecer a base tributável, permitindo que se calculem as alíquotas da CBS e do IBS necessárias para substituir a arrecadação atual", diz o parecer. Segundo Ribeiro, a aplicação mais cedo do IBS atende a uma demanda dos governadores.

Em 2027, PIS e Cofins seriam completamente extintos e substituídos pela nova alíquota de referência da CBS. As alíquotas do IPI também seriam zeradas, com exceção dos produtos que tenham industrialização na Zona Franca de Manaus. O imposto será mantido temporariamente nesses casos "como instrumento de preservação do tratamento favorecido da região amazônica".

No caso do IBS, a transição será mais gradual. Até 2028, a alíquota continuará em 0,1%. Em 2029, a cobrança de ICMS e ISS será reduzida em 1/10 por ano até 2032. Em 2033, os impostos atuais serão totalmente extintos.

 As alíquotas definitivas de cada tributo serão definidas posteriormente, em lei complementar, pois vão depender de cálculos efetuados em conjunto com o Ministério da Fazenda. Em entrevista à FolhaRibeiro disse que a reforma terá uma trava para evitar aumento de carga tributária.

A transição mais longa dos tributos estaduais e municipais busca acomodar os benefícios fiscais já concedidos por esses governos e que têm manutenção garantida pelo Congresso Nacional até 2032.

Mesmo com essa saída, o governo federal vai injetar R$ 160 bilhões ao longo de oito anos para ajudar a compensar essa fatura, sem contar o FDR (Fundo de Desenvolvimento Regional), que terá R$ 40 bilhões anuais a partir de 2033.

Os estados pediram um valor anual maior, de R$ 75 bilhões, mas o relator manteve o montante acertado com o Ministério da Fazenda. Dessa forma, a soma dos dois fundos não deve nunca ultrapassar os R$ 40 bilhões anuais.

Além do sistema dual, o texto também prevê a fixação de uma alíquota padrão e de uma reduzida (equivalente a 50% da cobrança padrão) para setores específicos, como medicamentos, dispositivos médicos e serviços de saúde, serviços de educação, transporte público coletivo, produtos agropecuários, artigos da cesta básica e atividades artísticas e culturais nacionais.

No parecer divulgado nesta quarta, o deputado ampliou essa lista para incluir os medicamentos e produtos de cuidados básicos à saúde menstrual, além de dispositivos médicos e de acessibilidade para pessoas com deficiência.

Além disso, passou a prever que medicamentos específicos de alta relevância poderão ter as alíquotas zeradas por meio de lei complementar.

O relator também atendeu pleitos do agronegócio ao estabelecer um regime tributário específico para as cooperativas. Agora, o parecer prevê que os créditos dos insumos adquiridos pelos cooperados sejam aproveitados na venda a não cooperados, garantindo isonomia com outras empresas.

O regime específico das cooperativas se soma a uma lista de outros segmentos que já contavam com tratamento diferenciado, como combustíveis e lubrificantes, que terão alíquotas uniformes cobradas em uma única fase da cadeia e possibilidade de concessão de créditos para o contribuinte.

Atividades operações com bens imóveis, serviços financeiros, planos de assistência à saúde e concursos de prognósticos (como loterias) também receberão tratamento específico, com alterações nas alíquotas, nas regras de creditamento e na base de cálculo, além de possibilidade de tributação com base na receita ou no faturamento

Em outro aceno ao agronegócio, Ribeiro ampliou o limite de receita anual que permite a produtores rurais que atuam como pessoas não recolham o IBS e a CBS.

Na versão de 22 de junho, o texto fixava esse valor em R$ 2 milhões, o que contemplaria 98,5% dos produtores rurais pessoas físicas no país. A CNA (Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária) pedia um limite maior, de R$ 4,8 milhões. O parecer divulgado atendeu parcialmente essa demanda, elevando o teto a R$ 3,6 milhões, e estendendo o benefício a pessoas jurídicas.

O relator ainda listou tratores e máquinas agrícolas como isentos de IPVA (Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores), blindando esses bens da ampliação da incidência do tributo para alcançar lanchas e jatos particulares.

REGIMES TRIBUTÁRIOS FAVORECIDOS

O texto da PEC também mantém os benefícios fiscais da Zona Franca de Manaus, um dos pontos frequentes de apelo nas negociações com parlamentares. Segundo o texto, o próprio Imposto Seletivo poderá "assumir a função de diferencial competitivo dos produtos da região".

