06/12/2017

“O caminho é o etanol”, diz Antonio Megale, presidente da Anfavea

“O caminho é o etanol”, diz Antonio Megale, presidente da Anfavea

Antonio Megale, presidente da Anfavea: "Usar etanol em automóveis híbridos será o melhor dos mundoA indústria automobilística é vista como uma indústria velha, que só pede benesses ao governo"

O maior desejo de Natal de Antonio Megale, presidente da Anfavea, a associação que reúne os fabricantes de veículos, é ver o presidente Michel Temer assinar medida provisória para regulamentar a nova política industrial para o setor, a chamada Rota 2030. Membros do governo, principalmente do Ministério da Fazenda, resistem, entretanto, à ideia de que as montadoras continuem a receber incentivos fiscais para pesquisa e desenvolvimento, como ocorreu no programa anterior, o Inovar-Auto, que expira no fim do mês. O setor tenta se mobilizar para evitar que as discussões se estendam por muito tempo. Em breve, membros do governo que hoje são seus interlocutores vão se desincompatibilizar dos cargos para concorrer às eleições de 2018.

O incentivo fiscal esperado pelo setor soma R$ 1,5 bilhão por ano, valor ligeiramente superior ao concedido em cada um dos cinco anos do Inovar-Auto. O benefício foi concedido na forma de créditos tributário federais. Segundo Megale, durante o programa que se encerra agora as montadoras investiram outros R$ 5 bilhões em pesquisa.

Outra novidade é que no Inovar-Auto somente as montadoras tinham direito ao crédito tributário para pesquisa e desenvolvimento. O benefício, esperam os dirigentes do setor, será agora estendido aos fabricantes de autopeças.

Megale sabe que nem todos, na sociedade, são simpáticos aos pleitos do setor. "A indústria automobilística é vista como uma indústria velha, que só pede benesses ao governo e vende carros caros", afirma. E por que as montadoras teriam que receber incentivos? "Porque é um setor relativamente organizado, com poucas empresas e costuma servir de piloto de diversas medidas, como aconteceu com a substituição tributária e a nota fiscal eletrônica", responde Megale.

Quanto aos preços dos automóveis, o dirigente diz que comparações dependem do momento: "Um modelo de R$ 40 mil custava o equivalente a US$ 40 mil na paridade cambial; mas logo foi para US$ 10 mil na desvalorização."

Falta, a seu ver, a análise de que esse setor gera riqueza. "Mas se não fizermos pesquisa no Brasil as empresas, que são multinacionais, farão em outros países. Mas nesse caso não vão focar em vocações brasileiras, como é o caso dos biocombustíveis", destaca.

Para ele, também o etanol é uma alternativa da qual o Brasil não pode abrir mão. "Não sou contra carro elétrico. Mas não faz sentido jogarmos esse potencial fora e ir para uma tecnologia extremamente cara. Regiões como a Europa precisam da eletrificação já para atender aos compromissos de controle do efeito estufa. No Brasil a eletrificação virá no futuro. Mas hoje um país pobre como o nosso não pode ter política de incentivo para um carro que custa R$ 150 mil. É uma inversão de valores", diz.

Para Megale, o etanol será bem aproveitado se usado em carros híbridos (que têm um motor elétrico acionado por outro a combustão). O uso do etanol pode servir, diz, para o período de transição até a era da eletrificação no Brasil.

Carros elétricos seriam beneficiados se a nova fórmula de cobrança de IPI – umas das discussões mais polêmicas no Rota 2030 – considerasse economia de combustível. Mas a questão do IPI ainda não foi resolvida. Por outro lado, como no Inovar-Auto, o novo programa fixa para todas as empresas metas de economia de combustível e redução de emissões.

A MP que o setor tanto aguarda serviria de marco regulatório. "É o governo dizendo que haverá o programa", diz Megale. Nos meses subsequentes seriam promulgados diferentes decretos para regulamentar todo o programa.

Megale defende não só incentivos mas também clareza nas regras. É o caminho, diz, para o setor preparar-se para futuras leis de segurança, como câmera de ré, ou para projetar carros com materiais que ajudarão a reduzir ferimentos em caso de atropelamento. "A previsibilidade é o caminho para chegar à lei", diz.

