23/11/2022

Passos corretos na COP-27 – Editorial O Estado de S.Paulo

Passos corretos na COP-27 – Editorial O Estado de S.Paulo

ESTADÃO AZUL

Crise energética freou compromissos na redução das emissões, mas houve avanços nas compensações aos países pobres e em mecanismos para financiar adaptações às mudanças climáticas.

Como costuma acontecer após o encerramento das cúpulas climáticas da ONU (COPs), o sentimento geral ao fim desta 27.ª edição foi de frustração, resumido na fórmula: “insuficiente”. E, como costuma acontecer também, essa atmosfera de decepção acaba obnubilando avanços nas discussões e conquistas concretas na resolução final.

As políticas climáticas apoiam-se num tripé: mitigação (a redução das emissões de gases de efeito estufa), adaptação (aos impactos dessas emissões) e compensação (aos países menos poluentes pelos danos causados pelos maiores poluentes). Ainda que essenciais, os dois últimos pilares são paliativos. O crucial para conter o aumento da temperatura é o primeiro e, sobre esse aspecto, de fato, não houve avanços na COP-27.

A resolução da COP-26 foi a primeira a incluir um compromisso de diminuição no uso dos combustíveis fósseis, conclamando à “redução de energia a carvão sem captura de carbono e à eliminação de subsídios ineficientes aos combustíveis fósseis”. Esperavam-se avanços agora. A Índia propôs um compromisso com a redução de todos os combustíveis fósseis. No documento final, contudo, nenhum desses temas foi mencionado. A insatisfação foi vocalizada por Alok Sharma, presidente britânico da COP anterior: “Pico das emissões até 2025... Não nesse texto. Claro prosseguimento na redução do carvão: não nesse texto. Um compromisso claro com a eliminação de todos os combustíveis fósseis: não nesse texto”.

Mas, se, considerando os desafios estruturais para a mitigação do aquecimento global, o desgosto com a estagnação é justificado, as razões para essa estagnação também o são por uma conjuntura extraordinariamente adversa. Entre uma COP e outra eclodiu uma guerra na Europa, e com ela vieram uma inflação galopante e uma crise alimentar e energética. Grandes produtores de óleo e gás, como Rússia e Arábia Saudita, sentiram-se empoderados para resistir a pressões; e grandes consumidores, vulneráveis para exercê-las.

Há temas importantes para o clima que não estão sendo devidamente debatidos. Muitos economistas especialistas em clima advertem que o mundo tem gastado muito subsidiando fontes renováveis ineficientes, e muito pouco investindo em inovação para tornar essas tecnologias de fato eficientes (abundantes, confiáveis e baratas), o que seria a solução para a transição energética.

Como ponto positivo da COP-27, os 200 países aprovaram um marco que vinha sendo eludido em todas as COPs desde 1995. Pactuou-se um fundo de perdas e danos para os países mais vulneráveis aos impactos climáticos. Em 2009, as nações ricas haviam prometido US$ 100 bilhões por ano, embora não tenham ultrapassado US$ 83 bilhões em nenhum ano. O avanço deste ano está na admissão formal de suas responsabilidades e na criação do fundo. Mas quase todos os detalhes – quanto dinheiro será dado, por quem, para quem, para que e sob quais condições – ainda não foram definidos.

A COP-27 também marcou a admissão de que, para vencer esses desafios, será preciso reorganizar o sistema financeiro global, especialmente instituições multilaterais, como o Banco Mundial e o FMI, permitindo, por exemplo, condições especiais de empréstimos e amortização de dívidas a países pobres atingidos por impactos climáticos.

Em relação à transição energética, ainda que a COP-27 não tenha gerado compromissos formais, o mundo tem avançado. Nos últimos três séculos, as emissões de carbono e o aumento da qualidade de vida cresceram juntos. Mas organizações como a Agência Internacional de Energia ou o Global Carbon Budget registram que a taxa de produção de poluentes per capita vem caindo e a produção de combustíveis fósseis atingirá um platô nos próximos anos e depois deve declinar. Assim, pela primeira vez desde a revolução industrial, o crescimento econômico já não dependerá do crescimento das emissões.

Em outras palavras, o mundo ainda não encontrou a solução para manter a temperatura global em níveis toleráveis, mas começa a caminhar na direção certa. O desafio agora é acelerar o passo (O Estado de S.Paulo, 23/11/22)