O cisne verde – Editorial O Estado de S.Paulo
Restrições ambientais abruptas podem gerar crises e dizimar milhões de empregos.
Os riscos das mudanças climáticas, negados por alguns, exagerados por muitos, são conhecidos: elevação do nível do mar, extremos de temperatura, secas, enchentes, erosão do solo, extinção da vida selvagem e intensificação de imigrações, conflitos, pobreza e desigualdade entre os humanos. Mas quais são os riscos para a estabilidade financeira, e o que os seus guardiões, os bancos centrais, podem fazer para enfrentá-los? Para responder a essa pergunta, o Banco de Compensações Internacionais (BIS, na sigla em inglês), organização que reúne 55 bancos centrais, emitiu um parecer com o título Cisne Verde, inspirado na hoje popular metáfora de Nassim Taleb. Eventos “cisnes negros” são raros e inesperados; têm impactos vastos ou extremos; e só podem ser explicados após o fato. Cisnes verdes são “cisnes negros climáticos”, com três agravantes: embora os impactos climáticos sejam incertos, é seguro que em alguma medida se materializarão; eles põem em risco a vida no planeta; e seus desdobramentos geopolíticos e socioeconômicos são muito complexos, imprevisíveis e potencialmente irreversíveis.
É consensual que o melhor mecanismo para incentivar a redução das emissões de gases é a taxação do carbono. Mas é preciso explorar outras opções. Primeiro, porque os governos têm procrastinado a sua implementação. Por outro lado, se é compreensível que jovens ativistas como Greta Thunberg pregam uma revolução que pulverize do dia para a noite os combustíveis fósseis, gestores adultos não têm essa opção. Restrições demasiadamente abruptas, mais do que provocar crises de abastecimento e desintegrar reservas de capital, podem dizimar milhões de empregos que sustentam famílias pobres em todo o mundo.
À medida que a humanidade avança no chamado “Antropoceno”, a interdependência entre os biomas naturais e as sociedades humanas se torna cada vez mais complexa. Para complicar, o combate multidimensional às mudanças climáticas deve ser travado enquanto o quadro institucional global é pressionado por críticas crescentes.
Navegando em águas não mapeadas, os bancos centrais precisam, segundo o BIS, promover uma “ruptura epistemológica”. Ante a potencial irrupção de cisnes verdes, os modelos tradicionais de avaliação de risco baseados em tendências históricas precisam ser complementados por outros que deem conta i) de cenários relativos à interação entre tecnologias, comportamentos, dinâmicas geopolíticas, variáveis macroeconômicas e padrões climáticos; ii) da translação destes cenários em “métricas granulares” adequadas a um ambiente em que empresas e cadeias de valor serão afetadas de modos imprevisíveis; e, principalmente, iii) do enfrentamento dos riscos relacionados ao clima com ações de mitigação adequadas.
Uma descarbonização bem-sucedida da economia depende primariamente de outras instâncias públicas que não os bancos centrais. Mas, se elas falharem, eles correm o risco de não conseguir cumprir sua missão de garantir a estabilidade financeira. Por isso, numa “segunda ruptura epistemológica”, eles precisam advogar mudanças socioeconômicas mais amplas. Isso implica promover os valores e ideias das finanças sustentáveis; conclamar um papel mais efetivo das políticas fiscais em apoio à transição para a economia de baixo carbono; aumentar a cooperação em questões ecológicas entre as autoridades financeiras e monetárias; e apoiar iniciativas que promovam mais integração das dimensões ambientais aos quadros orçamentários nacionais e corporativos.
Quem enfrenta os riscos físicos das mudanças climáticas sem enfrentar os riscos de transição acarretados por estratégias de mitigação potencialmente desordenadas pode evitar catástrofes ambientais, mas arrisca-se a desencadear catástrofes sociais. Uma coisa não pode – não deve – excluir a outra. A mensagem do BIS é que o bom combate precisa ser travado nas duas frentes, ou não será bom (O Estado de S.Paulo, 27/1/20)