O fim do Inovar-Auto também elimina um forte mecanismo de proteção. Com o programa o governo criou tributação extra de 30 pontos percentuais no IPI dos veículos trazidos de outros países, uma ação condenada pela Organização Mundial do Comércio. No Rota 2030, o governo tende a fixar IPI extra de 10 a 15 pontos, uma forma de manter uma certa proteção à produção local.

No Rota 2030, a empresa que não investir em pesquisa e desenvolvimento terá de depositar recursos num fundo que será usado para o desenvolvimento de componentes que ainda não são produzidos no Brasil. A medida vai afetar as empresas que não têm produção local.

Apesar de elogiar o programa, Megale diz que não foi o Inovar-Auto que atraiu os investimentos, mas o potencial do país. O otimismo levou à criação de um parque com capacidade de produção anual de 5 milhões de veículos. Com a crise, porém, as vendas no mercado interno caíram de 3,8 milhões em 2013 para pouco mais de 2 milhões em 2016.

O Rota 2030 leva a vantagem de surgir no início da recuperação. A direção da Anfavea começou o ano com previsão de mercado interno 4% maior que o de 2016. "Analistas e nossos próprios associados riram e riram mais ainda quando elevamos a projeção para 7,3%", diz Megale. Sua previsão indica agora aumento de 9% nas vendas internas em 2017, num total em torno de 2,250 milhões de veículos. Embalada pelos bons resultados nas exportações, que vão bater recorde, a produção deve aumentar mais de 20%, com 2,7 milhões de unidades.

A crise fez o mercado brasileiro cair do quarto para o oitavo lugar no ranking mundial. Mas Megale acredita que o país tem potencial para estar entre os cinco primeiros. Isso tende a acontecer, estima, na segunda metade da próxima década, quando as vendas anuais no mercado interno estariam em torno de 4 milhões. A expectativa baseia-se no fato de que aqui há cinco habitantes por veículo enquanto em vizinhos como México e Argentina a relação é de três para um.

Megale não se preocupa com a falta de interesses das novas gerações em possuir o carro. "A indústria será produtora de mobilidade. Não importa se o veículo será adquirido pelo Uber, taxi ou para ser compartilhado” (Assessoria de Comunicação, 5/11/17)


O que se quer da indústria automobilística no Brasil?

Por Antonio Megale

Nas últimas semanas o futuro da indústria automobilística brasileira está em intensa discussão. Na pauta estão estímulos ao desenvolvimento, Inovar-Auto, Rota 2030 e o conceito de formação de política específica para um ou outro setor. Com todos esses temas em jogo, a pergunta que fica é: qual a indústria automobilística que queremos no Brasil?

 

Antes de responder diretamente é preciso apresentar alguns fatos. A indústria automobilística é responsável por 4% do PIB total brasileiro e 22% do PIB da indústria de transformação. Emprega direta e indiretamente 1,6 milhão de pessoas e gera aproximadamente R$ 40 bilhões de tributos diretos sobre veículos por ano - vale ressaltar que o veículo é um dos únicos produtos que recolhe impostos durante toda sua vida. São 65 unidades industriais localizadas em 10 Estados e 41 municípios.

 

É uma das cadeias produtivas mais extensas e com amplo efeito multiplicador na economia ao gerar emprego e renda, que são objetivos básicos de qualquer país. Basta ver o desenvolvimento socioeconômico que a indústria automobilística trouxe onde se instalou, traduzido pela ampliação do comércio local, qualificação da mão de obra, melhor qualidade do ensino com instalação de escolas técnicas e até faculdades, criação e desenvolvimento de sistemas básicos, como habitação e saúde, e evolução da infraestrutura como um todo.

 

O crescimento contínuo do nosso mercado atraiu as atenções das indústrias do mundo todo. E boa parte delas resolveu exportar para o Brasil. Quando a participação de importados chegou a quase um terço do total de vendas o Brasil reagiu com a criação do Inovar-Auto, uma política que trouxe inúmeros resultados positivos. Mais do que a chegada de novas fábricas, o programa trouxe um verdadeiro salto tecnológico nos veículos aqui produzidos e comercializados. A começar pela melhoria de 15,46% de eficiência energética, que em outras palavras representa economia de combustível para o consumidor.

