27/11/2024

Política, ambiente e protecionismo no caso Carrefour – Editorial Folha

Política, ambiente e protecionismo no caso Carrefour – Editorial Folha

Empresa recua após fala contra carne do Mercosul gerar reação de frigoríficos no Brasil, mas tensão com a UE prosseguirá.

 

Carrefour, percebe-se hoje, deu um passo maior que as pernas quando o presidente mundial da rede francesa, Alexandre Bompard, anunciou na semana passada que não venderia mais carne originária de nações do Mercosul.

 

A comunicação se deu na forma de uma carta dirigida a uma entidade representativa dos agricultores de seu país, que protestam contra a perspectiva de aumento da competição com o avanço do acordo de livre-comércio entre o Mercosul e a União Europeia.

Bompard jogou para a plateia local repetindo argumentos sanitários ambientais, invocando o "risco de inundar o mercado francês com uma produção de carne que não respeita suas exigências e normas".

 

A declaração de hostilidade despertou veemente reação empresarial e política no Brasil, principal economia do Mercosul, grande exportador de carne e maior fonte de faturamento do Carrefour fora do país-sede.

Grandes frigoríficos brasileiros iniciaram um boicote no fornecimento aos supermercados da rede aqui, de imediato apoiado pela poderosa bancada ruralista do Congresso Nacional. Tampouco o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, perdeu a oportunidade de se associar à causa.

 

Nesta terça (26), a empresa publicou uma pouco convincente carta de retratação em que reconhece a "alta qualidade e sabor" da carne brasileira. É improvável que os impactos da trapalhada tenham cessado, e é certo que se mantém o contexto que a gerou.

Na França há ruidosa oposição ao acordo comercial UE-Mercosul, que chegou a ser assinado em 2019, mas teve negociações reabertas no ano passado.

 

O fragilizado governo de Emmanuel Macron não pode se dar ao luxo de enfrentar maiores protestos populares, e o Brasil sob Luiz Inácio Lula da Silva (PT) também tem cacoetes protecionistas.

Normas ambientais são muitas vezes usadas como mero pretexto por europeus incapazes de competir na agropecuária, mas isso não significa que sejam irrelevantes ou incorretas.

 

Para alívio parcial de produtores brasileiros, o Parlamento Europeu adiou por um ano a legislação que restringe importações oriundas de áreas desmatadas, que agora vigorará a partir de 2026. Aqui, por causa de deficiências do Estado e resistências de setores retrógrados do agronegócio, estamos muito atrasados no controle de crimes ambientais.

 

As tensões de lado a lado prosseguirão, sem solução simples à vista. O caso Carrefour tem algo de caricato, mas fragilidades dos envolvidos resultam em sequelas (Folha, 27/11/24)