11/09/2024

O Brasil sufoca – Editorial O Estado de S.Paulo

O Brasil sufoca – Editorial O Estado de S.Paulo

Ou Lula lidera um esforço nacional de adaptação às mudanças climáticas digno do nome ou o Brasil será consumido por sua incompetência antes que o fogo arrase por completo seus biomas.

O Brasil está pegando fogo. E antes fosse apenas no sentido figurado, como decorrência do acirramento de ânimos típico dos períodos eleitorais.

De acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), queimadas naturais e criminosas cobrem nada menos que 60% do território nacional de fumaça, mais ou menos densa a depender da região do País. Na manhã de segunda-feira passada, o ar respirado na cidade de São Paulo foi considerado o pior do planeta pela IQAir, uma ONG acreditada pela ONU para medir a qualidade do ar em várias cidades do mundo. O resultado desse quadro aterrador pode ser sentido por todos, mas sobretudo idosos e crianças, os mais suscetíveis ao agravamento de doenças cardiorrespiratórias causado pelo clima desértico.

Respirar se tornou, literalmente, um ato de resistência. E malgrado os incêndios tenham começado nessa dimensão apocalíptica há meses, só agora o governo do presidente Lula da Silva parece ter acordado para a gravidade da situação. Ontem, o petista viajou ao Amazonas acompanhado por ministros para anunciar os detalhes da formação de uma “força-tarefa” para combater as queimadas e prestar socorro aos cidadãos que vivem nas áreas mais afetadas pelo fogo e pela seca.

Há poucas semanas, o ministro do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, Wellington Dias, já parecia perdido. Durante uma viagem aos Estados do Amazonas, Pará e Rondônia, Dias afirmou ao Estadão que a tragédia ambiental era “uma coisa nova” – quando nova, a rigor, não é nem a prostração do governo federal diante de um problema há muito conhecido, como já sublinhamos nesta página (ver A indolência de Lula na crise ambiental, 9/9/2024).

“Está todo mundo chocado com essa situação”, lamentou Wellington Dias. Ora, chocada está a sociedade brasileira diante da incompetência do governo Lula da Silva para lidar com as queimadas, no melhor cenário, ou do descaso do presidente da República pela chamada questão ambiental – que jamais foi uma causa que o petista carregou no peito, instrumentalizando-a na medida de suas conveniências políticas de ocasião.

Prontos-socorros dos hospitais País afora estão lotados de pacientes à espera de diagnóstico e tratamento para as doenças causadas por esse ar insalubre. Da ministra da Saúde, Nísia Trindade, ainda não se ouviu palavra sobre os cuidados que a população precisa tomar para resguardar a saúde sob condições tão adversas. Por muito menos, outras autoridades já convocaram cadeia nacional de rádio e TV para se dirigirem aos brasileiros. Talvez seja o caso de lembrar à sra. Trindade que ser melhor do que o inesquecível Eduardo Pazuello no cargo não basta para que ela possa ser vista como uma ministra da Saúde à altura das necessidades de um país como o Brasil.

Nos âmbitos estadual e municipal, particularmente em São Paulo, o manejo da crise não parece ser menos problemático. A sensação transmitida à sociedade é de descompasso, para dizer o mínimo. Ao que parece, todos estão tomando ciência da gravidade de um problema que, como já foi dito, não é novo nem será episódico.

As respostas governamentais à crise do clima devem ser abrangentes e coordenadas entre as três esferas da administração. Obviamente, impõem-se o combate imediato às queimadas e a persecução dos que as promovem de modo criminoso. Mas isso não basta. O Brasil precisa, de uma vez por todas, avançar na adaptação às mudanças climáticas. Condições meteorológicas extremas, como a seca, as ondas de calor e as enchentes já não são o “novo normal”, mas uma realidade posta.

Quando se fala em proteção do meio ambiente, está-se falando de segurança hídrica, energética e alimentar. Está-se falando de vidas, portanto. Ou Lula da Silva acorda para isso e lidera um esforço nacional de adaptação às mudanças climáticas digno do nome – e não só para “inglês ver” – ou o Brasil será consumido por sua incompetência antes que as chamas possam arrasar por completo os seus biomas (Estadão, 11/9/24)



Onde há fumaça há fogo e falta urgência – Editorial Folha de S.Paulo

Sob Lula e Marina, esperava-se contraste maior com retrocesso de Bolsonaro; Congresso mal reage à tragédia da seca.

Com 60% do território envolto em fumaça de queimadas e incêndios florestais, o Brasil enfrenta uma crise ambiental não menos impactante que as enchentes do Rio Grande do Sul. Governos e sociedade, entretanto, reagem de forma letárgica à catástrofe.

Do início do ano até domingo (8), o país teve 165 mil focos de fogo registrados por satélite, 82% deles na amazônia e no cerrado. Ventos levam o fumo da queima de vegetação até o Sul e o Sudeste, sobrecarregando serviços de saúde com casos de síndrome respiratória aguda grave, arriscando vidas de crianças e idosos.

Um dia virá o cômputo de mortes adicionais na tempestade perfeita de fogo e seca recordes, mas isso não é necessário para dimensionar o desastre. Rios amazônicos secam, isolando ribeirinhos; aeroportos e portos fecham; aulas são suspensas; acidentes se multiplicam nas estradas sob visibilidade reduzida.

O agravamento das mudanças climáticas sob o aquecimento global cria desafios que extrapolam os parâmetros anteriores para discernir variabilidade natural de anomalias ameaçadoras para a população, a exigir ação mais decidida ante eventos extremos.

Com Marina Silva no Ministério do Meio Ambiente, o governo federal aumentou o efetivo de brigadistas do Ibama de 2.109 para 2.255 desde a temporada de chamas de 2023, mas deixou reduzir-se de 1.415 para 981 o do ICMBio.

O desmate caiu na amazônia e só estacionou no cerrado, com o agravante de que no primeiro bioma agora ocorrem incêndios florestais onde antes o fogo não se propagava. Esperava-se contraste mais visível —que fosse além do discurso— com os retrocessos patrocinados por Jair Bolsonaro (PL).

Mesmo setores mais modernos do agronegócio, embora acolham a tese de que não é preciso derrubar matas para aumentar a safra, bastando melhorar a produtividade e recuperar pastagens degradadas, questionam a meta oficial de zerar o desmatamento ilegal ou legal em 2030.

Em carta de 2 de setembro ao Ministério do Meio Ambiente, 13 entidades do setor apontam que nem o ilegal está equacionado.

O Congresso mal reage ao flagelo. Verdade que aprovou legislação sobre manejo de fogo, porém após seis anos de tramitação e três de queimadas devastadoras. A bancada ruralista segue ativa na pauta antiambiental.

Cortou verbas do Ibama para combate a incêndios, depois recompostas por créditos extraordinários. Barrou a criação de uma autoridade climática por Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Na tragédia gaúcha, todos se uniram pela reconstrução. Lula foi ao estado e cercou-se de ministros ao apresentar em pronunciamento medidas enérgicas para enfrentar a crise, com apoio do Legislativo e do Judiciário.

Faltam planos, metas e articulação no poder público. Cabe ao governo de um país em chamas liderar a mobilização para debelá-las, hoje, e prevenir que o despautério se repita no futuro (Folha, 11/9/24)