 

Os avanços contemplam desde redução do tamanho do motor e do número de cilindros - muitas vezes com aumento de potência - até a adoção de blocos em alumínio, turbocompressores, injeção eletrônica direta de combustível, pneus "verdes", novos materiais na construção da carroçaria, adoção do sistema start-stop em alguns modelos, transmissões que permitem regimes de trabalho mais econômicos, etc. Este salto de qualidade permitiu que aumentássemos nossas exportações, inclusive para países com mercado aberto, que recebem veículos de qualquer lugar do mundo.

 

De acordo com informações do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços, este progresso da eficiência energética representa uma economia de R$ 7 bilhões de gasto com combustível por ano, além de evitar o lançamento de 1 milhão de toneladas de gás carbônico na atmosfera - 7 milhões de árvores seriam necessárias para absorver essa quantidade de CO2.

 

Há que melhorar a competitividade antes da abertura total de mercado em um acordo com Mercosul e UE Ainda segundo dados do Mdic, as empresas habilitadas ao Inovar-Auto investiram, na média, cerca de 3% de sua receita líquida em inovação, enquanto a indústria de manufatura investiu menos de 1%. Se a tal renúncia fiscal foi na ordem de R$ 1,3 bilhão por ano em razão dos investimentos em pesquisa e desenvolvimento, o volume total aportado pelas empresas no período do programa foi de R$ 40 bilhões. Em outra comparação, no ano de 2015, por exemplo, o Inovar-Auto foi responsável por apenas 0,5% do total de R$ 277 bilhões de renúncia fiscal no Brasil.

 

Mas muito mais além dos números, estamos gerando inovação e conhecimento genuinamente brasileiros, utilizando a competência e criatividade dos nossos engenheiros para usufruir das potencialidades do nosso país, como o etanol. Este biocombustível exemplifica bem a importância de ter uma indústria local com pesquisa, desenvolvimento e inovação. Em meados da década de 70 o Brasil criou o Proálcool, que viabilizou posteriormente a criação do veículo flex. Até hoje a tecnologia é a maior revolução mundial em termos de combustíveis renováveis e representa a plena utilização de uma característica brasileira.

 

Voltando à pergunta inicial, qual a indústria automobilística que queremos no Brasil? Queremos uma indústria automobilística que contribua para a evolução socioeconômica do país, gere inovação e conhecimento e melhore a vida das pessoas ao oferecer soluções para uma mobilidade urbana sustentável.

 

Com o Rota 2030 não estamos falando de benefícios ou renúncias fiscais, mas sim de um novo salto tecnológico e na melhoria contínua da competitividade brasileira. É nossa oportunidade de desenvolver a indústria para competirmos no mercado global, com veículos de ponta para o mercado interno e externo. Deixaremos de acompanhar o que é feito lá fora em termos de novas tecnologias, seja de propulsão ou de direção autônoma, para sermos protagonistas na criação. E, quem sabe, utilizando conhecimento brasileiro para termos um dia o híbrido com tecnologia flex e a célula de combustível abastecida com hidrogênio retirado do etanol.

 

A indústria automobilística não acabará se o Rota 2030 não sair. O potencial do Brasil é muito grande para as empresas - pelo menos a maioria delas - simplesmente saírem do país. Porém sem ele é possível que deixemos de receber investimento estrangeiro no desenvolvimento de produtos. Deixaremos de gerar conhecimento aqui. É isso que queremos? Ser meros importadores de veículos e tecnologias? Reduzir a geração de emprego e renda? Enfraquecer nossa cadeia de fornecedores?

 

Com certeza não é isso que queremos e nem o que precisamos. O Brasil precisa brigar por uma indústria forte e geradora de inovações, com o objetivo de concorrer no mercado global. Temos que melhorar nossa competitividade antes de partir para uma visão de abertura total de mercado em um acordo entre Mercosul e União Europeia. Essa é a meta do Rota 2030. E é por isso que ele precisar sair (Antonio Megale é presidente da Anfavea)