Os erros de Lula 3 e como ser de esquerda com o direitão na política
Lula - foto- Nelson Almeida - 2.jun.23-AFP
Por Vinicius Torres Freire
Lascado de primeiro teste no Congresso, governo não entende o país conservador.
De repente, não mais do que repente, temos de acompanhar as tratativas do deputado federal Elmar Nascimento (União Brasil-BA) com Luiz Inácio Lula da Silva a respeito de como resgatar o governo do naufrágio no Congresso.
Nascimento é um visconde da Codevasf, escoadouro de emendas paroquiais, e homem de prestígio na corte de Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara. Lira é o premiê informal disso que chamemos de semiparlamentarismo de coabitação de Lula com o direitão do Congresso.
Como o clima entre Lula e Lira está ruim, Nascimento foi encarregado de discutir os termos de armistício desse conflito em que o governo saiu lascado. Quem sabe acerte uma aliança, com negociação de ministérios, entre outras demandas de Lira e pares.
De repente do riso fez-se o pranto, como escreveu Vinicius de Moraes naquele soneto algo cafona. O governo achava que estava por cima da carne-seca, ilusão difícil de entender.
Desde a eleição de 2022, havia sinais espalhafatosos de que haveria problemas.
Como se sabe, direita e extrema direita jamais tiveram tantos deputados. Parte deles é encarniçadamente antiesquerdista, antipetista ou antilulista. Não podem fazer acordo, sem mais, com Lula 3, por compromissos com seu eleitorado. A sociedade se tornou ainda mais conservadora.
Como se sabe, o Congresso tem mais poder desde 2015. Está explícito que é uma cooperativa de gestão autônoma e inepta de escassos dinheiros livres do Orçamento; que o impeachment ou facadas no governo são armas na cintura.
Como se sabe, o governo negociou mal a parca distribuição de cargos. Não fez bons acertos com partidos, vide o caso do União Brasil, e "tem PT demais", como se diz no Congresso.
Isto posto, dada a desproporção de forças entre esquerda e direita, não há como o governo distribuir cargos bastantes sem que Lula 3 fique descaracterizado, pois lotado de direita. Ainda assim, vai ter de entregar a mão para não perder um olho (foi-se o tempo de dedos e anéis).
Tudo isso estava claro pelo menos em março. Fernando Haddad foi dos poucos ministros que percebeu o tamanho da encrenca e foi se virar com Lira e pares. Outros pareciam viajar na estratosfera da soberba ou da inércia inepta.
Fora da política politiqueira, faltam acordos sociais e planos de mudança amplos ou Lula queima capital.
O presidente não se envolveu nos projetos mais importantes até agora, como o arcabouço fiscal. Lula nada diz sobre a essencial reforma tributária, que vai ser objeto de conflito social e econômico grande, pois pretende redistribuir o peso de impostos.
Colocar os pobres no Orçamento, via transferências diretas de renda, é um plano que se esgotou. Não haverá dinheiro para ampliações relevantes. Temas centrais, como reforma e ampliação do SUS, ou reforma urbana, transporte público e educação infantil, regionais, mas que poderiam ter apoio do governo federal, estão largados ou nem são cogitados. Qual a mudança de fundo, as "reformas" de esquerda?
Na industrialização, há medidas tópicas ou demagógicas ("Mais Carros"). É chato tratar de reforma do setor elétrico e de preço de gás, para diminuir custos da indústria e, menos ainda, de abertura comercial. Da "transição [tecnológica] verde", nada se sabe.
Em vez de dar impulso a projetos de fundo, Lula faz discurso contraproducente sobre contas públicas e juros. Sem dinheiro no Orçamento, parece tentado por intervenções erradas, via gasto, subsídios e preços de estatais.
Lula queima o filme com parte da esquerda (ambiente, indígenas, nomes para o STF). Perde a boa vontade do pequeno "centro" que aderiu a sua "frentinha ampla".
De alívio, por ora, apenas a economia, que vai desacelerar devagar. No mais, está difícil (Folha de S.Paulo, 4/6/23)