O Simples Nacional, regime simplificado de recolhimento de tributos para micro e pequenas empresas, também será mantido, mas a ideia é permitir que as companhias tenham maior flexibilidade para aderir ou não ao novo sistema IVA —o que pode ser vantajoso para quem fornece bens ou serviços para outras empresas, uma vez que elas poderiam obter créditos a partir dos insumos e abatê-los do imposto a ser recolhido (Folha, 6/7/23)


Veja os 8 principais impasses da reforma tributária

Governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, em entrevista a jornalistas após reunião com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, sobre reforma tributária, em Brasília (DF), nesta quarta (5). Foto Diogo Zacarias-Ministério da Fazenda

 Tarcísio de Freita e  Fernando Haddad -Foto Diogo Zacarias-Ministério da Fazenda

Governadores, prefeitos e setores como agro e de serviços fazem pressão por mudanças.

A aprovação da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) da reforma tributária depende de negociações em torno de questões políticas e econômicas. Veja alguns pontos que ainda causam divergência.

1. BENEFÍCIO PARA CESTA BÁSICA E PRODUTORES RURAIS

A proposta prevê uma redução de 50% no imposto para produtos e insumos agropecuários, o que manteria a carga tributária da cesta básica inalterada. O setor quer uma desoneração maior (80%) e a inclusão de mais produtos na lista.

A bancada do agronegócio também pede ampliação do limite de receita para produtores pessoas físicas isentos do novo tributo (de até R$ 2 milhões para até R$ 4,8 milhões ao ano).

2. ALÍQUOTA MENOR PARA ALGUNS SERVIÇOS

Entidades de serviços querem que todo o setor seja contemplado com alíquota reduzida, mas o texto prevê alíquota 50% menor apenas para alguns segmentos, como educação e saúde.

O governo diz que 90% das empresas não serão atingidas pela reforma por estarem no Simples, vários setores já estão com alíquota menor e que prestadores de serviços a empresas terão redução de carga.

3. CONSELHO FEDERATIVO COM GOVERNADORES E PREFEITOS

Um dos principais desafios da reforma tributária é reunir apoio de governadores resistentes ao conselho federativo a ser criado pela reforma para centralizar a arrecadação do IBS (Imposto sobre Bens e Serviços), que vai substituir o ICMS estadual e o ISS municipal.

O estado de São Paulo, por exemplo, defende uma câmara de compensação para que os estados continuem responsáveis pela arrecadação, mas afirma agora concordar com o conselho se estados do Sul e Sudeste tiverem maior poder de decisão.

4. PREFEITOS DIVIDIDOS

Frente Nacional dos Prefeitos, que representa municípios grandes e médios, posicionou-se contra o fim do ISS e pede que o tributo fique de fora da reforma.

A CNM (Confederação Nacional dos Municípios), que representa a maioria dos prefeitos do país, apoia a reforma e pede apenas ajustes no texto, como maior participação no Conselho Federativo, imunidade recíproca plena nas compras públicas.

 

5. FUNDO DE DESENVOLVIMENTO

Outro pleito é um FDR (Fundo de Desenvolvimento Regional) de R$ 75 bilhões anuais, maior que os R$ 40 bilhões propostos pelo Ministério da Fazenda e que constam no texto atual. Os recursos serão usados para conceder incentivos regionais, no lugar dos atuais benefícios tributários.

Os estados também divergem sobre os critérios de distribuição do fundo –Sul e Sudeste querem uma regra que lhes conceda uma fatia maior no bolo.

6. ENTRADA EM VIGOR DO NOVO IMPOSTO

Os estados também propõem que o IBS entre em vigor em 2029 com uma alíquota-teste de 1%, com a extinção do ICMS em 2033, quando acabam os atuais benefícios fiscais. A proposta prevê uma transição gradual (20% ao ano) entre IBS e ICMS de 2029 a 2033.

7. TRANSIÇÃO FEDERATIVA DA ARRECADAÇÃO

A PEC prevê 50 anos de transição federativa, período em que haverá redistribuição gradual da arrecadação entre estados e municípios para evitar quedas bruscas de receitas.

Os secretários de Fazenda defendem um intervalo de 45 anos dividido em dois períodos: Nos primeiros 26 anos, o critério de distribuição seguiria a participação inicial dos estados e municípios no ICMS ou ISS, decrescendo ano a ano. Nos 19 anos seguintes, 95% dos recursos seriam distribuídos conforme o local de consumo (destino), e outros 5% bancam o chamado "seguro" contra perdas de arrecadação. Na PEC, o seguro equivale a 3% das receitas do IBS.

8. ZONA FRANCA DE MANAUS

A PEC prevê tratamento especial à região, para manter os benefícios até 2073, mas o Amazonas pede a criação de um fundo de compensação exclusivo para região (Folha, 6/7/23)